IV Domingo do Advento - Ano C

4º DOMINGO DO ADVENTO (ANO C)

20 de Dezembro de 2015

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Evangelho de Nosso Senhor Jesus Cristo segundo São Lucas (Lc 1, 39-56)

39Por aqueles dias, Maria pôs-se a caminho e dirigiu-se à pressa para a montanha, a uma cidade da Judeia. 40Entrou em casa de Zacarias e saudou Isabel. 41Quando Isabel ouviu a saudação de Maria, o menino saltou-lhe de alegria no seio e Isabel ficou cheia do Espírito Santo. 42Então, erguendo a voz, exclamou: «Bendita és tu entre as mulheres e bendito é o fruto do teu ventre. 43E donde me é dado que venha ter comigo a mãe do meu Senhor? 44Pois, logo que chegou aos meus ouvidos a tua saudação, o menino saltou de alegria no meu seio. 45Feliz de ti que acreditaste, porque se vai cumprir tudo o que te foi dito da parte do Senhor.» 46Maria disse, então: «A minha alma glorifica o Senhor 47e o meu espírito se alegra em Deus, meu Salvador. 48Porque pôs os olhos na humildade da sua serva. De hoje em diante, me chamarão bem-aventurada todas as gerações. 49O Todo-poderoso fez em mim maravilhas. Santo é o seu nome. 50A sua misericórdia se estende de geração em geração sobre aqueles que o temem. 51Manifestou o poder do seu braço e dispersou os soberbos. 52Derrubou os poderosos de seus tronos e exaltou os humildes. 53Aos famintos encheu de bens e aos ricos despediu de mãos vazias. 54Acolheu a Israel, seu servo, lembrado da sua misericórdia, 55como tinha prometido a nossos pais, a Abraão e à sua descendência, para sempre.» 56Maria ficou com Isabel cerca de três meses. Depois regressou a sua casa.

Chave de leitura

O Evangelho de hoje fala da visita de Maria a sua prima Isabel. Elas conheciam-se visto serem primas. Neste encontro, quer uma quer outra, descobrem um mistério que ainda não conheciam e que as enche de grande alegria. Quantas vezes nos acontece na nossa vida encontrarmos pessoas que conhecemos, mas que nos surpreendem de novo pela sabedoria que possuem e pelo testemunho de fé que nos dão?! É assim que Deus se revela e nos faz conhecer o mistério da sua presença na nossa vida.

O texto do Evangelho deste 4º Domingo do Advento não inclui o Cântico de Maria (Magnificat) (Lc 1, 46-56) e apresenta apenas a descrição da visita de Maria a Isabel (Lc 1, 39-45). Neste breve comentário tomamos a liberdade de incluir também o Cântico de Maria porque ajuda a compreender melhor toda a grandeza da experiência que as duas mulheres tiveram no momento da visita. O Cântico revela que a experiência que Maria teve no momento da saudação de Isabel ajuda-a a perceber a presença do mistério de Deus, não só na pessoa de Isabel, como também na sua própria vida e na história do seu povo.

Durante a leitura do texto procura estar atento ao que se segue: “Com que gestos, palavras e comparações, Maria e Isabel, expressam a descoberta da presença de Deus nas suas vidas?”.

Contexto de ontem e de hoje

No Evangelho de Mateus a infância de Jesus centra-se à volta da figura de José, Pai putativo de Jesus. É através de “José, esposo de Maria” (Mt 1, 16) que Jesus chega a ser descendente de David, capaz de realizar as promessas feitas a David. No Evangelho de Lucas, pelo contrário, a infância de Jesus centra-se à volta da pessoa de Maria, “esposa de José” (Lc 1, 27). Lucas não fala muito de Maria mas o que diz é de grande profundidade e importância. Apresenta Maria como modelo das comunidades cristãs. A chave para olhar deste modo Maria é a Palavra de Jesus a respeito da sua mãe: “Felizes os que ouvem a palavra de Deus e a põem em prática” (Lc 11, 28). No modo como Maria se comporta com a Palavra de Deus, Lucas vê a atitude mais correcta por parte da comunidade para se relacionar com a Palavra de Deus: acolhê-la, encarná-la, interiorizá-la, ruminá-la, fazê-la nascer e crescer, deixar-se moldar por ela, ainda que muitas vezes não seja compreendida e faça sofrer. Esta é a visão de fundo dos capítulos 1 e 2 do Evangelho de Lucas, que falam de Maria, a Mãe de Jesus. Ou seja, quando Lucas fala de Maria, pensa nas comunidades cristãs do seu tempo que viviam dispersas nas cidades do império romano. Maria é o modelo da comunidade fiel. E, fiel a esta tradição bíblica, o último capítulo da Lumen Gentium do Vaticano II, que fala da Igreja, representa Maria como modelo da Igreja.

O episódio da visita de Maria a Isabel indica outro aspecto muito próprio de Lucas. Todas as palavras e atitudes, sobretudo o Cântico de Maria (Magnificat), formam uma grande celebração de louvor. Parece a descrição de uma liturgia solene.

Fazendo assim, Lucas evoca um duplo ambiente: o ambiente orante em que Jesus nasce e cresce na Palestina, e o ambiente litúrgico e celebrativo em que as comunidades cristãs vivem a sua fé. Ensina a transformar uma visita de Deus em serviço aos irmãos.

Comentário do texto

Lucas 1, 39-40: Maria vai visitar a sua prima Isabel. Lucas coloca o acento na prontidão de Maria para responder às exigências da Palavra de Deus. O anjo anuncia-lhe que Isabel está grávida e imediatamente Maria põe-se a caminho para verificar o que o anjo lhe anunciou. Sai de sua casa para ajudar uma pessoa que tem necessidade de ajuda. De Nazaré até às montanhas da Judeia são quase mais de cem quilómetros. Não havia nessa época nem autocarros nem comboios. Maria escuta a Palavra de Deus e põe-na em prática da forma mais eficaz.

Lucas 1, 41-44: A saudação de Isabel. Isabel representa o Antigo Testamento que termina e Maria representa o Novo que começa. O Antigo Testamento acolhe o Novo Testamento com gratidão e confiança, reconhecendo nele o dom gratuito de Deus que vem realizar e completar todas as esperanças das pessoas. No encontro entre as duas mulheres manifesta-se o dom do Espírito que faz saltar de alegria o menino no seio de Isabel.

A Boa Nova de Deus revela a sua presença numa das coisas mais comuns da vida humana, como é, duas mulheres, que fazem uma visita para se ajudarem. Visita, alegria, gravidez, filhos, ajuda mútua, casa, família: é nisto que Lucas quer que as comunidades (e todos nós) sintam e descubram a presença do Reino.

Até hoje, as palavras de Isabel, fazem parte da oração mais conhecida e mais recitada em todo o mundo: Avé Maria.

Lucas 1, 45: O elogio de Isabel feito a Maria. “Feliz de ti que acreditaste, porque se vai cumprir tudo o que te foi dito da parte do Senhor”. É a mensagem de Lucas às comunidades: acreditar na Palavra de Deus, que tem a força de realizar o que nos diz. É a Palavra criadora. Gera vida nova no seio de uma virgem, no seio do povo pobre e abandonado que a acolhe com fé. O elogio que Isabel faz a Maria é completado com o elogio que Jesus faz a sua mãe: “Felizes os que ouvem a palavra de Deus e a põem em prática” (Lc 11, 28).

Lucas 1, 46-56: O Cântico de Maria. Com toda a probabilidade, este Cântico era conhecido e cantado nas comunidades cristãs. Ensina como se deve rezar e cantar. É também uma espécie de termómetro que mostra o nível de consciência das comunidades da Grécia para as quais Lucas escreve o seu Evangelho. Mesmo hoje, através dos cânticos que se ouvem e cantam nas comunidades é possível ver o nível de consciência das mesmas.

Lucas 1, 46-50: Maria começa por proclamar a mudança acontecida na sua vida sob o olhar amoroso de Deus, cheio de misericórdia. Por isso canta cheia de felicidade: “A minha alma glorifica o Senhor e o meu espírito se alegra em Deus, meu Salvador. Porque pôs os olhos na humildade da sua serva. De hoje em diante, me chamarão bem-aventurada todas as gerações. O Todo-poderoso fez em mim maravilhas. Santo é o seu nome. A sua misericórdia se estende de geração em geração sobre aqueles que o temem”. Para poder valorizar toda a grandeza destas palavras muito conhecidas, convém recordar que se trata de uma jovem, talvez com 15 ou 16 anos, pobre, de uma aldeia desconhecida da Palestina, periferia do mundo, mas com clara consciência da sua condição e da sua missão, tanto dela como das outras pessoas. Maria imita o cântico de Ana, mãe do profeta Samuel (1Sam 2, 1-10).

Lucas 1, 51-53: Imediatamente Maria canta a fidelidade de Yahvé para com o seu povo e proclama a mudança que o braço forte de Yahvé estava a realizar em favor dos pobres e dos esfomeados. A expressão “braço de Deus” recorda a libertação do Êxodo. Esta mudança acontece devido à força salvadora de Yahvé: dispersa os soberbos (Lc 1, 51), derruba os poderosos dos seus tronos e exalta os humildes (Lc 1, 52). Aqui aparece o nível de consciência dos pobres do tempo de Jesus e das comunidades do tempo de Lucas que cantavam este cântico e provavelmente sabiam-no de memória. Vale a pena compará-lo com os cânticos que hoje cantam as comunidades nas igrejas. Será que perdemos a consciência política e social que se manifesta no Cântico de Maria? Nos anos 70 do século passado, por ocasião da celebração militar da Páscoa, uma ditadura militar de um país da América do Sul censurou este Cântico de Maria porque foi considerado subversivo. Mesmo hoje a consciência de Maria, Mãe de Jesus, continua a incomodar.

Lucas 1, 54-55: Finalmente recorda que tudo isto é expressão da misericórdia de Deus para com o seu povo e expressão da sua fidelidade às promessas feitas a Abraão. A Boa Nova não é uma recompensa pela observância da lei, mas uma expressão da bondade e da fidelidade de Deus às suas promessas. Era o que Paulo ensinava nas suas cartas aos Coríntios e aos Romanos.

Lucas 1 e 2: fim do Antigo Testamento e começo do Novo Testamento

Nos dois primeiros capítulos do Evangelho de Lucas tudo gira à volta de dois nascimentos: o de João e o de Jesus. Estes capítulos fazem-nos sentir o perfume do Evangelho de Lucas. Neles o ambiente é de louvor e de ternura. Desde o princípio até ao fim, louva-se e canta-se a misericórdia de Deus que, finalmente, irrompe para realizar as suas promessas, e as cumpre em favor dos pobres, os anawin, daqueles que sabem esperar a sua vinda: Isabel, Zacarias, Maria, José, Simeão, Ana, os pastores e os três reis magos.

Os primeiro e segundo capítulos do Evangelho de Lucas são muito conhecidos mas pouco meditados com profundidade. Lucas escreve imitando os escritos do Antigo Testamento. É como se os dois primeiros capítulos do seu Evangelho fossem os últimos do Antigo Testamento, abrindo deste modo a porta para a chegada do Novo. Estes dois capítulos são o limiar entre o Antigo e o Novo Testamento. Lucas pretende mostrar a Teófilo que as profecias estão a realizar-se. Jesus cumpre o Antigo e dá início ao Novo.

Estes dois capítulos não são história no sentido como hoje entendemos a história. Funcionavam muito mais como um espelho no qual os destinatários do Evangelho, os cristãos convertidos do paganismo, descobriam que Jesus veio cumprir as promessas do Antigo Testamento e a responder às mais profundas aspirações do coração humano. Eram também o símbolo do que estava a acontecer nas comunidades do tempo de Lucas. As comunidades vindas do paganismo nasceram das comunidades de judeus convertidos. Mas serão diferentes. O Novo não corresponde de todo ao que o Antigo imaginava e esperava. Era “sinal de contradição” (Lc 2, 34), causava tensões e era fonte de muita dor. Na conduta de Maria, Lucas apresenta um modelo de como se deve reagir e perseverar no Novo.

Palavra para o caminho

Feliz de ti que acreditaste, porque se vai cumprir tudo o que te foi dito da parte do Senhor”. Por que é que muitos cristãos não descobrem Deus como o melhor amigo das suas vidas?

Como acontece tantas vezes, parece que também no movimento de Jesus perdeu-se a experiência original que, no começo, dava vida a tudo. Ao esfriar-se aquela primeira experiência e ao acumular-se, em seguida, outros códigos e esquemas religiosos, às vezes, muito estranhos ao Evangelho, a alegria cristã foi-se apagando.

Quantos suspeitam, agora, que a primeira coisa que alguém escuta quando se aproxima de Jesus é um chamamento para ser feliz e para fazer um mundo mais feliz? Quantos podem pensar que aquilo que Jesus oferece é um caminho que percorrido possibilita-nos descobrir uma alegria diferente que pode mudar, pela raiz, a nossa vida?

Quantos crêem que Deus quer somente e exclusivamente o nosso bem, que não é um ser ciumento que sofre ao ver-nos gozar a vida, mas alguém que nos quer, desde agora, alegres e felizes?

Feliz de ti que acreditaste”. Apesar das incoerências e infidelidades das nossas vidas medíocres, bem-aventurado, também hoje, aquele que crê desde o fundo de seu coração.