27º DOMINGO DO TEMPO COMUM (ANO B)
4 de Outubro de 2012
Evangelho de Nosso Senhor Jesus Cristo segundo São Marcos (Mc 10, 1-16)
1Saindo dali, foi para a região da Judeia, para além do Jordão. As multidões agruparam-se outra vez à volta dele, e outra vez as ensinava, como era seu costume. 2Aproximaram-se uns fariseus e perguntaram-lhe, para o experimentar, se era lícito ao marido divorciar-se da mulher. 3Ele respondeu-lhes: «Que vos ordenou Moisés?» 4Disseram: «Moisés mandou escrever um documento de repúdio e divorciar-se dela.» 5Jesus retorquiu: «Devido à dureza do vosso coração é que ele vos deixou esse preceito. 6Mas, desde o princípio da criação, Deus fê-los homem e mulher. 7Por isso, o homem deixará seu pai e sua mãe para se unir à sua mulher, 8e serão os dois um só. Portanto, já não são dois, mas um só. 9Pois bem, o que Deus uniu não o separe o homem.» 10De regresso a casa, de novo os discípulos o interrogaram acerca disto. 11Jesus disse: «Quem se divorciar da sua mulher e casar com outra, comete adultério contra a primeira. 12E se a mulher se divorciar do seu marido e casar com outro, comete adultério.» 13Apresentaram-lhe uns pequeninos para que Ele os tocasse; mas os discípulos repreenderam os que os haviam trazido. 14Vendo isto, Jesus indignou-se e disse-lhes: «Deixai vir a mim os pequeninos e não os afasteis, porque o Reino de Deus pertence aos que são como eles. 15Em verdade vos digo: quem não receber o Reino de Deus como um pequenino, não entrará nele.» 16Depois, tomou-os nos braços e abençoou-os, impondo-lhes as mãos.
Chave de leitura
No texto que a liturgia coloca diante de nós, Jesus dá indicações acerca da relação entre homem e mulher e sobre as mães e as crianças. Naquele tempo muitas pessoas eram excluídas e marginalizadas. Por exemplo, na relação entre homem e mulher existia o machismo. A mulher não podia participar, não havia igualdade de direito entre os dois. Na relação com as crianças, “os pequeninos”, havia um “escândalo” que era a causa da perda de fé de muitos deles (Mc 9, 42). Na relação entre homem e mulher, Jesus pede o máximo de igualdade. Na relação entre as mães e as crianças, pede o máximo de acolhimento e de ternura.
Comentário do texto
Marcos 10, 1: Uma indicação geográfica. O autor do evangelho de Marcos tem o costume de situar o acontecimento com estas e outras breves informações geográficas, dentro do conjunto da narração. Depois, para o que escuta uma longa narração sem ter o livro nas mãos, tais informações geográficas ajudam na compreensão da leitura. São como postes ou marcos que sustentam o fio da narração. É muito comum Marcos dar informação: “Jesus ensinava” (Mc 1, 22.39; 2, 2.13; 4, 1; 6, 2; 6, 34).
Marcos 10, 1-2: A pergunta dos fariseus sobre o divórcio. A pergunta é maliciosa pois procura pôr Jesus à prova: “É lícito ao marido repudiar a sua mulher?”. Sinal de que Jesus tinha uma opinião diferente, pois de contrário os fariseus não a teriam feito. Não perguntam se é lícito à esposa repudiar o marido. Isto não lhes passava pelas suas cabeças. Sinal claro de uma forte dominação masculina e da marginalização da mulher na convivência social daquela época.
Marcos 10, 3-9: A resposta de Jesus: o homem não pode repudiar a mulher. Em vez de responder, Jesus pergunta: “Que diz a Lei de Moisés?”. A Lei permitia ao homem escrever uma carta de divórcio e repudiar a sua mulher (Dt 24, 1). Esta permissão revela um machismo. O homem podia repudiar a sua mulher mas a mulher não tinha o mesmo direito. Jesus explica que Moisés actuou assim por causa da dureza do coração do povo, mas a intenção de Deus era outra quando criou o ser humano. Jesus retorna ao projecto do Criador (Gn 1, 27 e Gn 2, 24). e nega ao homem o direito de repudiar a sua mulher. Deita por terra o direito do homem frente à mulher e pede o máximo de igualdade.
Marcos 10, 10-12: Igualdade entre homem e mulher. Em casa, os discípulos fazem-lhe perguntas acerca do mesmo tema do divórcio. Jesus tira conclusões e reafirma a igualdade de direitos e deveres entre o homem e a mulher. O evangelho de Mateus (cf. Mt 19, 10-12) aclara uma pergunta dos discípulos sobre este tema. Dizem: “Se tal é a condição do homem relativamente à sua mulher, não é conveniente casar-se”. Preferem não casar-se, antes que casar-se sem o privilégio de continuar a mandar sobre a mulher. Jesus vai ao fundo da questão. Coloca três casos em que a pessoa não se pode casar: 1) – impotência; 2) – castração; 3) – por causa do Reino. Não casar-se porque alguém não quer perder o domínio sobre a mulher é inadmissível na Nova Lei do Amor. Tanto o matrimónio como o celibato devem estar ao serviço do Reino e não ao serviço de interesses egoístas. Nenhum dos dois pode ser motivo para manter o domínio machista do homem sobre a mulher. Jesus propõe um novo tipo de relação entre os dois. Não permite o matrimónio em que o homem possa mandar sobre a mulher e vice-versa.
Marcos 10, 13: Os discípulos impedem as mães de se aproximar de Jesus com as suas crianças. Algumas pessoas trouxeram as suas crianças para que Jesus as tocasse. Os discípulos procuram impedir. Porquê? O texto não esclarece. Segundo os costumes rituais da época, as crianças pequenas e as suas mães viviam num estado quase permanente de impureza legal. Jesus ficaria impuro se as tocasse. Provavelmente os discípulos querem impedir que Jesus as toque para não ficar impuro.
Marcos 10, 14-16: Jesus repreende os discípulos e acolhe as crianças. A reacção de Jesus ensina o contrário: “Deixai vir a mim os pequeninos e não os afasteis!”. Abraça as crianças, aproxima-as dele e impõe-lhes as mãos. Quando se trata de acolher pessoas e de promover a fraternidade, a Jesus não lhe importam as leis da pureza legal e não tem medo de as transgredir. O seu gesto traz-nos um ensinamento: “Quem não receber o Reino de Deus como uma criança não pode entrar nele”. Que significa esta frase? 1) – Uma criança recebe tudo dos pais. Ela não merece o que recebe mas vive do amor gratuito. 2) – Os pais recebem os filhos como um dom de Deus e cuidam deles com carinho. A preocupação dos pais não é dominar os filhos mas amá-los e educá-los para que se realizem!
Jesus acolhe e defende a vida dos pequenos
Jesus insiste várias vezes no acolhimento que se deve dar aos pequeninos, às crianças. “Quem acolhe a um destes pequeninos em meu nome acolhe-me a mim” (Mc 9, 37). “Quem der um copo de água a um destes pequeninos não ficará sem recompensa” (Mc 10, 42). Jesus pede para não desprezar os pequenos (Mt 18, 10). No juízo final os justos serão recebidos porque deram de comer “a um destes mais pequeninos” (Mt 25, 40).
Nos evangelhos a expressão “pequenos” (em grego diz-se elachistoi, mikroi ou nepioi), algumas vezes indica “criança”, outras, os sectores excluídos da sociedade. Não é fácil discernir. Algumas vezes o que é “pequeno” num evangelho é a “criança” no outro. A criança pertence à categoria dos “pequenos”, dos excluídos. Dito isto, nem sempre é fácil discernir o que vem do tempo de Jesus e o que vem do tempo das comunidades para que tivesse sido escrito nos evangelhos. Apesar disto, resulta claro o contexto de exclusão que existia na época e a imagem que as primeiras comunidades tinham de Jesus. Jesus coloca-se do lado dos pequenos, dos excluídos, e assume a sua defesa. Impressiona quando se vê tudo o que Jesus fez em defesa da vida das crianças, dos pequenos:
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Acolher e não escandalizar. É uma das palavras mais duras de Jesus contra os que causam escândalo aos pequenos, ou seja, que sejam motivo para que os pequenos deixem de acreditar em Deus. Para estes melhor seria ter uma pedra de moinho atada ao pescoço e serem lançados ao fundo do mar (Mc 9, 42; Lc 17, 2; Mt 18, 6).
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Acolher e tocar. As mães com as suas crianças nos braços aproximam-se de Jesus para lhe pedir uma bênção. Os apóstolos procuram afastá-las. Tocar significava contrair impureza! Jesus não se incomoda como eles. Corrige os discípulos e acolhe as mães e os seus filhos. Toca-os e abraça-os. “Deixai que as criancinhas venham a mim, não as impeçais!” (Mc 10, 13-16; Mt 19, 13-15).
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Identificar-se com os pequenos. Jesus identifica-se com as crianças. Quem recebe uma criança “recebe-me a mim” (Mc 9, 37). “Sempre que fizestes isto a um destes meus irmãos mais pequeninos, a mim mesmo o fizestes” (Mt 25, 40).
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Tornar-se como uma criança. Jesus pede que os discípulos se tornem como crianças e aceitem o Reino como uma criança. Sem isto, é impossível entrar no Reino de Deus (Mc 10, 15; Mt 18, 3; Lc 9, 46-48). Faz com que uma criança seja o professor do adulto, o que não é normal pois estamos acostumados ao contrário.
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Defender o direito do que grita. Quando Jesus entrou no Templo e derrubou as mesas dos cambistas, eram as crianças que mais gritavam. “Hossana ao Filho de David!” (Mt 21, 15). Criticado pelos chefes dos sacerdotes e pelos escribas, Jesus defende-as e em sua defesa cita a Sagrada Escritura (Mt 21, 16).
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Agradecer pelo Reino presente nos pequenos. A alegria de Jesus é grande quando percebe que as crianças, os pequenos, compreenderam as coisas do Reino que ele anunciava ao povo: “Dou-te graças, Pai!” (Mt 11, 25-26). Jesus reconhece que os pequenos entendem melhor as coisas do Reino do que os doutores.
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Acolher e curar. São muitas as crianças e jovens que Jesus acolhe, cura e ressuscita: a filha de Jairo de 12 anos (Mc 5, 41-42), a filha da mulher cananeia (Mc 7, 29-30), o filho da viúva de Naim (Lc 7, 14-15), o pequeno epiléptico (Mc 9, 25-26), o filho do Centurião (Lc 7, 9-10), o filho do funcionário público (Jo 4, 50), o pequeno dos cinco pães e dois peixes (Jo 6, 9).
O contexto em que se encontra o nosso texto dentro do Evangelho de Marcos
O nosso texto (Mc 10, 1-16) faz parte de uma longa instrução de Jesus aos seus discípulos (Mc 8, 27 a 10, 45). No início desta instrução, Marcos situa a cura do cego anónimo de Betsaida na Galileia (Mc 8, 22-26); no fim, a cura do cego Bartimeu de Jericó na Judeia (Mc 10, 46-52). As duas curas são símbolo do que ocorria entre Jesus e os discípulos. Os discípulos também estavam cegos e apesar de terem olhos não viam (Mc 8, 18). Necessitavam de recuperar a vista: deviam abandonar a ideologia que lhes impedia de ver de forma clara; deviam aceitar Jesus tal como era e não como eles queriam que fosse. Esta longa instrução tem como objectivo curar a cegueira dos discípulos. É como uma pequena cartilha, uma espécie de catecismo, com frases do próprio Jesus. Eis o esquema da instrução:
Cura de um cego (8, 22-26).
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1º anúncio da Paixão (8, 27-38). - Instrução aos discípulos sobre o Messias Servo.
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2º anúncio da Paixão (9, 30-37). - Instrução aos discípulos sobre a conversão (9, 38-10, 31).
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3º anúncio da Paixão (10, 32-45). - Cura do cego Bartimeu (10, 46-52).
Como se pode ver, a instrução consta de três anúncios da Paixão: Mc 8, 27-26; 9, 30-37; 10, 32-45. Entre o primeiro e o segundo há uma série de instruções para ajudar a compreender que Jesus é o Messias Servo (Mc 9, 1-29). Entre o segundo e o terceiro, uma série de instruções que aclaram a conversão que deve dar-se nos diferentes níveis da vida dos que aceitam Jesus como Messias Servo (Mc 9, 38-10, 31). O conjunto da instrução tem como pano de fundo a caminhada desde a Galileia até Jerusalém. Desde o começo até ao final desta longa instrução, Marcos diz que Jesus está a caminho de Jerusalém (Mc 8, 27; 9, 30.33; 10.1.17.32) onde encontrará a cruz.
Cada um dos três anúncios da paixão é acompanhado de gestos e palavras de incompreensão por parte dos discípulos (Mc 8, 32; 9, 32-34; 10, 32-37) e de palavras de orientação por parte de Jesus, que comentam a falta de compreensão dos discípulos e ensinam como devem comportar-se (Mc 8, 34-38; 9, 35-37; 10, 35-45). A compreensão plena do seguimento de Jesus não se obtém através da instrução teórica, mas através de um compromisso prático, caminhando com Ele pelo caminho do serviço, desde a Galileia até Jerusalém. Aquele que deseja manter a ideia de Pedro, isto é, de um Messias glorioso sem cruz (Mc 8, 32-33), nunca entenderá, jamais chegará a ter a autêntica atitude do verdadeiro discípulo. Continuará cego, vendo as pessoas como árvores (Mc 8, 24). Sem a cruz é impossível compreender quem é Jesus e o que significa seguir Jesus. O caminho do seguimento é um caminho de entrega, de abandono, de serviço, de disponibilidade, de aceitação do conflito, sabendo que haverá a ressurreição. A cruz não é um acidente casual mas uma parte deste caminho. Num mundo organizado a partir do egoísmo, o amor e o serviço só podem existir crucificados! Quem faz da sua vida um serviço aos outros incomoda os que vivem agarrados aos privilégios, e sofre.