O que é o Carmelo?

Informação sobre a história, a espiritualidade e a actualidade.  

Caro leitor,

Estas breves informações têm a finalidade de narrar em grandes linhas o que nós somos e donde viemos. Não quisemos aborrecer-te com muitos detalhes, mas oferecer-te um olhar panorâmico sobre 7 séculos da nossa história, para te fazer conhecer a beleza e a actualidade da nossa vocação. Pareceu-nos útil apresentar-nos a todos aqueles que já colaboram connosco nos diversos tipos de apostolado, ou que, tendo somente ouvido falar do Carmelo, desejam conhecer-nos.

Obrigado pelo tempo que nos dás ao lê-los.

Teus irmãos Carmelitas

Ludovico Saggi
Emanuel Boaga
Carlo Colelli

 

A CONQUISTA DO MONTE

O Carmelo, que significa jardim, é uma cadeia de colinas que termina por um promontório perto de Haifa em Israel, lugar de culto desde a antiguidade, citado pelo profeta Isaías (o esplendor do Carmelo) entre os dons de Deus a seu povo.

Cinco Séculos depois de Moisés, Elias, homem de Deus, morou aí em solidão, vestido com uma larga cintura de pele e de uma peliça, como posteriormente João Baptista no tempo de Jesus.

A Bíblia conta-nos nos Livros dos Reis que no tempo de Elias, o povo escolhido, dividido em dois reinos separados, põe em risco perder a sua alma: a fidelidade ao único Deus verdadeiro. O culto fenício de Baal é introduzido como alternativa ao pacto de Moisés com Aquele que é. Elias e os seus discípulos defendem o monoteísmo. O profeta repreende duramente o rei que traiu a Aliança, e vive depois escondido perto da torrente de Kerit só em comunhão com Deus; finalmente desafia os profetas de Baal no monte Carmelo, diante do povo: «Até quando sereis vós coxos de ambos os pés? Se o Senhor é Deus, Segui-O. Se, pelo contrário, é Baal, segui-o!» O poder de Deus manifesta-se, e Elias pensa ter vencido definitivamente; mas teve de fugir ameaçado de morte pelos fiéis do Deus pagão. Ele esconde-se no deserto e aí deseja morrer: «Agora basta, Senhor! Toma a minha vida porque eu não sou melhor que meus pais».

É a prova da sua fé; não é fácil possuir a Deus e ser defendido por Ele; quando os meios humanos desaparecem fica somente a fidelidade nua. Mas um anjo convida-o a comer e a beber: «o caminho é muito longo para ti». Elias, depois de 40 dias e 40 noites, chega ao monte de Deus, o Horeb, onde Javé se tinha manifestado a Moisés: «Eu sou o Senhor teu Deus». Agora Deus pergunta ao seu profeta: «Que fazes tu aqui, Elias?» «Estou cheio de zelo - respondeu ele - pelo Senhor dos exércitos, porque os Israelitas abandonaram a tua Aliança, derrubaram os teus altares e mataram à espada os profetas. Fiquei só e eles atentam contra a minha vida » Mas Deus ordenou-lhe: «Sai e pára no monte na presença do Senhor.» Onde estará Deus? «Houve um grande furacão tão forte que fendia as montanhas e quebrava as rochas diante do Senhor, mas o Senhor não estava no furacão. Depois do furacão, um tremor de terra, mas o Senhor não estava no tremor de terra. Depois do tremor de terra um fogo, mas o Senhor não estava no fogo. Depois do fogo houve o murmúrio duma brisa suave». Inesperadamente Deus está nesta brisa suave, repetindo-lhe a pergunta: «Que fazes tu aqui, Elias?» E ele, intransigente, duro como a rocha: «Estou cheio de zelo pelo Senhor dos exércitos».

Mas Elias aprendeu a suportar a derrota aparente da religião do seu Deus esperando sem impaciência o triunfo, que ele não verá durante a sua vida sobre a terra; a subir à montanha sem tomar posse dela, como Moisés viu mas não habitou a terra prometida. Os pensamentos de Deus estão para além dos seus pensamentos; permanecem incompreensíveis, eles inflamam o seu amor ardente.

É por isso que Jesus, no Tabor, aparece na sua glória em colóquio com Moisés e Eias, os Santos da expectativa; a passagem para a glória definitiva da Ressurreição deve reencontrar a Cruz, a experiência da fé pura já vivida por Elias e revivida por João Baptista; o zelo deve tornar-se no filho do homem, a fidelidade sem apoio, no triunfo aparente do mal. É o único caminho que conduz à conquista do monte, do Carmelo, do Horeb, do Calvário; o caminho de Elias, de Jesus e o nosso, onde corremos o risco de não ouvir Deus que passa suave sobre a montanha da alma e aí eleva a sua cruz de amor.

QUEM ERAM OS CARMELITAS DO MONTE CARMELO?

A solidão com Deus no Carmelo é muito antiga, e os eremitas que depois de Elias habitam neste lugar estão ocultos no tempo e no segredo da sua vicissitude espiritual.

Temos de chegar à plena Idade Média, ao tempo da primeira cruzada na Terra Santa para os encontrar, numa época de renovação da Igreja e de busca da pura dimensão evangélica da vida religiosa. Um pouco como acontece hoje, nos séc. XII e XIII, o tempo de Francisco de Assis e de Domingos, a humanidade vive a experiência de grandes mudanças sociais e espirituais e, por conseguinte, de perturbações psicológicas muito vivas e de ideais generosos de renovação.

O mundo feudal já não se bastava a si próprio, com a sua economia fechada, seus horizontes de progresso humano muito limitados. Recomeça-se a movimentar, a viajar, a conhecer e, portanto, a confrontar ideias, costumes, mentalidades. Novamente o dinheiro circula, anteriormente quase esquecido, no ritmo lento das trocas em produtos agrícolas, circunscrito a localidades relativamente pequenas. As relações comerciais entrecruzadas em longas distâncias, tornam-se empresas tão interessantes e excitantes como aventureiras, e muitas vezes audaciosas, estimulando a imaginação, empenhando particulares e grupos interessados em fazer programas, e gerando um estilo de vida leigo com os seus deveres sociais, cobiçado muitas vezes por quem ficou pobre e ligado à terra.

Esta nova riqueza, móvel, feita de metais e pedras preciosas, de mercadorias e barcos, de comunicações e de acordos comerciais, tende a substituir a antiga propriedade familiar imóvel que passava do pai para o filho mais velho com toda a gama de laços e escravidões; torna-se o capital acumulado de negociantes e especuladores, fruto e medida do seu valor pessoal, dos quais podem usar livremente.

É uma riqueza, com o estilo de vida que acompanha, que se infiltra perigosamente mesmo na Igreja, entre o clero, até nos mosteiros, estimulando contrastes de ideias e conflitos pessoais, suscitando invejas e ciúmes.

As condenações oficiais do magistério da Igreja em defesa, por certo não evangélica, destes interesses, correm o risco de não ter em conta a confusão dos egoísmos, e de ficar sobre o papel: é necessário lutar contra o espírito desta riqueza, não somente através da pregação, mas vivendo de novo evangelicamente: na pobreza enobrecida por Cristo como uma bem-aventurança – Bem-aventurados os pobres – e vivida por Ele em primeiro lugar.

Por outro lado, os sinais muito evidentes do desacordo popular com a mentalidade mundana que uma parte do clero fez sua, traduzem-se em vivos protestos, tornando-se às vezes movimentos de espiritualidade em alternativa com a Igreja, das heresias; mais frequentemente, fazem nascer iniciativas generosas de regresso à simplicidade evangélica fora de querelas doutrinais, mas em forte oposição ao mundo rodeado de riscos que não compreendem. Basta lembrar Francisco, quando se despe publicamente restituindo a seu pai, rico comerciante, as suas próprias vestes; e o bispo de Assis apressa-se a cobri-lo, reconhecendo-o, talvez inconscientemente, filho da verdadeira Igreja.

O ideal de Francisco era também, sob uma outra forma, o de Domingos: reconduzir as almas para Deus desobstruindo o caminho dos obstáculos da riqueza e da corrupção; cedo será este também o ideal da nascente Ordem Carmelita; é o sentido da expressão Ordens Mendicantes, pela qual são definidas as novas famílias religiosas.

Quem eram os eremitas que moravam escondidos no monte Carmelo, no momento em que nós começamos a conhecer a sua história?

As cruzadas e a conquista de Jerusalém em 1099, tinham aberto o caminho às grandes comunicações entre a Europa e o Oriente. Desconhecemos, se os primeiros ocidentais a fixarem-se como eremitas no Carmelo, eram cavaleiros ou soldados, letrados ou não, nobres ou plebeus; sabemos somente que eles tinham participado nas cruzadas para visitar a Terra Santa. Eram certamente leigos que tinham escolhido uma vida de penitência, característica da espiritualidade laica nos séc. XII e XIII. Eram conversos (ou penitentes), peregrinos estabelecidos no lugar santo ou eremitas.

Todavia, é-nos hoje difícil orientar-nos entre estas definições de determinadas formas de vida religiosa de então, que não se identificam com a vida monástica regular ou com a dos cónegos (isto é, de padres com vida em comum). Será bom lançar um olhar sobre uma tal multiplicidade de vocações, que testemunham o fervor e a riqueza das diferentes inspirações, para em seguida nos aproximarmos com um melhor conhecimento dos nossos carmelitas.

A vocação religiosa, que a Igreja na sua longa experiência histórica definiu em algumas formas de vida específicas, nasce sempre de um chamamento a seguir totalmente a Cristo, a subir com Ele (ascética) à santidade, e realiza-se aderindo de um modo estável a uma organização reconhecida publicamente pela Igreja e inserida nela. A profissão explícita dos três conselhos evangélicos - pelos votos de pobreza, castidade e obediência - num instituto aprovado, é o acto de consagração definitiva de cada vocação religiosa.

Nos primeiros séculos da vida cristã, as exigências radicais do chamamento evangélico eram vividas, na Igreja local, nas condições sociais e meios mais variados. As virgens e os ascetas praticavam uma vida de continência, alguns permanecendo em suas casas, entregues às ocupações habituais; outros consagravam-se particularmente às obras de misericórdia; outros retiravam-se para a solidão ou viviam em comunidade, muitas vezes chamados para junto do bispo, para viverem em comunidade com ele. Eles constituem na Igreja local categorias muito importantes, mesmo sob o ponto de vista externo e jurídico. Para começar a fazer parte disso, não é requerida a tomada formal da carga das obrigações dos votos religiosos e menos ainda é requerido que isso aconteça ligando-se a um instituto.

A extraordinária expansão do monaquismo, estritamente dito, aparecido no séc. IV, desaparece, de facto, sem fazer desaparecer as outras formas de vida ascética mais expontâneas. Além disso ela provoca e exige intervenções normativas dos bispos e dos concílios, dando origem a uma nova legislação da vida religiosa. Progressivamente ela chega a identificar-se com a vida estável num claustro, sob uma regra e obediência a um superior.

Na prática, a única forma de vida ascética organizada na Igreja, era o monaquismo. A partir sobretudo do séc. IX, entre as várias regras propostas na antiguidade (S. Pacómio, S. Basílio, S. Columbano), predomina no Ocidente a de S. Bento; ela é adoptada pouco a pouco, como norma institucional e guia espiritual por todos os monges que a reconhecem como legislação de base: assim chegam a coincidir fundamentalmente o monaquismo e a Regra de S. Bento.

O movimento de vida apostólica (isto é, o modo de viver de Cristo com os seus discípulos) suscitado pela reforma do papa Gregório VII, realça o ideal comunitário e encoraja a própria vida comum para o clero, baseada não sobre a regra beneditina, mas sobre os costumes e normas tomadas dos diferentes concílios particulares e gerais. Por consequência, talvez por um complexo de inferioridade em relação aos monges que tinham uma regra, foi admitido entre os padres diocesanos que viviam em comum, de conferir um prestigio às suas normas ligando-as à regra de S. to Agostinho.

Em 1005, Urbano II afirma que suscitar a vida apostólica primitiva entre os padres não tem menos mérito do que conservá-la entre os monges; com esta declaração, é praticamente sancionado na Igreja um estado de vida religiosa: a ordem monástica sob a Regra de S. Bento e a Ordem canónica sob a Regra de S. to Agostinho. Mas a esta instituição da vida religiosa reagiram particularmente no séc. XII e XIII numerosos movimentos que pretendem inspirar-se directamente no Evangelho para satisfazer as suas exigências ascéticas. Eles têm dificuldades em reconhecer-se nos mosteiros de tipo tradicional, plenamente integrados no sistema feudal em lugar de prestigio, e desejam procurar fora dos quadros institucionais, um modo de vida que reflicta melhor os valores evangélicos aos quais eles aspiram.

Em polémica com as Ordens tradicionais, eles não aceitam que a sua vida seja julgada menos perfeita somente porque vivida, sim, fora das Regras, segundo o Evangelho. Portanto o conceito de religioso assume um sentido mais amplo até compreender aqueles que, moldando a sua vida religiosa nos costumes tradicionais, vivem fora duma comunidade: uma forma de vida que tem o seu reconhecimento de actualidade justamente no período de tempo que interessa os eremitas do Carmelo.

OS LEIGOS NA VIDA RELIGIOSA: CONVERSOS, EREMITAS, PEREGRINOS

Os conversos viviam plenamente a sua vida de doação a Deus, mas não abandonavam o estado leigo: eles não formavam uma Ordem no sentido moderno da palavra, mas viviam uma condição de vida ascética juridicamente reconhecida: eram homens e mulheres que, por imposição após pecados públicos, ou espontaneamente, viviam conforme o regime penitencial que a Igreja impunha aos pecadores públicos no acto da reconciliação.

Eram fiéis que decidiam viver em penitência, rompendo temporária ou definitivamente com os compromissos fáceis do mundo. O sinal exterior desta mudança de vida era o hábito de penitente que o fiel vestia apresentando-se à Igreja entre os penitentes, e por conseguinte, assumindo implicitamente os deveres do novo estado: uma certa pobreza e austeridade de vida, jejuns, orações particulares e participação nas orações públicas da Igreja, como as horas canónicasPai Nosso . (Laudes, Vésperas, etc.). Viviam em penitência sozinhos ou associados, na cidade ou na aldeia ou eremitério; alguns conservavam o direito de possuir, outros viviam pondo tudo em comum formando um único instituto sob a direcção dum clérigo, não necessariamente padre, e até dum leigo. Outros vivem a penitência na sua casa: são geralmente esposos, que vestem um hábito abjecto, renunciando ao luxo, observando os jejuns e abstinências e participando na recitação das horas canónicas nas igrejas, ou substituindo-a pela recitação privadado.

Além disso a vida eremita liga-se às primeiras experiências de perfeição cristã e comporta um certo grau de separação do mundo ou da condição de exílio e de peregrinação fora da verdadeira pátria.

A vida eremita ou de solidão propriamente dita, é contudo somente um dos modos concretos pelos quais esta exigência se realiza e se organiza nos vários tempos e lugares; de modo que, partindo das próprias exigências, a própria palavra eremita e todo o vocabulário que a isso se refere, não designa sempre a mesma condição de vida.

Particularmente por volta do fim do séc. XII e no limiar do XIII, por exigência de simplicidade, de pobreza efectiva, de liberdade de engajamentos temporários mas muito frequentes, reaparece muito vivamente o desejo de se fixar em lugares solitários. Num tal contexto, expressões como eremitério, eremita, solidão, vida solitária , aplicam-se conforme o caso a mosteiros cenobíticos, (isto é, de vida comunitária), longe de toda a vida urbana, em grupos de celas eremíticas, em eremitérios sem ligação entre si ou com um mosteiro. A variedade, como se vê, não diz respeito somente às características particulares, mas ao próprio modo de viver e de se organizar segundo a exigência dominante, a solidão com Deus: porque uma é certamente a vida de um eremita sozinho, outra a do que vive numa comunidade; outra é a vida solitária dum eremita dependente dum mosteiro, outra a de um independente.

Uma verdadeira inovação, não tanto pela novidade absoluta, como pela proporção que o fenómeno assume, é pelo contrário representada por certos movimentos populares leigos que se conformam directamente com o Evangelho. São grupos de eremitas (hoje chamá-los-iamos grupos expontâneos) sem uma organização estruturada e detalhada, frequentemente mesmo muito pobres, de instituição e de vínculos (laços); alguns tornam-se itinerantes, peregrinos sempre em viagem, que vão pedir e exortam aqueles que encontram.

A condição de peregrino é uma forma de vida ascética tradicional na Igreja. Aqui não se fala tanto de peregrinações aos lugares de devoção, mesmo se eles não são excluídos, mas antes da concepção e dos valores, do modo de vida que eles queriam realizar.

O peregrino realiza sobretudo o conceito de cristão duma certa separação do mundo, visto como lugar de passagem e não como uma morada estável. É abandonar o lugar habitual, o próprio meio de vida para ir onde é desconhecido, estrangeiro, sem amigos ou parentes, sem protecções e seguranças. Neste sentido é uma forma de conversão; com efeito, partindo para uma região desconhecida, o peregrino está sem papel social, sem poderes, posto à margem; é um pobre no sentido mais concreto da palavra.

A meta da peregrinação podia ser qualquer lugar solitário, mosteiros onde se era desconhecido, ou lugares tornados sagrados pela presença e sacrifício do Salvador: a Terra Santa exercia, por excelência, uma atracção especial. Na peregrinação à Terra Santa todos os temas e valores ascéticos descritos até aqui parecem reconhecer-se dum modo especial: a rotura com o mundo, com a própria pátria, a conversão, o facto de percorrer a terra por amor de Cristo e de viajar em direcção à terra prometida como Abraão.

Não era raro alguns prometerem ficar para sempre na Terra Santa: o próprio facto de ter chegado lá comportava por si mesmo uma decisão de combater com Jesus Cristo, não necessariamente no sentido guerreiro do termo, mas no de milícia espiritual. Com efeito a Terra Santa era considerada Património ou Reino de Jesus Cristo; por conseguinte, quem aí habitava era considerado como seu vassalo e devia-lhe fidelidade e serviço. Frequentemente este serviço vivia-se entretanto, no fim da peregrinação, num mosteiro para aí viver seguindo uma regra, ou então ainda como leigo.

O engajamento de efectuar esta peregrinação podia ser assumido por qualquer categoria de cristãos, sem excluir os monges, cónegos, clero, bispos e abades; e de facto, assim aconteceu. Mas é claro que, visto a maior liberdade de movimento de que gozavam, foi sobretudo ao encontro dos leigos e dos eremitas.

A sua presença no seio das cruzadas, como a dos padres e dos bispos devia servir para manter claramente o espírito religioso e o convite à conversão permanente dos soldados; além disso a oração e a humildade destes pobres era considerada particularmente eficaz face ao Senhor do qual se espera unicamente a vitória.

DOS EREMITAS DO CARMELO À ORDEM CARMELITA

Podemos portanto afirmar que o grupo dos eremitas do Monte Carmelo que constitui com certeza a célula inicial da Ordem, pertence de variados modos a estas expressões típicas da vida espiritual dos leigos no séc. XII e XIII: num mesmo espírito eles têm em comum a escolha radical e definitiva de Deus.

No inicio de séc. XIII, Jacques de Vitry, Bispo de Acon (a fortaleza de S. João de Acre) descreve-nos a vida assim: «A exemplo e imitação do homem santo e solitário, o profeta Elias, junto da fonte que tem o seu próprio nome, eles moravam numa colmeia de pequenas celas, como abelhas do Senhor, produzindo a doçura espiritual...».

Esta afirmação é valorizada pelo facto de a forma de vida dada a seu pedido por Alberto, bispo de Jerusalém, tipicamente eremítica: solidão, leitura, contemplação, trabalho manual, jejuns, vigílias, obras de misericórdia. E tudo estava centrado em Cristo: princípio, motivo e fim da fórmula de vida, garantia da permanente actualidade do Carmelo.

Esta pequena regra foi seguidamente aprovada pelo papa Honório III em 30 de Janeiro de 1226 e, mais tarde, em 1247 adaptada por Inocêncio IV, às condições da nova corrente que os Carmelitas tiveram no Ocidente quando foram autorizados a ocupar-se do apostolado segundo o modelo das novas ordens mendicantes.

Com efeito, uma dezena de anos depois da aprovação da Regra por Honório III, as condições politico-religiosas da Palestina agravaram-se tornando-as ainda mais precárias do que eram já normalmente por causa dos contra-ataques muçulmanos.

Alguns carmelitas julgaram oportuno procurar melhores paragens. É assim que os superiores lhe permitiram partir do Carmelo para fundar novas casas noutros lugares; na Sicília, na França meridional, na Inglaterra. Daí nasceram os conventos de Messina, Aygalades, Hulme e de Aylesford, seguidos imediatamente de tantos outros, e mesmo no fim do séc. XIII, contar-se-ão por volta de 150.

Quem quis ficar na Palestina, no convento do Monte Carmelo ou nos de Acon ou Tiro, pôde ainda fazê-lo, mas não para além de 1291, quando cairam as últimas fortalezas latinas na Terra Santa.

É bom lembrar a tradição segundo a qual a imagem da Virgem Bruna de Nápoles foi trazida pelos Carmelitas do Monte Carmelo. Isso é agradável, porque nós podemos deste modo contemplar os traços sob os quais Maria estava representada na pequena igreja do Carmelo, mas isso ainda nos dá uma alegria maior ao constatar que os enxames das místicas abelhas do Carmelo, tomaram o voo guiadas pela Rainha. E a tradição das imagens vindas do Monte Carmelo não diz respeito só à Bruna de Nápoles, mas também a outras do mesmo tipo iconográfico.

No caminho da volta à Europa, os Carmelitas fixaram-se no começo em Chipre, considerado parte da província da Terra Santa, praticamente muito mais segura do que a Palestina e talvez daqueles que esperavam uma solução da questão palestiniana em sentido favorável aos cristãos. Outros, pelo contrário, avançaram mais para Ocidente e pararam na Sicília, nos arredores de Medina, que por conseguinte é considerada como a sede do primeiro convento Carmelita na Europa.

EXPANSÃO DA ORDEM

Fizemos alusão à Regra. No princípio ele teve o nome de fórmula de vida, e juridicamente falando, ela não era equivalente à de S. Bento e à de Sto. Agostinho para os cónegos regulares. Mas pouco a pouco a norma carmelita torna-se regra pela intervenção de diversos papas, em particular, como dissemos, de Inocêncio IV, que a fez adaptar às exigências do apostolado. Os Carmelitas pedem e obtêm, poder ser admitidos na cura de almas, continuando contudo quem queria, a vida eremítica. No sulco das novas ordens mendicantes eles assumem a característica fundamental duma pobreza evangélica que impõe pedir o necessário para viver àqueles em favor dos quais se exerce o oficio da pregação ou do serviço espiritual, em espírito de fraternidade: fraternidade no interior da família religiosa e com o resto dos homens do mundo.

Esta inserção entre os mendicantes traz vantagens e inconvenientes; entre estes últimos a luta por parte do clero secular em relação ao qual os novos religiosos marcam um ponto de rotura com a vida eclesial frequentemente levada até então.

A história da Ordem desenvolve-se em seguida na obra de aproximadamente 130 capítulos gerais e de 90 entre priores e vigários gerais.

Nos séc. XIV e XV, seguem em grandes linhas as vicissitudes das outras ordens mendicantes: o desenvolvimento dos estudos, o enfraquecimento do espírito religioso primitivo, devido a múltiplas causas, e o esforço de renovação através da obra dos santos e dos movimentos de observância mais ou menos vastos. O primeiro destes é a Observância das Florestas , nascido no convento homónimo perto de Florença que depois, - em conjunto com a reforma de Girandola na Suiça, e de Mântua, na Itália - recebe o nome de Congregação Mantuana, aprovada por Eugénio IV em 1442. Ela tem a esperança de fazer voltar ao fervor da vida comum, mas permanece fiel a esta intenção somente durante uns 20 anos. Neste período de maior expansão, a Observância tem 53 conventos com mais de 700 religiosos e uns 20 mosteiros femininos. Vê-se aí florescer os beatos Angelo de Agostinho Mazzinghi, Bartolomeu Fanti, Baptista Espanhol (humanista, 6 vezes vigário e no fim da sua vida também prior de toda a Ordem). Joana Scopelli e Arcangela Girlani, fundadores respectivamente dos mosteiros de Reggio Emilia e de Mântua. Uma outra congregação de observância: a Congregação de Albi em França.

Neste tempo, e já antes, há santos mesmo fora dos movimentos oficiais da reforma: Alberto da Sicília, André Corsini, Pedro Tomás e os beatos Nuno Álvares Pereira (herói nacional português), Giacomino de Grevacuore, Luís Rabatá, Francisca de Amboise, João Soreth.

Também para os carmelitas o problema que fica durante muito tempo é o problema da reforma. As tentativas do séc. XV trazem frutos notáveis, mas nem sempre duradouros. No séc. XVI dedicam-se a esta obra grandes superiores gerais: Nicolau Audet, J. B. Rossi e J. B. Caffardo; eles tentam promover a vida comum perfeita, a observância da clausura, da pobreza, do cuidado dos doentes, da liturgia, a formação dos noviços e o progresso dos estudos, a prevenção e o remédio para os efeitos negativos da doutrina protestante.

A REFORMA TERESIANA

O ramo feminino da Ordem tem uma história que nós podemos contar de uma maneira completa nesta ocasião.

Basta dizer que algumas mulheres agregadas de diferentes maneiras à ordem, encontravam-se já nos meados do séc. XIII agregadas à mesma. Houve uma grande florescência no século seguinte com uma característica propriamente carmelita; não se trata de terciárias do tipo das ordens terceiras franciscana e dominicana, mas religiosas que professam a mesma regra que os religiosos da Ordem, da qual elas são portanto membros de pleno direito; somente a sua condição de mulheres as obriga a viver em casas separadas dos conventos masculinos.

A situação evoluiu gradualmente, especialmente quando (1452) é reconhecida à Ordem a faculdade de organizar a vida de tais agregadas. A organização não tem o mesmo desenvolvimento ao mesmo tempo e em toda a parte, é assim que, juntamente com os mosteiros de estrita clausura - como os fundados pela beata Francisca Amboise no norte da Europa - há outras comunidades nas quais a vida comum na que respeita à pobreza e clausura, tarda muitas vezes a afirmar-se.

O próprio mosteiro da Incarnação de Ávila onde entrou Sta. Teresa, não tinha chegado ao termo do seu caminho de desenvolvimento. Daí o mal estar da santa por continuar a viver uma vida totalmente conforme ao ideal carmelita. Portanto ela fez tudo para fundar um mosteiro segundo o seu pensamento, e tal o foi o de Ávila em 1562. A reforma queria dar uma alma mais profunda às diferentes prescrições de carácter exterior, algumas foram estritas: uma nova fórmula pelo menos na sua imposição, que, pareceu a única válida, e pela qual se tentam também aventuras audaciosas.

O superior geral Rossi estabelece o espírito reformador da nova corrente, e desejará que ele se torne fermento para toda a Ordem. Em Abril de 1567 ele encontrou-se várias vezes em Ávila com Teresa e encorajou-a a fundar tantos mosteiros femininos como «quantos cabelos ela tinha na cabeça ». Do mesmo modo para os irmãos, Rossi favorece as tentativas de vida interior mais intensa, em Itália, como na Espanha. A pedido da Santa, ele permite que se abram dois conventos de contemplativos ,número que em seguida ele mesmo autoriza a aumentar. Em 1568, graças sobretudo à colaboração de Teresa com João da Cruz, abre-se o primeiro convento de Descalços em Duruelo. Rossi não que a separação do resto da Ordem, perigo então presente nas províncias espanholas. Ele é profeta simples, mas toda uma série de acontecimentos, resultantes de um deplorável conflito de Jurisdição , conduziu a acaloradas controvérsias que absorvem tantas energias, que teria sido certamente melhor dispendê-las na colaboração entre irmãos.

Um destes episódios é o aprisionamento de João da Cruz na prisão do convento de Toledo, onde o santo purificou o seu espírito e preparou as suas admiráveis obras místicas: sinal de que o Senhor sabe tirar o bem do próprio mal. Nesta prova terrível da sua fé, nós lemos hoje o sentimento ardente que o animava, a vontade indomável, como a de Elias de abraçar só a Deus e a resposta vitoriosa a tantos compromissos da vida religiosa:«Para chegar a ser tudo, não quer ser nada...Para chegar à posse do que não tens, deves passar por onde não tens nada. Para chegar ao que tu não és, deves passar por onde agora tu não és. »

A OBSERVÂNCIA MAIS ESTRITA

O conflito de jurisdição enfraquece quando a Reforma fica com a sua província separada (1850) e a coisa resolve-se em paz no Capítulo Geral de Cremoa em 1593: os dois continuam até hoje, cada qual com os seus superiores distintos.

A separação não impediu todavia uma salutar renovação da espiritualidade. Certas coisas respiram-se no ar e com o ar. Na sua primeira aparição, têm o caracter de novidade e suscitam portanto o entusiasmo ou a resistência; mas pouco depois aparecem como uma geração expontânea de certos sinais e de certas situações doravante propagadas.

As grandes almas, sensíveis ao menor sopro do Espírito estão na situação de compreender imediatamente as novas orientações, e se elas sofrem, contribuem para purificar e apresentá-las dum certo modo já conformadas com a grande massa, que retorna assim mais capaz de as receber. É esse o motivo pelo qual os fermentos positivos da obra de Sta. Teresa e de S. João da Cruz, no campo da espiritualidade Carmelita, encontraram uma correspondência no movimento chamado da mais estrita observância que floriu na Ordem no séc. XVII e XVIII, tentando manter a fama no aprofundamento espiritual, e de evitar os efeitos negativos da separação.

Em Rennes, na província de Tours, Pedro Behourt, e no seu estudo de Paris, Luís Charpentier e Filipe Tibaut, começam o que se chamará mais tarde a Reforma Turonense. O organizador é o próprio Tibaut, que, pelos menos, por duas vezes, viveu muito tempo com os Descalços; ele introduziu-a também na província de Flandres - Bélgica - e na da Aquitânia. Depois as constituições reformadas são pedidas também pelas províncias de França e de Toulouse. O mestre espiritual da reforma é irmão converso, cego, João de Sansansão.

A mais estrita observância estende-se também para fora de França: assim na Itália temos a reforma de Monte Santo na Sicília (1619), a de Sta. Maria della Vita em Nápoles (1631) e a de Turim (16633): no século seguinte haverá na Sicília a de Sta. Maria della Scala del Paradiso (1724). Em Itália, não podemos esquecer a obra de Sta. Maria Madalena de Pazzi no mosteiro de Florença. Depois da morte da Santa (1607), as constituições do mosteiro, reformadas sob seu conselho, são aceites por outros mosteiros.

Esta mais estrita observância pretende renovar o espírito contemplativo na Ordem pela prática da meditação quotidiana, o retiro e a solidão na cela vividas mais intensamente, o silêncio e a mortificação; antigos privilégios são abolidos e é restaurada a perfeição da vida comum.

DO SÉCULO XVI ATÉ HOJE

Os séc. XVI e XVII têm uma grande actividade: Trabalha-se especialmente na expansão da devoção mariana por escritos e pelo cuidado da ordem terceira e da confraria do Escapulário. Cada convento de religiosos, cada mosteiro da monjas torna-se o centro de vida mariana. No inicio do séc. XVI contam-se 30 províncias ou vicariatos com 693 conventos e 12.000 religiosos, enquanto que os mosteiros femininos sob a jurisdição da Ordem são 33 com cerca de 1.500 monjas (excluindo o ramo das Descalças).

No fim do séc. XVII e durante o séc. XVIII o furacão da revolução francesa antes, e em seguida a extinção das congregações religiosas, causou um enorme prejuízo à Ordem: completamente extinta em França, e noutros países notavelmente reduzida. Para compreender o que significou esta prova damos algumas cifras: no começo da revolução francesa (1788) a Ordem contava cerca de 15.000 religiosos; em 1908, tinham acabado as várias extinções, e o número de religiosos estava reduzido a 757.

Pelas comunidades salvas lança-se a semente do recomeço. Pouco a pouco algumas províncias em Itália e em Espanha formam-se novamente. O grande desenvolvimento registado na Holanda permitiu dar um contributo notável à presença carmelita no Brasil e ainda nas missões do Oriente. Considerável é também o recomeço na Alemanha, onde, actualmente, há duas províncias religiosas. Religiosos alemães dão origem a uma província na América Setentrional, enquanto que a província renascida na Irlanda se tornou mãe de outras províncias nos Estados Unidos e das da Austrália e da Inglaterra. Com a ajuda espanhola retomou-se a província da Polónia , que hoje experimenta novamente a perseguição. Recomeço e desenvolvimento verificam-se também no campo missionário: assim abrem-se as missões de Java e noutras partes da Indonésia - existe lá hoje uma das mais jovens províncias da Ordem - e as dispersas por aqui e por ali no vasto continente sul americano (Brasil, Peru, Chile, Bolívia, Argentina, Venezuela, Colômbia, Porto Rico, etc.), e nas ilhas Filipinas. Na África, às missões da Rodésia, hoje Zimbabwé, juntou-se recentemente o Zaire.

A FACE MODERNA DO CARMELO

É vasta a família do Carmelo. Ela compreende além dos religiosos, padres e irmãos - também as monjas de estrita clausura, as irmãs de vida activa, terceiras e outras leigas, mas em associações ou movimentos que se inspiram na sua espiritualidade.

A Ordem hoje está composta por 20 Províncias e 3 Comissariados, divididos por sua vez em diversos grupos operativos chamados Regiões. Os Carmelitas estão presentes em 26 nações dos 5 Continentes com cerca de 2.200 religiosos. Há 365 conventos e 223 paróquias. O ramo feminino está formado por 920 monjas de clausura, em 60 mosteiros e por cerca 2.600 religiosas, pertencentes a 12 institutos de vida activa, com 334 casas. Na família carmelita existe também um instituto secular de língua inglesa. Quanto ao resto é impossível fornecer dados certos sobre os terceiros e leigos que vivem à sombra do Carmelo. Podem-se contar aproximadamente 3 milhões. Fora dos países europeus, dos Estados Unidos da América, do Canadá e da Austrália, os Carmelitas desenvolvem a sua actividade apostólica em diversas nações da América Latina e nas Filipinas. Eles trabalham também em zonas de missão propriamente ditas: Indonésia, Rodésia (Zimbabwé) e Zaire. Há também tentativas de acção de uma presença carmelita em alguns países Africanos (Nigéria e Ruanda) e nas Índias.

Em primeiro plano - oportunamente aggiornadas segundo as directivas pós-conciliares as actividades paroquiais e as actividades tradicionais como o ensino, a pregação, os exercícios espirituais, o culto mariano, a assistência espiritual das associações ligadas ao Carmelo. Não faltam capelães nos hospitais, nas prisões e junto dos emigrantes. Existe também um contributo válido para o ecumenismo estimulando encontros e outras iniciativas especialmente nas províncias de língua inglesa e nas do norte da Europa. A par destas actividades, dão-se cursos de espiritualidade e de teologia nos institutos e centros em diversos lugares. Há também outras formas de apostolado às quais os carmelitas adaptam a sua vocação segundo as exigências das diferentes igrejas locais.

Nas zonas de missão, as paróquias dirigidas pelos carmelitas estendem-se por imensos territórios, onde os nossos religiosos se entregam ao apostolado da primeira evangelização.

São também numerosas nestes lugares as comunidades femininas, quer de clausura estrita, quer de vida activa, como que a testemunhar por onde é possível a indissolubilidade da oração e da acção, a conciliação evangélica entre as dimensões do espírito e as exigências terrenas. A face moderna dos Carmelitas - configurada pela dupla fidelidade à tradição da Ordem e ao impulso inovador do Concilio Ecuménico Vaticano II - encontra uma confirmação na sua atitude que os leva a completar, um ao outro, o anúncio do Reino de Deus e o serviço dos homens. Isso é importante nas missões, nos países do Terceiro Mundo e entre os religiosos e religiosas que, em pequenas comunidades, vivem no meio do povo e com os pobres em muitos países ocidentais. Assim, ao lado da pregação do Reino, da tarefa pastoral, da administração dos sacramentos, encontra-se uma florescência de engajamentos nas escolas, nos hospitais e de muitas outras maneiras.

Basta pensar na ilha de Java, onde das 197 escolas que a diocese de Malang possui, 90 são mantidas directamente pelos carmelitas que colaboram também com religiosos de outros institutos no serviço de 13 hospitais, 12 clínicas-maternidades e 21 policlínicas. Um outro exemplo: a fundação de uniões de crédito (espécie de cooperativas bancárias para os mais pobres) e a elaboração de diversos projectos para o desenvolvimento da agricultura na diocese de Untali, na Rodésia (Zimbabwé) em que o bispo, um Carmelita, D. Donald Raymond Lamont, foi condenado e expulso do país porque tinha assumido a defesa do direito dos negros. Muitos outros missionários carmelitas, seus colaboradores, tiveram a mesma sorte.

Um último exemplo: desde alguns anos os carmelitas trabalham num bairro pobre de Caracas (Venezuela) onde o P. Jesus Misas Hidalgo, recentemente desaparecido num acidente de viação, criou uma substrutura social, que faltava completamente, permitindo assim uma maior comunicação e uma vida social e religiosa mais intensa. Nós não podemos recordar aqui todos os outros exemplos duma tal solicitude cristã para as necessidades dos irmãos mais pobres.

O engajamento social-cristão dos carmelitas manifesta-se também pela presença nos meios de comunicação social (mass-media); onde estão ligados ao jornalismo ou ocupam-se ou ocupam-se de programas radiofónicos ou televisivos, especialmente nos países de língua inglesa, em Espanha, nas Filipinas e na Venezuela. Diante dos seus olhos eles têm o modelo vivo de um confrade: o Padre holandês, Tito Brandsma, jornalismo martirizado e morto pelos nazis em 1942 no campo de concentração de Dachau, por causa da sua oposição, em nome dos princípios cristãos, à acção lançada por eles contra os judeus, e por causa da sua obediência aos bispos holandeses.

Ainda no campo das comunicações e da mass-media, lembra-se que nos Estados Unidos, eles ocupam-se de edições discográficas sobre temas de espiritualidade. Recorde-se também a iniciativa do telefone amigo e a do centro de informação religiosa, ambas funcionando em Mainz na República Federal da Alemanha.

Juntamente com este engajamento pelo desenvolvimento e promoção do homem, o Carmelo conhece também um florescimento dos centros de espiritualidade e de oração. Estes, aparecidos nestes últimos anos, são, a partir de agora, numerosos. Encontram-se um pouco por toda a parte: Itália, Espanha, Inglaterra, Irlanda, Alemanha, Estados Unidos, Austrália. A par destas realizações, que se ligam ao grande desejo do Carmo de sublimar a dimensão religiosa da vida humana e de testemunhar a presença de Deus, estão em acção algumas experiências muito interessantes, de vida eremítica, quer masculina, quer feminina, na Espanha, Estados Unidos e na Indonésia. Esta última é caracterizada por uma total inserção na cultural oriental local, quase um caminho indonésio para o Carmelo.

ELIAS E MARIA

Para completar este quadro da visão moderna do Carmo, é necessário dizer brevemente qual é a sua experiência íntima, qual é hoje a característica da sua vida inspirada na fé pura do profeta Elias, mas ainda mais profundamente orientada para Maria, a Mãe de Jesus.

A íntima convicção de herdar o espírito deles contribuiu para dar à Ordem Carmelita uma fisionomia particular a exemplo daquele a quem o rei de Israel podia dizer: «Vive o Senhor, diante de quem me encontro»: palavras que foram compreendidas no sentido duma vida vivida continuamente na presença de Deus», mas que significam literalmente «Vive o Senhor de quem sou servidor», também com uma forte carga de disponibilidade de acção , porque o servidor estava sempre diante do seu mestre pronto para executar a sua ordem. Uma tal consciência da presença divina, a saborear e a servir, marcou com um grande sinal indelével toda a história da Ordem Carmelita, deu um carácter de intimidade com DeusCada um permaneça na sua cela ou junto dela, meditando dia e noite na lei do Senhor e velando em oração, a não ser que esteja legitimamente ocupado com outra coisa». Este mandamento da Regra que lembra o preceito evangélico central «É preciso rezar sem cessar» (Lc. 18, 1), mais que uma oração feita de palavras, exige uma atitude especial do espírito face a Deus: oferecer a Deus um coração puro, purificado de toda a mancha de pecado e saborear no coração e experimentar no espírito a doçura da presença divina: assim se exprime o código mais antigo da espiritualidade da Ordem, o Da Instituição dos primeiros monges da segunda metade do séc. XIV. que, com outros elementos, constituem a característica da própria Ordem. E isso com base num breve capítulo da Regra que diz: «

Hoje acentua-se em Elias o homem de coragem profética e de zelo ardente pela causa do Deus vivo e verdadeiro. É o profeta constantemente aberto à voz de Deus e sensível às exigências mais profundas do povo. Deus domina toda a sua vida e a unifica totalmente de tal modo que o profeta está com Deus quando no monte ele lhe fala face a face e quando está engajado activamente na política e na questão social.

Um outro elemento da história - e sobretudo da vida - carmelita é a convicção entre os Carmelitas que a sua Ordem pertence à Madona.

Já se fez alusão como na colmeia formada pelos eremitas junto da fonte de Elias no Carmelo, não falta a Rainha. Com efeito os itinerários dos peregrinos (guias turístico-religiosos para a viagem à Terra Santa) anotam na primeira metade do séc. XII uma pequena igreja da Madona no local onde estão os eremitas carmelitas; alguns anos depois a pequena igreja é qualificada de muito bela e um documento do Papa Urbano IV em 1263, chama a Madona de Padroeira da Ordem.

O facto dos Carmelitas se terem reunido à volta de uma pequena igreja dedicada à Santíssima Virgem reveste-se dum sentido muito particular. Com efeito, na Idade Média, quem estava ligado a uma igreja, pertencia-lhe, bem como a seu santo titular. Isto é - e isso num sentido estritamente feudal - o titular era o patrão ao serviço do qual estava o clero, colocando-se também sob a sua protecção especial.

Para os Carmelitas, privados dum fundador semelhante ao dos Franciscanos ou Dominicanos, estar ao serviço duma igreja dedicada à Madona significa ser de Maria, posto ao seu serviço (em sua homenagem) e portanto protegidos por ela contra todo o perigo.

Esta consagração mariana foi vivida no princípio na única casa do Monte Carmelo. Mas quando os religiosos aumentaram e se espalharam por vários lugares, eles dedicaram as suas igrejas a Maria, nos seus diversos mistérios, mas com uma preferência marcante pelo mistério da Anunciação, origem principal de todo o privilégio mariano, porque por ele, Ela se torna Mãe de Cristo e portanto Domina Loci, (Senhora do Lugar), isto é, da Terra Santa e em particular do Carmelo.

Maria é portanto fonte de inspiração no estilo de vida do Carmo, no coração de sua fé, na sua esperança e na sua caridade. Dando testemunho da presença viva de Maria na história da Salvação, o Carmo coopera com a incarnação de Cristo no mundo de hoje. E como Maria, numa dimensão privilegiada e misteriosa, ele é parte activa do povo de Deus e orienta-o para o seu fim, assim o Carmo quer ser evangelicamente irmão no meio dos seus irmãos, especialmente entre os mais pobres e os mais humildes, olhando só para Deus no longo e extenuante caminho da humanidade.

Citamos do documento As fontes do V Conselho das Províncias Carmelitas (Outubro 1979):

«Maria é filha de Deus a quem ela se consagra totalmente; Deus constrói nela a sua morada, cobre-a da Sua Omnipotência, como a nuvem miraculosa que envolvia Moisés no Sinai, e enche-a da Sua glória. E Ela, que já tinha Deus no fundo do seu coração, torna-se a bem-aventurado entre as mulheres, recebendo no seu seio a Plenitude do Senhor, o Verbo Incarnado. Maria gera o Verbo que trará a salvação ao mundo inteiro: a Palavra, semeada no seu coração, ela oferece-a aos outros permanecendo constante e dolorosamente unida a Ele. Maria, que «sobressai entre os humildes e pobres do Senhor» (Lumen Gentium, 55) e está intimamente ligada à humanidade deixa-se penetrar totalmente pela obra da Redenção realizada pelo seu Filho. Ela trabalha em perfeita colaboração, até experimentar no íntimo mais profundo do seu ser, o sofrimento da cruz, aceite com clareza de fé, em perspectiva de fecundidade e em plenitude de amor.

Maria sabia escutar Deus, interiorizando e fazendo a sua vontade. Ela sabia rezar com inteira disponibilidade e sem compromisso. Mas ela sabia também dar à escuta e à oração o valor de serviço pelos homens. Deste modo ela traça o caminho da nossa peregrinação terrestre tendo realizado «na sua vida sobre a terra a figura perfeita de discípulo de Cristo, espelho de todas as virtudes e tendo incarnado as bem-aventuranças evangélicas proclamadas por Cristo» (Paulo VI, 21 de Nov. 1964).

Nós, como Carmelitas, olhamos Maria para compreender e viver a fundo a sua atitude de escuta e de resposta à Palavra de Deus, evitando assim identificar a religiosidade com o pietismo alienante ou com o secularismo que se fecha à transcendência. Como ela nós queremos aspirar sempre mais a um trato íntimo de vida com Deus, e realizar por isso mesmo profundas e vivificantes relações com os outros. Considerar Maria como modelo inspirador da nossa vida, significa para nós, em última análise, aproximar-nos de Cristo, conformar-nos com Ele numa tríplice abertura: a Deus, através da escuta e da oração; a nós próprios, através de inserção da nossa identidade; e aos outros através do serviço generoso, particularmente em relação às pessoas humildes e abandonadas.

O Carmelo, na sua vida multissecular, desde as origens até hoje, sempre manteve esta inspiração eliana e mariana, mesmo com tonalidades e acentos diversos, devidos aos tempos. E é absolutamente na linha desta inspiração que foram aprovadas pelo Capítulo Geral da Ordem (1983), as orientações e linhas de acção para uma presença mais autêntica e profética do Carmelo no mundo de hoje.

Isso foi concretizado mais particularmente em alguns objectivos:

  • Pelo estilo de vida exorta-se cada comunidade da Ordem a transformar-se sempre mais num verdadeiro grupo animado e animador no sentido de Deus e da fraternidade, no interior com os outros homens. Comunidade formada por pessoas que vivem confrontando-se, - não só a nível pessoal, mas também a nível comunitário - com a Palavra de Deus, a exemplo de Maria e de Elias, e que partilham entre si, alegrias, tristezas, dificuldades, problemas de fé, de vida e de trabalho. Comunidades que escolhem um estilo de vida simples e pobre, o qual constitui, no contexto actual do bem estar e de consumo, um testemunho concreto de alternativa evangélica.
  • Pelo apostolado mostra-se a escolha e o reconhecimento por parte da Ordem da pluralidade das formas e das obras de apostolado contando que elas sejam submetidas ao discernimento, tendo como base o critério de que sejam verdadeiramente orientadas para a edificação do Reino de Deus. Nesta pluralidade de formas dá-se uma atenção especial e oferece-se um estímulo àqueles que se esforçam por viver a sua própria doação a Deus acentuando a vida de oração e dando testemunho da sua própria fé em Deus vivo num mundo secularizado; como aos que procuram engajar-se no meio dos mais pobres, que vivem em situação de injustiça para os ajudar a libertar-se. Deste modo, hoje, os Carmelitas, vêem e querem viver o seu ideal de sempre homenagem a Jesus Cristo, isto é, a adesão a Jesus crucificado e ressuscitado num contínuo esforço de testemunhar por toda a parte a sua presença de amor e libertação.