Reflectindo sobre a Quaresma

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“Todos os anos concedeis aos vossos fieis a graça de se prepararem, na alegria do coração purificado, para celebrar as festas pascais, a fim de que, pela oração mais intensa, pela caridade mais diligente, participando nos mistérios da renovação cristã, alcancem a plenitude da filiação divina”

(Prefácio I do Tempo da Quaresma)

 

Como introdução a esta pequena partilha sobre o tempo da Quaresma, coloquei este texto do Prefácio I do Tempo da Quaresma que nos é proposto pelo Missal Romano. É um texto que sintetiza as atitudes características do Tempo quaresmal: Oração, Caridade, Coração purificado, participação e vivência dos Sacramentos, particularmente a Eucaristia e a Reconciliação.Não querendo enveredar por qualquer tipo de pretensiosismo, não posso deixar de reconhecer nestes valores alguns traços característicos da espiritualidade carmelita:

Purificação do Coração – Puritas Cordi. A espiritualidade carmelita é um permanente caminho de purificação do coração, de modo a que Deus seja tudo em nós, através do seu Filho Jesus. Ele é o nosso maior Bem. Para isso, temos de nos esvaziar de tudo aquilo que não é de Deus. É o primeiro desafio que deixo a todos os carmelitas: façamos uma sincera avaliação da nossa vida e renunciemos a tudo aquilo que não é sinal de que Deus vive em nós e nós n`Ele.

A Oração. Que todos nós, nesta Quaresma, tenhamos em atenção a nossa vida de oração. Que ela, mais do que o resultado de muitas palavras que possamos dizer, seja o meio privilegiado para cultivarmos a presença de Deus. Saibamos criar estratégias para que esta atitude de oração marque todas as horas do nosso dia. Os Carmelitas, todos os Carmelitas, devem ser mestres e exemplo de oração.

  • Vivência dos Sacramentos. Os sacramentos são um meio eficaz de união com Deus através da Igreja e dos seus ministros.  Valorizemo-los na nossa vida. Não os vejamos como simples rituais nos quais somos obrigados a participar. Eles alimentam a nossa fraternidade. Eles iluminam-nos na nossa conversão. A participação “consciente e activa na Eucaristia” – e creio que todos já experimentamos isso – traz-nos à consciência o nosso mal e aquilo que precisamos de mudar. A Eucaristia é o acontecimento central da nossa Regra e da nossa vida.
  • A Reconciliação é a consequência, e ao mesmo tempo, a preparação da Eucaristia. Admitir os nossos erros diante dum representante de toda a comunidade e pedir perdão por eles, é um sinal de humildade diante de Deus e diante dos irmãos. Nas nossas comunidades – de frades, irmãs e leigos – não haverá verdadeira fraternidade sem a Reconciliação.
  • A Caridade. A nossa espiritualidade está toda impregnada da caridade entendida como o amor de Deus que recebemos e que traduzimos em gestos concretos de amor ao próximo. O serviço fraterno faz parte do “código genético” do carmelita. Desafio todos os carmelitas a que, mesmo exercendo cargos de responsabilidade e autoridade, adoptem sempre uma atitude de serviço evangélico. Quanto problemas podem ser evitados com esta atitude! Deixemos de lado a sede de protagonismo e auto-afirmação. Deixemos de lado o autoritarismo e a tentação usar os nossos ofícios para alcançar interesses e ambições pessoais. Somos testemunhos da eternidade....e lá seremos todos irmãos.... Porque não começar a construir essa fraternidade já agora?

A esse propósito, cito o Prefácio II da Quaresma que também é uma lição de espiritualidade: “Para renovar os vossos filhos na santidade concedeis este tempo de salvação, a fim de que... se convertam a vós de todo o coração e vivam de tal modo as realidades temporais que procurem sempre os bens eternos”

-          “Procurar sempre os bens eternos”... Uma bela expressão que marca a nossa passagem sobre a terra. E nos leva a construir a fraternidade e a ser solidários. Os recentes acontecimentos – Madeira, Haiti, Chile, etc . - são um desafio à nossa capacidade de relativizar os bens terrenos.

-          Neste contexto, lanço um convite à partilha e à simplicidade de vida. E, para que este convite seja entendido como uma urgência, deixo algo que para mim é um apelo: uma noticia do jornal Diário de Noticias do dia 10 de Fevereiro de 2010 do qual apresento alguns extractos:

“Milionário doa fortuna para se tornar Feliz!

Karl Rabeder, após ter abdicado de uma luxuosa casa com vista para ao Alpes, irá morar num pequeno apartamento.

A minha ideia é ficar sem nada. Absolutamente nada. O dinheiro impede a felicidade. Karl Rabeler, empresário e milionário austríaco, justificou assim a decisão de se desfazer da toda a sua fortuna a favor de organizações de caridade... dinheiro que irá ajudar pessoas na América Central e Latina. Nasci numa família pobre onde a regra era trabalhar muito para conseguir bens materiais; apliquei essa regra durante anos, disse Rabeder... Deixou de resistir à voz interior que lhe dizia para ´viver uma verdadeira vida. Agora, livre e feliz, irá residir num pequeno apartamento”.

Felizmente, ainda vão parecendo muitos casos como estes. Podemos dizer que dão o que lhes sobra, mas mesmo assim a sua experiência de libertação em relação aos bens materiais não deixa de ser para nós um estímulo a dedicar-nos aos bens espirituais, a escolher a “melhor parte”.Que São Nuno de Santa Maria, exemplar no desprendimento dos bens e no amor à oração e à Ordem do Carmo interceda por nós.

Desejo a todos a continuação duma Santa Quaresma.

Fátima, 7 de Março de 2010, III Domingo da Quaresma

Fr. Agostinho Marques de Castro, O Carm.