XX Domingo do Tempo Comum - Ano B

20º DOMINGO DO TEMPO COMUM (ANO B)

16 de Agosto de 2015

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Evangelho de Nosso Senhor Jesus Cristo segundo São João (Jo 6, 51-58)

51«Eu sou o pão vivo, o que desceu do Céu: se alguém comer deste pão, viverá eternamente; e o pão que Eu hei-de dar é a minha carne, pela vida do mundo.» 52Então, os judeus, exaltados, puseram-se a discutir entre si, dizendo: «Como pode Ele dar-nos a sua carne a comer?!» 53Disse-lhes Jesus: «Em verdade, em verdade vos digo: se não comerdes mesmo a carne do Filho do Homem e não beberdes o seu sangue, não tereis a vida em vós. 54Quem realmente come a minha carne e bebe o meu sangue tem a vida eterna e Eu hei-de ressuscitá-lo no último dia, 55porque a minha carne é uma verdadeira comida e o meu sangue, uma verdadeira bebida. 56Quem realmente come a minha carne e bebe o meu sangue fica a morar em mim e Eu nele. 57Assim como o Pai que me enviou vive e Eu vivo pelo Pai, também quem de verdade me come viverá por mim. 58Este é o pão que desceu do Céu; não é como aquele que os antepassados comeram, pois eles morreram; quem come mesmo deste pão viverá eternamente.»

Comentário ao texto

v. 51: Eu sou o pão vivo, o que desceu do Céu: se alguém comer deste pão, viverá eternamente; e o pão que Eu hei-de dar é a minha carne, pela vida do mundo. O evangelho de João não nos transmite o relato da instituição da Eucaristia, mas o significado que ela assume na vida da comunidade cristã. A simbologia do lavar os pés e o mandamento novo (Jo 13, 1-35) quer ser o memorial do pão que é partido e do vinho que é derramado. Os conteúdos teológicos são os mesmos dos sinópticos. A tradição cultual de João pode ser encontrada no “discurso eucarístico” que se segue ao milagre da multiplicação dos pães (Jo 6, 26-65), um texto que põe em evidência o significado profundo da existência de Cristo dada ao mundo, dom que é fonte de vida e que conduz a uma comunhão profunda no novo mandamento da pertença. A referência ao antigo milagre do maná é explicativo da simbologia pascal em que o sentido da morte é assumido e superado pela vida: “Os vossos pais comeram o maná no deserto e morreram; este é o pão que desce do céu para que quem o coma não morra” (Jo 6, 49-50). Destinatário do pão do céu (cf Ex 16; Jo 6, 31-32), em figura ou na realidade, não é tanto cada um mas sobretudo a comunidade dos crentes, ainda que cada um seja chamado a participar pessoalmente no alimento dado para todos. Quem come o pão vivo não morrerá: o pão da revelação é o lugar de uma vida que não tem ocaso. Do pão, João passa a usar outra expressão para indicar o corpo: sarx. Na Bíblia, este termo designa a pessoa humana na sua frágil e débil realidade diante de Deus, e em João a realidade humana do Verbo divino, feito homem (Jo 1, 14a): o pão identifica-se com a própria carne de Jesus. Neste caso não se trata de um pão metafórico, ou seja da revelação de Cristo ao mundo, mas do pão eucarístico. Enquanto a revelação, ou seja o pão da vida, identificado com a pessoa de Jesus (Jo 6, 35) é dado pelo Pai, o pão eucarístico, ou seja o corpo de Jesus, será oferecido por Ele mesmo através da sua morte na cruz prefigurada na consagração do pão e do vinho durante a ceia: “O pão que eu darei é a minha carne para a vida do mundo”.

v. 52: Então, os judeus, exaltados, puseram-se a discutir entre si, dizendo: «Como pode Ele dar-nos a sua carne a comer?!». Começa o drama com um pensamento que fica na entrada do visível e material e não ousa ultrapassar o véu do mistério. O escândalo de quem acredita sem acreditar... de quem pretende saber e não sabe. Carne para comer: a celebração da Páscoa, rito perene que se perpetuará de geração em geração, festa do Senhor e memorial (cf. Ex 12, 14), do qual Cristo é o significado. O convite de Jesus para fazer o que Ele fez “in memoria” d'Ele, tem o seu paralelismo nas palavras de Moisés, quando prescreve a recordação pascal: “Este dia será para vós um memorial e vós o festejareis” (Ex 12, 14). Agora, sabemos que para os hebreus a celebração da Páscoa não era somente a recordação de um acontecimento passado, mas também a sua actualização de novo, no sentido de que Deus está disposto a oferecer de novo ao seu povo a salvação a quem, nas circunstâncias mutáveis da história, tem necessidade. Desta forma o passado irrompe no presente com a sua força salvífica. Da mesma maneira o sacrifício eucarístico “poderá” dar pelos séculos “carne para comer”.

v. 53: Disse-lhes Jesus: «Em verdade, em verdade vos digo: se não comerdes mesmo a carne do Filho do Homem e não beberdes o seu sangue, não tereis a vida em vós». João, tal como os sinópticos, utiliza expressões separadas para indicar a entrega de Cristo à morte, não querendo significar com isto a separação em partes, mas a totalidade da doação da sua pessoa: a corporeidade espiritualizada de Cristo ressuscitado, totalmente compenetrado pelo Espírito Santo no acontecimento pascal, converter-se-á em manancial de vida para todos os crentes, de modo especial mediante a Eucaristia, que une estreitamente cada um deles a Cristo glorificado à direita do Pai, fazendo-o participante da sua própria vida divina. Não são nomeadas as espécies do pão e do vinho, mas directamente o que neles é significado: carne para comer, porque Cristo é presença que alimenta a vida e sangue para viver – acção sacrílega para os judeus – porque Cristo é o Cordeiro imolado. É evidente aqui o carácter litúrgico sacramental: Jesus insiste sobre a realidade da carne e do sangue referindo-se à sua morte, porque na imolação das vítimas para o sacrifício a carne era separada do sangue.

v. 54: Quem realmente come a minha carne e bebe o meu sangue tem a vida eterna e Eu hei-de ressuscitá-lo no último dia. A Páscoa vivida pelo Jesus hebreu e pelo cristianismo primitivo recebe uma nova alma: a da ressurreição de Cristo, definitivo êxodo da liberdade perfeita e plena (Jo 19, 31-37), que encontra na Eucaristia o novo memorial, símbolo de um Pão de vida que sustenta na caminhada no deserto, sacrifício e presença que sustenta o novo povo de Deus, a Igreja, que, atravessadas as águas da regeneração, não se cansará de fazer memória como Ele disse (Lc 22, 19; 1Cor 11, 24) até à Páscoa eterna. Atraídos e penetrados pela presença do Verbo feito carne, os cristãos vivem na peregrinação do tempo a sua Pesach, a passagem da escravidão do pecado à liberdade dos filhos de Deus: em conformidade com Cristo, tornar-se-ão capazes de proclamar as obras maravilhosas da sua luz admirável, oferecendo a Eucaristia da sua corporeidade: sacrifício vivo, santo e agradável num culto espiritual (cf. Rom 12, 1) que se adequa ao povo da sua conquista, estirpe escolhida, sacerdócio real (cf. 1Pe 2, 9).

v. 55-56: Porque a minha carne é uma verdadeira comida e o meu sangue, uma verdadeira bebida. Quem realmente come a minha carne e bebe o meu sangue fica a morar em mim e Eu nele. É forte a incidência que esta oferta da vida de Cristo tem na vida do crente: “Quem come a minha carne e bebe o meu sangue, permanece em mim e eu nele” (Jo 6, 56). A comunhão de vida que Jesus tem com o Pai é oferecida a todo o que come o corpo sacrificado de Cristo: isto entende-se sem cair numa concepção mágica de um alimento sacramental que conferiria automaticamente a vida eterna a quem o comesse. A oferta da carne e do sangue requer a pregação para a tornar inteligível e para fornecer a necessária compreensão da acção de Deus, requer a fé por parte de quem participa no banquete eucarístico e requer a acção proveniente de Deus, do seu Espírito, sem a qual não pode haver nem escuta nem fé.

v. 57: Assim como o Pai que me enviou vive e Eu vivo pelo Pai, também quem de verdade me come viverá por mim. O acento não se coloca no culto como momento culminante e fundamento da caridade, mas na unidade do corpo de Cristo vivo e operante na comunidade. Não há liturgia sem vida. “Uma liturgia separada da caridade fraterna equivale à própria condenação, porque se despreza o corpo de Cristo que é a Comunidade”. Na liturgia eucarística, na verdade, o passado, o presente e o futuro da história da salvação, encontram um símbolo eficaz para a comunidade cristã, expressivo e nunca substitutivo da experiência de fé que deve estar sempre presente na história. Com a Ceia e a Cruz, que são inseparáveis, o povo de Deus tomou posse das antigas promessas, a verdadeira terra para além do mar, do deserto, do rio, terra onde corre leite e mel de uma liberdade capaz de obediência. Todas as grandes realidades da antiga economia da salvação encontram nesta hora (cf. Jo 17, 1) a sua realização: da promessa feita a Abraão (Gen 17, 1-8) à Páscoa do Êxodo (Ex 12, 1-51). É um momento decisivo em que todo o passado do povo é recolhido (DV, 4) e é oferecida ao Pai a primeira e mais nobre Eucaristia da nova aliança que jamais foi celebrada: o cumprimento fecundo sobre o altar da cruz de tudo o que se esperava.

v. 58: Este é o pão que desceu do Céu; não é como aquele que os antepassados comeram, pois eles morreram; quem come mesmo deste pão viverá eternamente. Quando Jesus disser: “Isto é o meu corpo” ou “Isto é o meu sangue”, estabelecerá uma relação verdadeira e objectiva entre estes elementos materiais e o mistério da sua morte, que terá o seu coroamento na ressurreição. Palavras criativas de uma nova situação com elementos comuns da experiência humana, palavras pelas quais sempre e verdadeiramente se realiza a misteriosa presença de Cristo vivo. Os elementos escolhidos querem ser e são símbolo e instrumento ao mesmo tempo. O elemento “pão” que pela relação que tem com a vida, tem em si uma significação escatológica (cf. Lc 14, 15), é facilmente compreensível enquanto alimento indispensável para a subsistência e motivo de partilha universal. O elemento “vinho” pela sua simbologia natural conduz à plenitude da vida e à expressão da alegria do homem (cf. Sl 103, 15).

Meditação

Jesus cumpre o verdadeiro Pesach da história humana: “Antes da festa da Páscoa, Jesus, sabendo que chegara a hora de passar deste mundo para o Pai, depois de ter amado os seus que estavam no mundo, amou-os até ao fim. Enquanto ceavam...” (Jo 13, 1). Passar: a nova Páscoa é precisamente esta passagem de Cristo deste mundo para o Pai através do sangue do seu sacrifício. A Eucaristia é o memorial, pão do deserto e presença de salvação, pacto de fidelidade e de comunhão escrito na pessoa do Verbo. A história da salvação que para Israel é narrada através de acontecimentos, nomes, lugares, conduz à reflexão de fé dentro de uma experiência de vida que faz de Javhé não um nome entre tantos outros mas o único nome. Tudo começa sempre por um encontro entre Deus e o homem que se traduz num pacto de aliança, antiga e nova. O mar dos juncos é a última fronteira da escravidão para além da qual se estende o espaço territorial da liberdade. Neste sepulcro de água é deposto o corpo do velho Israel e ressurge o novo e livre Israel. É aqui onde nasce a pertença a Israel. E cada vez que se evoque esta passagem nas águas do nascimento mais que um passado histórico para trazer à memória repropor-se-á o acontecimento escatológico, capaz de uma plenitude divina que actua no presente, sinal sacramental da iniciativa de um Deus fiel.

Contemplação

Quando pensamos em ti, Senhor, não recordamos factos acontecidos e realizados no tempo, mas entramos em contacto com a tua realidade sempre presente e viva, vemos a tua passagem contínua por nós. Tu intervéns na nossa vida para nos restituir a semelhança da pertença, para que não se seque mais entre as pedras da lei o nosso rosto, mas que encontre a sua máxima expressão no rosto do Pai, revelado no rosto do homem Jesus, promessa de fidelidade e amor consumado. Tu, Criador do céu e da terra, escondestes nas dobras da história e embora de modo obscuro e implícito deixas-te encontrar naquela transcendência que não desaparece com os acontecimentos. O prodígio da tua presença realiza-se sempre na pura gratuitidade: nos membros da Igreja, ali onde dois ou três se reúnem em nome de Jesus (Mt 18, 20), nas páginas da Escritura, na pregação evangélica, nos pobres e enfermos (Mt 25, 40), nas acções sacramentais dos ministros ordenados. Mas é sobretudo no sacrifício eucarístico que a presença é totalmente real: no Corpo e Sangue está toda a humanidade e a divindade do Senhor ressuscitado, presença substancial.

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