Quaresma 2024: da Cruz à Luz, com o Padre Tiago de Jesus, Ocd

De há uns anos para cá o Carmelo Descalço tem-nos brindado com um «retiro online», marcado por uma figura ilustre do Carmelo. Este ano, o escolhido é o P. Lucien Bunel (1900-1945), que adoptou o nome P. Tiago de Jesus quando entrou para o Carmelo. A frase “Pela «Cruz à Luz» é o título do retiro quaresmal que nos é oferecido este ano de 2024.

O seu coração de homem e de padre é ferido pelos actos bárbaros do regime nazi. Revoltado, coloca-se do lado dos que sofrem e são perseguidos. Em Março de 1945, no campo de Gusen, o Padre Tiago de Jesus rabisca com um lápis de carvão algumas palavras em latim na folha de um pequeno caderno. Este escrito pode ser considerado com toda a justiça o seu testamento espiritual: «Pela Cruz à luz… Sem derramamento de sangue não há redenção… Quem pratica a verdade aproxima-se da luz». Estas palavras jorram do seu coração de sacerdote, habitado pela Palavra de Deus. São o resultado da maturação de toda uma vida oferecida, feita dom. A frase escolhida como título do nosso retiro de Quaresma - «Pela Cruz à Luz» - expressa a fé profunda deste sacerdote carmelita, a esperança que está dentro dele e a caridade que testemunha para com os seus companheiros de deportação.

O que agora publicamos não é todo o material do retiro, mas os degraus diários da escada da Quaresma, como ajuda para a caminhada em direcção ao seu termo: a Páscoa. São sugestões de oração com o P. Tiago de Jesus para cada dia quaresmal.

Primeira semana - «Salvos pelo Batismo»

 

Iniciámos o tempo da Quaresma na quarta-feira passada pela imposição das cinzas e por um tempo de jejum e abstinência. São Pedro, na segunda leitura da eucaristia deste primeiro domingo da Quaresma, coloca diante dos nossos olhos a realidade da Paixão de Cristo Jesus: «Cristo padeceu pelos pecados. (…) Foi morto na carne». Mas, ao mesmo tempo, São Pedro explica-nos a razão: «Para nos conduzir a Deus» e clarifica à partida que a paixão e a morte na Cruz não são o fim do percurso: «Morto na carne, mas vivificado no Espírito». Somos, desde o início, chamados à espiritualidade própria deste tempo de Quaresma: passar «pela Cruz» para chegar «à Luz». Os quarenta dias em que a Igreja nos propõe caminhar em direcção à Páscoa são marcados por este dinamismo de vida. No tempo da Quaresma, a nossa participação no mistério pascal tem como objectivo «conduzir-nos a Deus», permitir-nos viver na Sua intimidade. A seguir, São Pedro fala do dilúvio que é uma «figura do baptismo, que agora vos salva». Fomos mergulhados na morte de Cristo para viver já da Sua Ressurreição. O baptismo faz de nós pessoas salvas. Sabemos fazer memória do nosso baptismo? Desse instante em que Deus Trindade, Pai, Filho e Espírito Santo veio estabelecer a Sua morada no mais íntimo do nosso ser? Pela graça do baptismo temos um futuro de eternidade. Porém, pode acontecer deixarmos turvar esta fonte de vida. São Pedro apresenta o baptismo não como um acontecimento do passado, mas como uma situação actual: «um compromisso para com Deus de uma consciência recta». O baptismo é uma realidade activa na minha vida que encerra uma garantia de vida nova para cada momento da minha existência. Um Padre da Igreja, Gregório de Nissa, afirmava: «És baptizado cada vez que renuncias ao mal». Somos mergulhados no mistério pascal de Cristo se nos comprometermos com Deus, de consciência recta, e isso nunca se faz de uma vez por todas. Sim, em virtude do nosso baptismo, em virtude da nossa pertença a Cristo Jesus, já somos santos… em gérmen. Temos de deixar crescer esta semente para que ela dê, pouco a pouco, verdadeiros frutos de santidade. E este tempo de Quaresma é um tempo privilegiado para cuidar esta semente.

A vontade de Cristo é clara: o dever e missão de todos nós é caminhar para a santidade. E todos são chamados à santidade porque todos recebem o gérmen da santidade com o baptismo. O maior obstáculo à santidade é a cobardia.

"Salvos pelo Batismo"

Segunda-feira, 19 de Fevereiro: Viver do meu baptismo

«Um cristão é alguém que ‘viu’ a Cristo. Há poucos cristãos porque há poucas almas que tenham ‘visto’ a Cristo. Há multidões de baptizados […] que permanecem frios, mornos». (Retiro no Carmelo de Pontoise)

«Todos os que fostes baptizados em Cristo, estais revestidos de Cristo». (Gl 3,27)

Que fiz eu do meu baptismo? Celebro o seu aniversário todos os anos?

Terça-feira, 20 de Fevereiro: O combate espiritual

«Antes do meu serviço militar ainda tenho alguns meses para lutar contra mim pró­prio, (…) para me dominar melhor, me recolher mais em Deus e viver uma vida interior mais intensa». (Carta à Ir. Marthe, em 1920)

«Revesti-vos da armadura de Deus, para terdes a capacidade de vos manterdes de pé contra as maquinações do diabo». (Ef 6,11)

Qual será o meu principal combate espiritual nesta Quaresma? Como é que o vou ori­entar?

Quarta-feira, 21 de Fevereiro: Escolher a verdadeira felicidade «A imensa fonte de felicidade, a única fonte capaz de extinguir o ardor dos nossos desejos, o único ser su­ficientemente grande para saciar o nosso coração é Deus. (…) Basta pensar nele, na sua presença contínua ao nosso lado». (Sermão de 1928)

«Senhor, sois o meu Deus, desde a aurora Vos procuro. A minha alma tem sede de Vós». (Sl 62)

O meu desejo de felicidade está correctamente orientado para Deus?

Quinta-feira, 22 de Fevereiro: Com a fé de São Pedro

«Vós, os meus mais crescidos, (…) desenvolvei uma vida espiritual profunda. Que Cris­to seja para vós um Ser vivente, um Amigo pessoal. Procurai-O muitas vezes na oração silenciosa, na Sua presença, e na comunhão eucarística». (Boletim En famille quand même, n° 2)

«E para vós, quem sou Eu?» (cf. Mt 16,15)

O meu desejo de felicidade está correctamente orientado para Deus?

Sexta-feira, 23 de Fevereiro: Porquê?

«Como vê, eu levo uma existência que está longe dos meus sonhos. Onde está a soli­dão? Onde está a vida ignorada e silenciosa à qual aspira todo o meu ser? Mistério do bom Deus! Porque é que Ele coloca em nós tais desejos, tão fortes e dolorosos em certas horas, e não permite que se realizem?» (Carta de 1926, a Antoine Thouvenin)

«Filho, porque nos fizeste isto?» (Lc 2,48)

Apresento a Deus na oração todos os «porquês» que tenho e todos os dos meus pró­ximos.

Sábado, 24 de Fevereiro: Abrir o meu coração

«Já pensastes que Ele Se põe pessoalmente à porta do vosso coração, à espera do momento em que vos decidireis a abrir-Lhe a porta? Ah! Se por uma só vez Ele nos aparecesse na Sua afectuosa atitude de espera!» (Sermão de 1926, em Havre)

«Eu estou à porta e bato: se alguém ouvir a minha voz e me abrir a porta, entrarei em sua casa e cearei com ele e ele Comigo.» (Ap 3,21)

Medito sobre esta espera de Cristo, à porta do meu coração.