Domingo de Ramos - Ano B

DOMINGO DE RAMOS - ANO B - (Mc 14,1-15,47)

1 de Abril de 2012

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Chave de leitura

Geralmente, quando lemos a história da paixão e morte, olhamos para Jesus e o sofrimento que lhe infligiram. Mas vale a pena olhar também, pelo menos uma vez, os discípulos, e ver como reagiram perante a cruz e como a cruz teve repercussões nas suas vidas, porque a cruz passou a ser a medida de comparação.

 

Marcos escreve para as comunidades dos inícios dos anos setenta. Muitas destas comunidades, tanto as da Itália como as da Síria, viviam a sua própria paixão. Confrontavam-se com a cruz de formas diferentes. Tinham sido perseguidas na época de Nero, nos anos sessenta, e muitos morreram, despedaçados pelas feras ferozes. Outros atraiçoaram, negando ou abandonando a sua fé em Jesus, como por exemplo Pedro, Judas e os discípulos. Outros perguntavam-se: «Resistirei à perseguição?». Outros já se tinham cansado depois de terem perseverado durante tantos esforços, quase sem resultados. De entre os que tinham abandonado a fé, alguns perguntavam-se se era possível voltar à comunidade. Queriam recomeçar o caminho, mas não sabiam se o regresso era possível ou não. Um ramo cortado não tem raízes. Todos eles tinham necessidade de novas e fortes motivações para poder empreender de novo o caminho. Tinham necessidade de uma experiência renovada do amor de Deus que superasse os erros humanos. Mas onde encontrá-la? Tanto para eles como para nós, encontra-se uma resposta nos capítulos 14 a 16 do Evangelho de Marcos, que descrevem a paixão, a morte e a ressurreição de Jesus. Porque na paixão de Jesus, o momento da maior derrota dos discípulos, encontra-se escondida a maior esperança. Olhamos no espelho destes capítulos para ver como os discípulos reagiram perante a cruz e como Jesus reage à infidelidade e debilidade dos discípulos. Procuremos descobrir como Marcos anima a fé das comunidades e como descreve quem é verdadeiramente discípulo de Jesus.

 

Olhando no espelho da paixão para saber como ser um discípulo fiel Marcos

 14, 1-9: Introdução à história da paixão de Jesus

 1 Faltavam só dois dias para a Páscoa e os Ázimos, e os sumos sacerdotes e doutores da Lei procuravam maneira de capturar Jesus à traição e de o matar. 2 É que diziam: «Durante a festa não, para que o povo não se revolte».

3 Jesus encontrava-se em Betânia, na casa de Simão, o leproso. Estando à mesa, chegou uma certa mulher que trazia um frasco de alabastro, com perfume de nardo puro de alto preço; partindo o frasco, derramou o perfume sobre a cabeça de Jesus. 4 Alguns, indignados, disseram entre si: «Para quê este desperdício de perfume? 5 Podia vender-se por mais de trezentos denários e dar-se o dinheiro aos pobres». E censuraram-na. 6 Mas Jesus disse: «Deixai-a. Porque estais a atormentá-la? Praticou em mim uma boa acção! 7 Sempre tereis pobres entre vós e podereis fazer-lhes bem quando quiserdes; mas a mim nem sempre me tereis. 8 Ela fez o que estava ao seu alcance: ungiu antecipadamente o meu corpo para a sepultura. 9 Em verdade vos digo: em qualquer parte do mundo, onde for proclamado o Evangelho, há-de contar-se também em sua memória, o que ela fez».

Marcos 14, 1-2: A conspiração contra Jesus

No termo da sua actividade missionária, chegando a Jerusalém, Jesus é esperado pelos homens detentores do poder: Sacerdotes, Ancião, Escribas, Saduceus, Herodianos, Romanos. Eles têm em mãos o controle da situação e não permitirão que Jesus, um carpinteiro do interior da Galileia, cause desordens. A morte de Jesus já tinha sido decidida por eles (Mc 11, 8; 12, 12). Jesus era um homem condenado. Agora cumprir-se-á o que ele mesmo tinha anunciado aos discípulos: «O Filho do Homem será entregue e será morto» (Mc 8, 31; 9, 31; 19, 33). Este é o fundo da história da paixão que se segue.

A história da paixão indicará que o verdadeiro discípulo que aceita seguir Jesus, o Messias Servo, e fazer da sua vida um serviço aos irmãos, deve carregar a cruz e caminhar atrás de Jesus. Se a história da paixão coloca o acento no abandono e falhanço dos discípulos, não é para causar desânimo aos leitores. Pelo contrário, é antes para realçar que o acolhimento e o amor de Jesus superam o abandono e a falta dos discípulos.

Marcos 14, 3-9: Uma discípula fiel

Uma mulher, cujo nome não é mencionado, unge Jesus com um perfume muito caro (Mc 14, 3). Os discípulos criticam o seu gesto. Pensam que é um desperdício (Mc, 4-5). Mas Jesus defende-a: « Porque estais a atormentá-la? Praticou em mim uma boa acção! Ela fez o que estava ao seu alcance: ungiu antecipadamente o meu corpo para a sepultura» (Mc 14, 6.8). Naquele tempo, para quem ia morrer numa cruz, não estava prevista uma sepultura, nem podia ser embalsamado. Sabendo isto, a mulher antecipa-se e unge o corpo de Jesus antes da condenação e da crucifixão. Com este gesto, indica que aceita Jesus como Messias Servo que morrerá na cruz. Jesus compreende o gesto da mulher e aprova-o. Antes, Pedro tinha rejeitado o Messias crucificado (Mc 8, 32). Esta mulher anónima é a discípula fiel, modelo para os seus discípulos que não entenderam nada. O modelo para todos, «em todo o mundo» (Mc 14, 9).

Marcos 14, 10-31: Comportamento dos discípulos perante a Cruz 10

Então, Judas Iscariotes, um dos Doze, foi ter com os sumos sacerdotes para lhes entregar Jesus. 11 Eles ouviram-no com satisfação e prometeram dar-lhe dinheiro. E Judas espreitava a ocasião favorável para o entregar.

12 No primeiro dia dos Ázimos, quando se imolava a Páscoa, os discípulos perguntaram-lhe: «Onde queres que façamos os preparativos para comeres a Páscoa?». 13 Jesus enviou, então, dois dos seus discípulos e disse: «Ide à cidade e virá ao vosso encontro um homem trazendo um cântaro de água. Segui-o 14 e, onde ele entrar dizei ao dono da casa. O Mestre manda dizer: 'Onde está a sala em que hei-de comer a Páscoa com os meus discípulos?'. 15 Há-de mostrar-vos uma grande sala no andar de cima, mobilada e toda pronta. Fazei aí os preparativos». 16 Os discípulos partiram e foram à cidade; encontraram tudo como Ele lhes dissera e prepararam a Páscoa.

17 Chegada a tarde, Jesus foi com os Doze. 18 Estavam à mesa a comer, quando disse: «Em verdade vos digo: um de vós há-de entregar-me, um que come comigo». 19 Começaram a entristecer-se e a dizer-lhe um após outro: «Porventura sou eu?». 20 Jesus respondeu-lhes: «É um dos Doze, aquele que mete comigo a mão no prato. 21 Na verdade o Filho do Homem segue o seu caminho, como está escrito a seu respeito; mas ai daquele por quem o Filho do Homem vai ser entregue! Melhor fora a esse homem não ter nascido!».

22 Enquanto comiam tomou um pão e, depois de pronunciar a bênção, partiu-o e entregou-o aos discípulos dizendo: «Tomai: isto é o meu corpo». 23 Depois, tomou o cálice, deu graças e entregou-lho. Todos beberam dele. 24 E Ele disse-lhes: «Isto é o meu sangue da aliança, que vai ser derramado por todos. 25 Em verdade vos digo: não voltarei a beber do fruto da videira até ao dia em que o beba, novo, no Reino de Deus».

26 Após o canto dos salmos, saíram para o Monte das Oliveiras. 27 Jesus disse-lhes: «Todos ides abandonar-me, pois está escrito: 'Ferirei o pastor e as ovelhas hão-de dispersar-se'. 28 Mas, depois de Eu ressuscitar, hei-de preceder-vos a caminho da Galileia». 29 Pedro disse: «Mesmo que todos venham a abandonar-te, eu não». 30 E Jesus disse: «Em verdade te digo, que hoje, esta noite, antes de o galo cantar duas vezes, tu me terás negado três vezes». 31 Mas ele insistia com mais ardor: «Mesmo que tenha de morrer contigo, não te negarei». E todos afirmaram o mesmo.

Marcos 14, 10-11: Judas decide atraiçoar Jesus

Em contraste total com a mulher, Judas, um dos Doze, decide atraiçoar Jesus e conspira com os inimigos que lhe prometem dinheiro. Continua a viver com Jesus com o único objectivo de ter uma oportunidade para o entregar. Na época em que Marcos escreveu o seu Evangelho, havia discípulos que esperavam a ocasião propícia para abandonar a comunidade que lhes trazia tanta perseguição. Ou quem sabe, talvez esperassem conseguir alguma vantagem pela entrega dos seus companheiros. E hoje?

Marcos, 14, 12-26: Preparação da Ceia Pascal

Jesus sabe que será entregue, mas apesar da traição por parte do amigo, vive em clima de fraternidade a Última Ceia com os discípulos. Seguramente gastara-se muito dinheiro para a sala:  «uma grande sala no andar de cima. Mobilada e toda pronta» (Mc 14, 15), porque era a noite de Páscoa. A cidade estava cheia de gente por causa da festa. Era difícil reservar um lugar.

Marcos 14, 17-21: Anúncio da traição de Judas

Estando reunidos pela última vez, Jesus anuncia que um dos discípulos o atraiçoará: «um de vós que come comigo!» (Mc 14, 18). Este modo de Marcos falar acentua o contraste. Para os judeus, comer juntos, a comunhão da mesa, era a máxima expressão da intimidade e da confiança. Deste modo, entrelinhas, Marcos envia a seguinte mensagem aos leitores: a traição cumprir-se-á pelas mãos de alguém muito amigo, mas o amor de Jesus é maior do que a traição!

Marcos 14, 22-25: A Eucaristia, a celebração da Ceia Pascal

Durante a celebração, Jesus realiza um gesto: compartilhar. Distribui o pão e o vinho, expressão do dom de si mesmo, e convidou os amigos a tomar o seu corpo e o seu sangue. O evangelista coloca este gesto de doação (Mc 14, 22-25) entre o anúncio da traição (Mc 14, 17-21) e o da fuga e negação (Mc 14, 26-31). Assim, acentuando o contraste entre os gestos de Jesus e dos discípulos, o evangelista revela para as comunidades daquele tempo e para todos nós a imensa gratuitidade do amor de Jesus que supera a traição, a negação e a fuga dos amigos.

Marcos, 14, 26-28: O anúncio da fuga de todos

Terminada a ceia, enquanto se dirigia com os amigos para o Monte das Oliveiras, Jesus anuncia que todos o abandonarão. Mas desde então avisa: «Mas, depois de Eu ressuscitar, hei-de preceder-vos a caminho da Galileia» (Mc 14, 28). Eles rompem com Jesus mas Jesus não rompe com eles. Ele continua a esperar no mesmo lugar, na Galileia, onde três anos antes os havia chamado pela primeira vez. A certeza da presença de Jesus na vida do discípulo é mais forte que o abandono e a fuga. O voltar é sempre possível.

Marcos 14, 29-31: O anúncio da negação de Pedro

Simão, que era chamado Cefas (pedra), é tudo menos pedra. Tinha sido já «pedra de escândalo» (Mt 16, 23) e Satanás para Jesus (Mc 8, 33) e agora pretende ser o discípulo mais fiel de todos: «Ainda que todos se escandalizem eu não!» (Mc 14, 29). Mas Jesus avisa-o: «Pedro, tu serás o primeiro a negar-me antes que o galo cante».

Marcos 14, 32-52: O comportamento dos discípulos no Jardim das Oliveiras

32 Chegaram a uma propriedade chamada Getsémani, e Jesus disse aos discípulos: «Ficai aqui enquanto eu vou orar». 33 Tomando consigo Pedro, Tiago e João, começou a sentir pavor e a angustiar-se. 34 E disse-lhes: «A minha alma está numa tristeza mortal; ficai aqui e vigiai». 35 Adiantando-se um pouco, caiu por terra e orou para que, se possível, passasse dele aquela hora. 36 E dizia: « Abbá, Pai, tudo te é possível; afasta de mim este cálice. Mas não se faça o que Eu quero, e sim o que Tu queres».

37 Depois, foi ter com os discípulos, encontrou-os a dormir, e disse a Pedro: «Simão, dormes? Nem uma hora pudeste vigiar! 38 Vigiai e orai, para não cederdes à tentação; o espírito está cheio de ardor, mas a carne é débil». 39 Retirou-se de novo e orou, dizendo as mesmas palavras. 40 E, voltando de novo, encontrou-os a dormir, pois os seus olhos estavam pesados; e não sabiam que responder-lhe. 41 Voltou pela terceira vez e disse-lhes: «Dormi agora e descansai!Pois bem, chegou a hora. Eis que o Filho do Homem vai ser entregue nas mãos dos pecadores. 42 Levantai-vos! Vamos! Eis que chega o que me vai entregar».

43 E logo, ainda Ele estava a falar, chegou Judas, um dos Doze, e, com ele, muito povo com espadas e varapaus, da parte dos sumos sacerdotes, dos doutores da Lei e dos anciãos. 44 Ora, o que o ia entregar tinha-lhes dado este sinal: «Aquele que eu beijar é esse mesmo; prendei-o e levai-o bem guardado». 45 Mal chegou, aproximou-se de Jesus, dizendo: «Mestre!»; e beijou-o. 46 Os outros deitaram-lhe as mãos e prenderam-no. 47 Então, um dos que estavam presentes, puxando da espada feriu o criado do Sumo Sacerdote e cortou-lhe uma orelha. 48 E tomando a palavra, Jesus disse-lhes: «Como se fosse um salteador, viestes com espadas e varapaus para me prender! 49 Estava todos os dias junto de vós, no templo a ensinar, e não me prendestes; mas é para se cumprir as Escrituras». 50 Então, os discípulos, deixando-o, fugiram todos. 51 Um certo jovem, que o seguia envolto apenas num lençol, foi preso; 52 mas ele, deixando o lençol, fugiu nu.

Marcos 14, 32-42: O comportamento dos discípulos durante a agonia de Jesus

No Jardim das Oliveiras, Jesus entra em agonia e pede a Pedro, Tiago e João que orem por Ele. Está triste, começa a ter medo, e busca o apoio dos amigos. Mas eles dormem. Não foram capazes de vigiar uma hora com Ele. E isto até três vezes! De novo o contraste entre a conduta de Jesus e a dos três discípulos é imensa. É aqui, no Jardim das Oliveiras, na hora de Jesus, onde se desintegra o ânimo dos discípulos. Nada resta.

Marcos 14, 43-52: A conduta dos discípulos durante a prisão de Jesus

Com o cair da noite, chegam os soldados, guiados por Judas. O beijo, sinal de amizade e de amor, converte-se em sinal de traição. Judas não tem a coragem de assumir a sua traição. Esconde-se. Durante a prisão, Jesus permanece tranquilo, senhor da situação. Procura ler o significado do que está a acontecer: «mas é para se cumprir as Escrituras» (Mc 14, 49). Mas todos os discípulos o abandonam e fogem (Mc 14, 50). Ninguém fica. Jesus fica só!

Marcos 14, 53 - 15, 20: O processo: diversas visões do Messias em conflito

53 Conduziram Jesus a casa do Sumo Sacerdote, onde se juntaram todos os sumos sacerdotes, os anciãos e os doutores da Lei. 54 E Pedro tinha-o seguido de longe até dentro do palácio do Sumo Sacerdote, onde se sentou com os guardas a aquecer-se ao lume. 55 Ora os sumos sacerdotes e todo o Sinédrio procuravam um testemunho contra Jesus a fim de lhe dar a morte, mas não o encontraram. 56 Pois muitos testemunharam falsamente contra Ele, mas os testemunhos não eram coincidentes. 57 E alguns ergueram-se e proferiram contra Ele este falso testemunho: 58 «Ouvimo-lo dizer: 'Demolirei este templo construído pela mão dos homens e, em três dias, edificarei outro que não será feito pela mão dos homens'». 59 Mas nem assim o depoimento deles concordava. 60 Então, o Sumo Sacerdote ergueu-se no meio da assembleia e interrogou Jesus: «Não respondes nada ao que estes testemunham contra ti?». 61 Mas Ele continuava em silêncio e nada respondia. O Sumo Sacerdote voltou a interrogá-lo: «És tu o Messias, o Filho do Deus Bendito?». 62 Jesus respondeu: «Eu sou. E vereis o Filho do Homem sentado à direita do Poder e vir sobre as nuvens do céu». 63 O Sumo Sacerdote rasgou, então, as suas vestes e disse: «Que necessidade temos ainda de testemunhas? 64 Ouvistes a blasfémia! Que vos parece?». E todos sentenciavam que Ele era réu de morte. 65 Depois alguns começaram a cuspir-lhe, a cobrir-lhe o rosto com um véu e, batendo-lhe, a dizer: «Profetiza!». E os guardas davam-lhe bofetadas.

66 Estando Pedro em baixo, no pátio, chegou uma das criadas do Sumo Sacerdote 67 e, vendo Pedro a aquecer-se, fixou nele o olhar e disse-lhe: «Tu também estavas com Jesus, o Nazareno». 68 Mas ele negou, dizendo: «Não sei nem entendo o que dizes». Depois saiu para o átrio e um galo cantou. 69 A criada, vendo-o de novo, começou a dizer aos que ali estavam: «Este é um deles». 70 Mas ele negou outra vez. Pouco depois, os presentes disseram de novo a Pedro: «Com certeza que és um deles, pois também és galileu». 71 Ele começou, então, a dizer imprecações e a jurar: «Não conheço esse homem de quem falais!». 72 E logo cantou o galo pela segunda vez. Pedro recordou-se, então, das palavras de Jesus: «Antes do galo cantar duas vezes tu me terás negado três vezes». E desatou a chorar.

15, 1 Logo de manhã, os sumos sacerdotes reuniram-se em conselho com os anciãos e os doutores da Lei e todo o Sinédrio; e tendo manietado Jesus, levaram-no e entregaram-no a Pilatos. 2 Perguntou-lhe Pilatos: «És tu o Rei dos Judeus?». Jesus respondeu-lhe: «Tu o dizes». 3 Os sumos sacerdotes acusavam-no de muita coisa. 4 Pilatos interrogou-o de novo, dizendo: «Não respondes nada? Vê de quantas coisas és acusado!». 5 Mas Jesus nada mais respondeu, de sorte que Pilatos estava estupefacto.

6 Ora, em cada festa, Pilatos costumava soltar-lhes um preso que eles pedissem. 7 Havia um, chamado Barrabás, preso com os insurrectos que haviam cometido um assassínio durante a revolta. 8 A multidão chegou e começou a pedir-lhe o que ele costumava conceder. 9 Pilatos, respondendo, disse: «Quereis que vos solte o rei dos Judeus?». 10 Porque sabia que era por inveja que os sumos sacerdotes o tinham entregado. 11 Os sumos sacerdotes, porém, instigaram a multidão, a pedir que lhes soltasse, de preferência, Barrabás. 12 Tomando novamente a palavra, Pilatos disse-lhes: «Então que quereis que faça daquele a quem chamais rei dos Judeus?». 13 Eles gritaram novamente: «Crucifica-o!». 14 Pilatos insistiu: «Que fez Ele de mal?». Mas eles gritaram ainda mais: «Crucifica-o!». 15 Pilatos, desejando agradar à multidão, soltou-lhes Barrabás; e, depois de mandar flagelar Jesus, entregou-o para ser crucificado.

16 Os soldados levaram-no para dentro do pátio, isto é, para o pretório, e convocaram toda a corte. 17 Revestiram-no de um manto de púrpura e puseram-lhe uma coroa de espinhos, que tinham entretecido. 18 Depois começaram a saudá-lo: «Salve! Ó rei dos judeus!». 19 Batiam-lhe na cabeça, com uma cana, cuspiam sobre Ele e, dobrando os joelhos prostravam-se diante dele. 20 Depois de o terem escarnecido, tiraram-lhe o manto de púrpura e revestiram-no das suas vestes. Levaram-no, então, para o crucificar.

Marcos 14, 53-65: Condenação de Jesus por parte do Supremo Tribunal

Jesus é conduzido ao tribunal do Sumo Sacerdote, dos Anciãos e dos Escribas, chamado também Sinédrio. Acusado por falsas testemunhas, Ele permanece calado. Sem defesa, é entregue nas mãos dos seus inimigos. Deste modo, cumpre o que tinha sido anunciado pelo profeta Isaías relativamente ao Messias Servo, que foi preso, julgado e condenado como uma ovelha sem abrir a boca (Is 53, 6-8). Ao ser interrogado Jesus assume o facto de ser o Messias mas assume-o sob o título de Filho do Homem (Mc 14, 62). Finalmente é esbofeteado por alguém que o ridiculariza chamando-o Messias Profeta (Mc 14, 65).

Marcos 14, 66-72: A negação de Pedro

Reconhecido pela criada como um dos que estava no Jardim das Oliveiras, Pedro nega Jesus. Chegou a negá-lo com juramento e maldição. Nem sequer desta vez é capaz de assumir Jesus como Messias Servo que dá a vida pelos outros. Mas quando o galo canta pela segunda vez, Pedro recorda-se das palavras de Jesus e começa a chorar. É o que acontece aos que têm os pés com a gente mas a cabeça perdida na ideologia dos herodianos e fariseus. Provavelmente esta era a situação de muitos nas comunidades do tempo em que Marcos escreve o seu evangelho. E hoje?

Marcos 15, 1-20: Jesus é condenado pelo poder romano

O processo continua o seu caminho. Jesus é entregue ao poder romano e por ele condenado, acusado de ser o Messias Rei (Mc 15, 2; cf Mc 15, 25). Outros propõem a alternativa da libertação de Barrabás, «preso com os insurrectos que haviam cometido um assassínio durante a revolta» (Mc 15, 7). Jesus é visto como um Messias Guerreiro anti-romano. Depois de ter sido condenado, cospem-no, mas Ele não abre a boca. Aqui aparece novamente o Messias Servo anunciado por Isaías (Is 50, 6-8).

Marcos 15, 21-39: Diante da Cruz de Jesus no Calvário

21 Para lhe levar a cruz, requisitaram um homem que passava por ali ao regressar dos campos, um tal Simão de Cirene, pai de Alexandre e de Rufo. 22 E conduziram-no ao lugar do Gólgota, que quer dizer 'lugar do Crânio'.

23 Queriam dar-lhe vinho misturado com mirra, mas Ele não quis beber. 24 Depois crucificaram-no e repartiram entre si as suas vestes, tirando-as à sorte, para ver o que cabia a cada um. 25 Eram umas nove horas da manhã, quando o crucificaram. 26 Na inscrição com a condenação, lia-se «O rei dos Judeus». 27 Com ele crucificaram dois ladrões, um à sua direita e o outro à sua esquerda. 28 Deste modo cumpriu-se a passagem da Escritura que diz: 'Foi contado entre os malfeitores'.29 Os que passavam injuriavam-no e, abanando a cabeça, diziam: «Olha o que destrói o templo e o reconstrói em três dias! 30 Salva-te a ti mesmo, descendo da cruz!». 31 Da mesma forma, os sumos sacerdotes e doutores da Lei troçavam dele entre si: «Salvou os outros mas não pode salvar-se a si mesmo! 32 O Messias, o Rei de Israel! Desça agora da cruz, para nós vermos e acreditarmos!». Até os que estavam crucificados com Ele o injuriavam.

33 Ao chegar o meio-dia, fez-se trevas por toda a terra, até às três da tarde. 34 E às três da tarde, Jesus exclamou em alta voz: «Eloí, Eloí, lemá sabachtáni?», que quer dizer: «Meu Deus, meu Deus, porque me abandonaste?». 35 Ao ouvi-lo, alguns que estavam ali, disseram: «Está a chamar por Elias!». 36 Um deles correu a embeber uma esponja em vinagre, pô-la numa cana e deu-lhe a beber, dizendo: «Esperemos a ver se Elias vem tirá-lo dali». 37 Mas Jesus, com um grito forte, expirou. 38 E o véu do templo rasgou-se em dois, de alto a baixo. 39 O centurião que estava em frente dele, ao vê-lo expirar daquela maneira, disse: «Verdadeiramente este homem era Filho de Deus».

Marcos 15, 21-22: Simão de Cirene carrega com a cruz

Quando Jesus foi conduzido ao lugar da crucifixão, Simão de Cirene, um pai de família, é obrigado a carregar com a cruz. Simão é o discípulo ideal que caminha pela senda de Jesus. Ele carrega a cruz literalmente atrás de Jesus, até ao Calvário.

Marcos 15, 23-32: A crucifixão

Jesus é crucificado como um marginal, no meio de dois ladrões. De novo, o evangelho de Marcos evoca a figura do Messias Servo, de que fala Isaías: «Foi-lhe dada sepultura junto aos ímpios» (Is 53, 9). O crime de que é imputado é «Rei dos judeus!» (Mc 15, 25). As autoridades religiosas ridicularizam e insultam Jesus dizendo: «Desça agora da cruz, para nós vermos e acreditarmos!» (Mc 15, 32). Sou como Pedro. Aceitaria Jesus como Messias se não estivesse cravado na cruz. Como diz o canto: «Queriam um grande rei que fosse forte, dominador e por isso não acreditaram nele e mataram o Salvador».

Marcos 15, 33-39: A morte de Jesus

Abandonado por todos, Jesus dá um grande grito e expira. O centurião, um pagão, que fazia de guarda, faz uma solene profissão de fé: «Verdadeiramente este homem era filho de Deus!». Um pagão descobre e aceita o que os discípulos não foram capazes de descobrir e aceitar, a saber, reconhecer a presença do Filho de Deus no ser humano torturado, desprezado e crucificado. Como a mulher anónima no princípio destes capítulos (Mc 14, 3-9), do mesmo modo, agora no final, aparece outro discípulo modelo. É o centurião, um pagão!

Marcos 15, 40 – 16, 8: Perante o sepulcro de Jesus 40

Também ali estavam algumas mulheres a contemplar de longe, entre elas, Maria de Magdala, Maria, mãe de Tiago Menor e de José, e Salomé, 41 que o seguiam e serviam quando Ele estava na Galileia; e muitas outras que tinham subido com Ele a Jerusalém.

42 Ao cair da tarde, visto ser a Preparação, isto é, véspera de sábado, 43 José de Arimateia, respeitável membro do Conselho que também esperava o Reino de Deus, foi corajosamente procurar Pilatos e pediu-lhe o corpo de Jesus. 44 Pilatos espantou-se por Ele já estar morto e, mandando chamar o centurião, perguntou-lhe se já tinha morrido há muito. 45 Informado pelo centurião, Pilatos ordenou que o corpo fosse entregue a José. 46 Este, depois de comprar um lençol, desceu o corpo da cruz e envolveu-o nele. Em seguida, depositou-o num sepulcro cavado na rocha e rolou uma pedra sobre a entrada do sepulcro. 47 Maria de Magdala e Maria, mãe de José, observavam onde o depositaram.

16, 1 Passado o sábado, Maria de Magdala, Maria, mãe de Tiago, e Salomé compraram perfumes para ir embalsamá-lo. 2 De manhã, ao nascer do sol, muito cedo, no primeiro dia da semana, foram ao sepulcro. 3 Diziam entre si: «Quem nos irá tirar a pedra da entrada do sepulcro?». 4 Mas olharam e viram que a pedra tinha sido rolada para o lado; e era muito grande. 5 Entrando no sepulcro, viram um jovem sentado à direita, vestido com uma túnica branca, e ficaram assustadas. 6 Ele disse-lhes:«Não vos assusteis! Buscais a Jesus de Nazaré, o crucificado? Ressuscitou; não está aqui. Vede o lugar onde o tinham depositado. 7 Ide, pois, e dizei aos seus discípulos e a Pedro: 'Ele precede-vos a caminho da Galileia; lá o vereis, como vos tinha dito'». 8 Saíram, fugindo do sepulcro, pois estavam a tremer e fora de si. E não disseram nada a ninguém, porque tinham medo.

Marcos 15, 40-47: A sepultura de Jesus

Um grupo de mulheres observa de longe: Maria de Magdala, Maria, mãe de Tiago Menor e de José, e Salomé. Elas não fogem. Continuam fiéis até ao fim. São testemunhas da morte de Jesus. E acontece que é deste grupo donde nascerá o novo anúncio do Domingo de Páscoa. Acompanha-as José de Arimateia, que pediu autorização para poder sepultar Jesus. No fim, duas delas, permanecerão perto do sepulcro fechado. São também testemunhas da sepultura de Jesus.

Marcos 16, 1-8: O anúncio da ressurreição

O primeiro dia da semana, muito de madrugada, as mesmas três mulheres vão embalsamar o corpo de Jesus. Mas encontram o sepulcro aberto. São testemunhas da ressurreição. Um anjo diz que Jesus ressuscitou e dá-lhes esta ordem: «Ide, pois, e dizei aos seus discípulos e a Pedro: 'Ele precede-vos a caminho da Galileia; lá o vereis, como vos tinha dito'» (Mc 16, 7). Na Galileia, nas margens do lago, onde tudo começara, recomendar-lhes-á tudo de novo. É Jesus quem convida. Ele não desiste, nem sequer diante do abandono dos discípulos. Chama de novo! Chama sempre!

O desastre final como nova chamada para ser discípulo

Esta é a história da paixão, morte e ressurreição de Jesus, vista por parte dos discípulos. A frequência com que nela se fala da incompreensão e da falta dos discípulos corresponde, muito provavelmente, a um facto histórico. Mas o interesse principal do evangelista não consiste em narrar o que sucedeu no passado, mas quer antes provocar uma conversão nos cristãos do seu tempo e fazer surgir em todos eles e em nós uma nova esperança, capaz de superar o desânimo e a morte. Há três coisas que sobressaem e devem ser consideradas a fundo:

1 - A falta dos eleitos

Estes Doze especialmente chamados e escolhidos por Jesus (Mc 3, 13-19) e por Ele enviados em missão (Mc 6, 7-13) falham. Fracasso completo. Judas, traidor, Pedro, nega-o, todos fogem, ninguém fica. Dispersão total! Aparentemente não há muita diferença entre eles e as autoridades que decretam a morte de Jesus. Como acontece com Pedro, também eles querem eliminar a cruz e querem um Messias glorioso, rei, filho de Deus bendito. Mas há uma profunda e real diferença. Os discípulos, apesar de todos os seus defeitos e debilidades, não têm malícia. Não têm má vontade. São um retrato quase fiel de todos nós que caminhamos pelo caminho de Jesus, caindo incessantemente, mas levantando-nos sempre!

2 - A fidelidade dos não eleitos

Como contraponto da falta de alguns, aparece a força da fé de outros, daqueles que não faziam parte dos Doze escolhidos: 1) - Uma mulher anónima de Betânia. Ela aceitou Jesus como Messias Servo e, por isso, ungiu-o, antecipando-se assim à sepultura. Jesus elogia-a. Ela é um modelo para todos. 2) - Simão de Cirene, um pai de família. Obrigado pelos soldados, faz o que Jesus havia pedido aos discípulos que fugiram. Leva a cruz atrás de Jesus até ao Calvário. 3) - O centurião, um pagão. Na hora da morte, faz a profissão de fé e reconhece o Filho de Deus no homem torturado e crucificado, maldito segundo a lei dos judeus. 4) - Maria de Magdala, Maria, mãe de Tiago e Salomé «e muitas outras mulheres que tinham subido com ele até Jerusalém». Elas não abandonam Jesus mas continuam com determinação aos pés da cruz e perto do túmulo de Jesus. 5) - José de Arimateia, membro do Sinédrio, que arriscou tudo pedindo o corpo de Jesus para sepultá-lo. Os Doze falharam. A continuidade da mensagem do Reino não passou através deles mas através de outros, sobretudo mulheres, que receberam a ordem clara de fazer voltar os homens vacilantes (Mc 16, 7). E hoje, por onde passa a continuidade da mensagem?

3 - O comportamento de Jesus

O modo como o evangelho apresenta o comportamento de Jesus durante a narração da paixão é para dar esperança até ao discípulo mais desanimado e medroso. Por maior que tenha sido a traição e o abandono dos Doze, o amor de Jesus foi sempre maior! Na hora do anúncio da fuga dos discípulos, já adverte que o esperem na Galileia. Inclusivamente sabendo que se daria a traição (Mc 14, 18), a negação (Mc 14, 30) e a fuga (Mc 14, 27), realiza o gesto da Eucaristia. E na manhã de Páscoa, o anjo, através das mulheres, envia uma mensagem a Pedro que o negou e a todos que fugiram. Devem encontrar-se na Galileia! Ali onde tudo tinha começado, ali recomeça tudo de novo. A falta dos Doze não provoca uma ruptura da aliança selada e confirmada no sangue de Jesus.

O modelo do discípulo: seguir, servir, subir

Marcos põe em relevo a presença das mulheres que seguem e servem Jesus desde o tempo em que se encontrava na Galileia e que tinham subido com Ele a Jerusalém (Mc 15, 40-41). Marcos usa três palavras para definir a relação das mulheres com Jesus: seguir, servir e subir. Elas «seguiam e serviam» Jesus e juntamente com outras mulheres «subiram com Ele a Jerusalém». São as três palavras que definem o discípulo ou discípula ideal. São o modelo para os outros discípulos que tinham fugido.

- Seguir descreve o chamamento de Jesus e a decisão de o seguir (Mc 1, 18). Esta decisão supõe deixar tudo e correr o risco de ser morto (Mc 8, 34; 10, 28).

- Servir indica que elas são verdadeiras discípulas porque o serviço é a característica do discipulado e do próprio Jesus (Mc 10, 42-45).

- Subir indica que elas são as testemunhas fiéis da morte e da ressurreição de Jesus porque, como os discípulos, acompanharam-no desde a Galileia até Jerusalém (Act 13, 31). Testemunham a ressurreição de Jesus, darão também testemunho de tudo quanto elas mesmas vêem e experimentam. É a experiência do nosso baptismo. «Por meio do baptismo fomos sepultados com Ele na morte, porque como Cristo ressuscitou de entre os mortos por meio da glória do Pai, assim também nós caminhemos numa vida nova» (Rom 6, 4). Por meio do baptismo todos participamos da morte e da ressurreição de Jesus.

Para ajudar a reflectir

- O que mais te chamou a atenção no comportamento dos Doze apóstolos e na conduta das mulheres durante a paixão e a morte de Jesus? Que terias feito se estivesses presente? Terias actuado como os homens ou como as mulheres?

- O que é que te chamou mais a atenção no comportamento de Jesus relativamente aos discípulos na narração da sua paixão e morte? Porquê?

- Qual a mensagem especial da narração da paixão e morte no evangelho de Marcos?

- Conseguiste descobrir as diferenças entre a narração do evangelho de Marcos e a dos outros evangelhos? Quais?

 

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