VI Domingo da Páscoa - Ano C

6º DOMINGO DA PÁSCOA (ANO C)

1 de Maio de 2016

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Evangelho de Nosso Senhor Jesus Cristo segundo São João (Jo 14, 23-29)

23Naquele tempo, disse Jesus aos seus discípulos: «Quem me ama guardará a minha palavra, e meu Pai o amará, nós viremos a ele e faremos nele a nossa morada. 24Quem não me tem amor não guarda as minhas palavras; e a palavra que ouvis não é minha, mas é do Pai, que me enviou.25Fui-vos revelando estas coisas enquanto tenho permanecido convosco; 26mas o Paráclito, o Espírito Santo, que o Pai enviará em meu nome, esse é que vos ensinará tudo, e há-de recordar-vos tudo o que Eu vos disse. 27Deixo-vos a paz; dou-vos a minha paz. Não é como a dá o mundo, que Eu vo-la dou. Não se perturbe o vosso coração nem se acobarde. 28Ouvistes o que Eu vos disse: 'Eu vou, mas voltarei a vós.' Se me tivésseis amor, havíeis de alegrar-vos por Eu ir para o Pai, pois o Pai é mais do que Eu. 29Digo-vo-lo agora, antes que aconteça, para crerdes quando isso acontecer».

Algumas perguntas

  • Nós viremos a ele e faremos nele a nossa morada. Se olharmos para os nossos acampamentos  interiores encontramos a tenda da shekinah (presença) de Deus?
  • Quem não me tem amor não guarda as minhas palavras. As palavras que Cristo nos dirige, por causa da nossa falta de amor são palavras vazias ou, pelo contrário, observamo-las como orientadoras da nossa caminhada?
  • O Espírito Santo há-de recordar-vos tudo o que Eu vos disse. Jesus volta para o Pai mas tudo o que disse e fez permanece entre nós. Quando seremos capazes de recordar o que a graça divina realizou em nós? Acolhemos a voz do Espírito Santo que nos indica no mais íntimo de nós mesmos o significado de tudo o que aconteceu?
  • Deixo-vos a paz; dou-vos a minha paz. Até quando a inquietação e a mania pelo fazer, que nos afastam da fonte do ser, abandonarão o domicílio da nossa existência? Deus da paz, quando viveremos unicamente de ti, paz da nossa espera?
  • Digo-vo-lo agora, antes que aconteça, para crerdes quando isso acontecer. Antes que aconteça... Agrada a Jesus explicar-nos antecipadamente o que acontecerá, para que os acontecimentos não nos surpreendam e encontrem desprevenidos. Somos capazes de ler os sinais dos nossos acontecimentos com as palavras que escutamos d'Ele?

Chave de leitura

Vir a morar. O céu não tem melhor lugar do que o coração humano enamorado. Porque no coração dilatado, os limites alargam-se e toda a barreira de espaço e de tempo são anulados. Viver no amor equivale a viver no céu, a viver n'Aquele que é o Amor, Amor eterno.

v. 23: Quem me ama guardará a minha palavra, e meu Pai o amará, nós viremos a ele e faremos nele a nossa morada. Na origem de toda a experiência espiritual há sempre um movimento para diante. Partindo de um pequeno passo, depois tudo se move com harmonia. E o passo a dar é somente este: Quem me ama. Pode-se amar verdadeiramente Jesus? Por que é que o seu rosto não se reflecte nas pessoas? Amar: o que significa realmente? No geral, amar, significa para nós querer-se, estar juntos, tomar decisões para construir o futuro, dar-se... mas para Jesus não é a mesma coisa. Amá-lo significa fazer como Ele fez, não retrair-se diante da dor e da morte; amar como Ele significa pôr-se aos pés dos irmãos, para responder às suas necessidades vitais; amar como Ele pode levar-nos longe... é neste amor que a palavra se converte em pão quotidiano do qual nos alimentamos e a vida se converte em céu pela presença do Pai.

vv. 24-25: Quem não me ama não guarda as minhas palavras. E a palavra não é minha mas do Pai que me enviou... Se não há amor as consequências são desastrosas. As palavras de Jesus só podem ser observadas se há amor no coração, de outro modo parecem propostas absurdas. Aquelas palavras não são de um homem, nascem do coração do Pai que propõe a cada um de nós para ser como Ele. Não se trata de fazer coisas na vida, mesmo que sejam boas. É necessário ser homens, ser filhos, ser imagem semelhante a Quem não cessa de dar-se a Si mesmo.

vv. 25-26: Fui-vos revelando estas coisas enquanto tenho permanecido convosco; mas o Paráclito, o Espírito Santo, que o Pai enviará em meu nome, esse é que vos ensinará tudo, e há-de recordar-vos tudo o que Eu vos disse.Recordar é obra do Espírito Santo; quando durante as nossas jornadas diárias o passado desliza como algo irremediavelmente perdido e o futuro se apresenta ameaçador para nos tirar a alegria de hoje, somente o sopro divino pode fazer-nos recordar. Fazer memória do que se disse, de cada palavra saída da boca de Deus e dirigida a ti, e esquecida pelo facto de que o tempo passou.

v. 27: Deixo-vos a paz; dou-vos a minha paz. Não é como a dá o mundo, que Eu vo-la dou. Não se perturbe o vosso coração nem se acobarde. A paz que Cristo nos dá não é a ausência de problemas, serenidade na vida, saúde... mas plenitude de todo o bem, ausência de medo diante do que pode acontecer. O Senhor não nos assegura o bem-estar, mas a plenitude da filiação numa adesão amorosa aos seus projectos de bem para nós. Possuiremos a paz quando aprendermos a confiar no que o Pai escolhe para nós.

v. 28: Ouvistes o que Eu vos disse: 'Eu vou, mas voltarei a vós.' Se me tivésseis amor, havíeis de alegrar-vos por Eu ir para o Pai, pois o Pai é mais do que Eu. Voltamos à questão do amor. Se me amasseis, alegrar-vos-ias. Que sentido tem esta expressão nos lábios do Mestre? Poderíamos completar a frase e dizer: se me amasseis, alegrar-vos-ias por eu ir para o Pai... mas como somente pensais em vós, estais tristes porque eu vou partir. O amor dos discípulos ainda é um amor egoísta. Não amam Jesus porque não pensam n'Ele mas em si próprios. O amor que Jesus nos pede é este: um amor que se alegra porque o outro é feliz. Um amor que não pensa em si mesmo como o centro do universo, mas como um lugar em que ouvir se converte em abertura para dar e poder receber: não em troca mas como “efeito” do dom entregue.

v. 29: Digo-vo-lo agora, antes que aconteça, para crerdes quando isso acontecer. Jesus ensina os seus porque sabe que ficarão confusos e terão dificuldade em compreender. As suas palavras não desaparecem mas ficam presentes no mundo, como tesouros de compreensão para a fé. Um encontro com o Absoluto que está desde sempre e para sempre em favor do homem.

Reflexão

Amor. Palavra mágica e antiga como o mundo, palavra familiar que nasce no horizonte de cada homem no momento em que é chamado à existência. Palavra escrita nas fibras humanas como origem e como fim, como instrumento e paz, como pão e dom, como a si mesmo, como outros, como Deus. Palavra confiada à história através da nossa história diária. Amor: um pacto que sempre tem uma só denominação: homem. Sim, porque o amor coincide com o homem: amor é o ar que se respira, amor é o alimento que se nos dá, o descanso de quem confia, amor é o vínculo que faz com que a terra seja um lugar de encontro. O amor através do qual Deus contemplou a criação e disse. “E era tudo muito bom”. Não retrocedeu no seu compromisso quando o homem fez de si mesmo uma rejeição, mais do que um dom, um desprezo, mais do que uma carícia, uma pedra lançada, mais do que uma lágrima enxugada. Amou ainda mais com os olhos e o coração do Filho, até ao extremo. Este homem que se tornou chama ardente do pecado, foi redimido pelo Pai, única e exclusivamente por amor, no fogo do Espírito.

Palavra para o caminho

“Neste imenso texto (João 13,12-17,26), cujas linhas temáticas vêm e refluem e voltam a vir, à maneira das ondas do mar que vêm sobre a praia, refluem e voltam, assistimos hoje (Jo 14,26) ao segundo dos cinco dizeres de Jesus relativos à Vinda do Espírito Santo, Paráclito (paráklêtos), isto é, Defensor [Advogado de defesa], Consolador e Intérprete. Este último significado deriva do aramaico paráklita, dos rabinos, que não tem o significado usual do grego (Defensor e Consolador), mas Intérprete, aquele que traduz Deus para nós e nós para Deus, fonte permanente de comunicação, compreensão e comunhão. O Espírito Paráclito é assim o grande construtor de pontes entre nós uns com os outros e com Deus. É, por isso, que Ele é o Amor, que destrói todos os muros, preconceitos, ódios, divisões, incompreensões. Eis os cinco mencionados dizeres de Jesus sobre a Vinda do Espírito Santo, sempre dita no futuro: João 14,16; 14,26; 15,26; 16,7; 16,13-15” (António Couto).