V Domingo da Páscoa - Ano C

5º DOMINGO DA PÁSCOA (ANO C)

24 de Abril de 2016

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Evangelho de Nosso Senhor Jesus Cristo segundo São João (Jo 13, 31-35)

31Quando Judas saiu do Cenáculo, Jesus disse aos seus discípulos: «Agora foi glorificado o Filho do Homem e Deus foi glorificado n'Ele. 32 Se Deus foi glorificado n'Ele, Deus também o glorificará em Si mesmo e glorificá-l'O-á sem demorara.» 33«Filhinhos, é por pouco tempo que ainda estou convosco. 34Dou-vos um novo mandamento: que vos ameis uns aos outros. Como Eu vos amei, amai-vos também uns aos outros. 35Nisto conhecerão todos que sois meus discípulos: se vos amardes uns aos outros.»

Preâmbulo ao discurso de Jesus

Esta passagem conclui o capítulo 13 no qual se entrelaçam dois temas que de imediato são retomados e desenvolvidos no capítulo 14: para onde o Senhor vai e o tema do mandamento do amor. Algumas considerações acerca de como se articula o contexto em que estão inseridas as palavras de Jesus acerca do mandamento novo podem ajudar-nos nalgumas reflexões preciosas sobre os conteúdos.

Em primeiro lugar no versículo 31 é dito: “quando saiu”. De que se trata? Para entender é necessário remontar ao versículo 30 onde se diz que “tendo tomado o bocado de pão, saiu logo”. E era de “noite”. O personagem que sai é Judas. A expressão “era de noite”, é característica de todos os “discursos de despedida” que acontecem justamente de noite. As palavras de Jesus em Jo 13, 31-35 estão precedidas desta imersão na obscuridade da noite. Que significado simbólico têm? Em João a noite simboliza o momento mais alto da intimidade nupcial (por exemplo a noite nupcial), mas também a suprema angústia. Um outro significado da obscuridade da noite: representa o perigo por antonomásia, é o momento em que o inimigo urde os fios da vingança em relação aos outros. Exprime o momento do desespero, da confusão, da desordem moral e intelectual. A escuridão da noite é como um caminho sem saída.

Durante a tempestade nocturna, em João 6, a obscuridade da noite expressa a experiência do desespero e da solidão, enquanto os discípulos estão à mercê das forças obscuras que agitam as águas do mar. A anotação temporal “enquanto era ainda noite” em João 20,1, indica as trevas produzidas pela ausência de Jesus. No Evangelho de João, Cristo luz não está no sepulcro, portanto reina a escuridão (Jo 20, 1).

Os “discursos de despedida”, com razão, devem ser considerados neste enquadramento temporal, como que a indicar que a cor de fundo destes discursos é a separação, a morte, o partir de Jesus que dará lugar a uma sensação de vazio ou de amarga solidão. No hoje da Igreja e da Humanidade pode significar que quando afastamos Jesus da nossa vida nasce em nós a experiência da angústia e do sofrimento.

Retornando às palavras de Jesus em 3, 31-34, eco da sua partida e da sua morte imediata, João evoca de novo o seu passado vivido com Jesus, entrelaçado de recordações que lhe abriram os olhos relativamente à riqueza misteriosa do Mestre. Esta memória do passado faz também parte do caminho de fé.

Próprio dos “discursos de despedida” é que tudo o que é transmitido, em particular no momento trágico e solene da morte, converte-se em património inalienável, testamento que deve ser guardado com fidelidade. Os discursos de Jesus sintetizam também tudo o que ele ensinou e fez, com o propósito de solicitar aos discípulos que o sigam na mesma direcção que ele apontou.

Para aprofundar o tema

A nossa atenção detém-se, antes de tudo, sobre a primeira palavra utilizada por Jesus neste “discurso de despedida” que lemos neste Domingo de Páscoa: “Agora”. “Agora o Filho do Homem foi glorificado”. De que “hora” se trata? É o momento da cruz que coincide com a glorificação. Este termo no Evangelho de João coincide com a manifestação ou revelação. Por conseguinte, a cruz de Jesus é a “hora” da máxima manifestação da verdade. Deve ser afastado do significado de ser glorificado tudo o que possa levar a pensar em algo relativo à “honra”, ao “triunfalismo”, etc.

Por um lado Judas entra de noite e Jesus prepara-se para a glória: “Quando saiu, disse Jesus: 'Agora foi glorificado o Filho do Homem e Deus foi glorificado n'Ele. Se Deus foi glorificado n'Ele, Deus também o glorificará em si mesmo e glorificá-lo-á muito em breve'” (vv. 31-32) A traição de Judas amadurece em Jesus a convicção de que a sua morte é “glória”. A hora da morte na cruz está no plano de Deus; é a “hora” na qual sobre o mundo, mediante a glória do “Filho do Homem”, resplandecerá a glória do Pai. Em Jesus, que oferece a sua vida ao Pai na “hora” da cruz, Deus é glorificado revelando o seu ser divino e acolhendo na sua comunhão todos os homens.

A glória de Jesus (o Filho) consiste no seu “amor até ao fim” por todos os homens, quer os que se oferecem a ele quer os que o atraiçoam. É um amor que carrega todas as situações destrutivas e dramáticas que gravitam ao redor da vida e da história dos homens. A traição de Judas é o símbolo não tanto de um indivíduo mas de toda a malvadez da humanidade e da sua infidelidade à vontade de Deus.

Contudo, a traição de Judas continua a ser um acontecimento carregado de mistério. Escreve um exegeta: “Com a traição feita a Jesus a culpa insere-se na revelação; e inclusive é colocada ao serviço da revelação” (Simeons, Secondo Giovanni, 561). Em certo sentido a traição de Judas oferece a possibilidade de conhecer melhor a identidade de Jesus: a traição permitiu compreender até que ponto chegou a predilecção de Jesus pelos seus. Mazzolari escreve: “Os apóstolos, bons ou não, generosos ou não, converteram-se em amigos do Senhor; fiéis ou não, ficam sempre seus amigos. Não podemos atraiçoar a amizade de Cristo: Cristo nunca nos atraiçoa, nunca atraiçoa os seus amigos, mesmo que não o mereçamos ou nos revoltemos contra Ele ou o neguemos. Perante os seus olhos e no seu coração somos sempre os “amigos” do Senhor. Judas é um amigo do Senhor mesmo no momento em que beijando-o, consuma a traição do Mestre” (Discursos, 147).

O mandamento novo

Prestemos atenção ao mandamento novo. No versículo 33 há uma mudança no discurso de despedida de Jesus: não é mais usada a terceira pessoa mas há um “tu” a quem o Mestre dirige a sua palavra. Este “tu” é expresso no plural e através de um termo grego que exprime profunda ternura: “filhinhos” (teknía). Mais concretamente: Jesus ao usar este termo quer comunicar aos seus discípulos, através do tom da sua voz e com a abertura do seu coração, a imensa ternura que tem por eles.

É interessante verificar outra indicação que se encontra no versículo 34: “que vos ameis uns aos outros como eu vos amei. O termo grego kathòs (“como”), não indica uma comparação: “amai-vos uns aos outros como eu vos amei”. O seu significado é consecutivo ou causal: “Porque eu vos amei, assim amai-vos uns aos outros”.

Há exegetas, como o P. Lagrange, que vêem no mandamento de Jesus um sentido escatológico: durante a sua relativa ausência, Jesus, esperando o seu definitivo retorno, quer ser amado e servido na pessoa dos seus irmãos. O mandamento novo é o único mandamento. Se falta, tudo falta. Escreve Magrassi: “Fora as etiquetas e as classificações: todo o irmão é sacramento de Cristo. Interroguemo-nos acerca da nossa vida diária: é possível viver ao lado do irmão desde a manhã até à noite sem o aceitar e amar? A grande tarefa neste caso é o êxtase, visto no sentido etimológico da palavra: sair de mim para me tornar próximo de quem quer que seja que tenha necessidade de mim, começando pelos que estão mais perto de mim e pelas coisas humildes de cada dia” (Vivere la Chiesa, 113).

Palavra para o caminho

Jesus fala de um “mandamento novo”. Onde está a novidade? O lema de amar o próximo já está presente na tradição bíblica. Também diversos filósofos falam de filantropia e de amor a todo o ser humano. A novidade está na forma de amar própria de Jesus: “amai-vos como eu vos amei”. Assim se irá difundindo, através dos seus seguidores, o seu estilo de amar. A primeira coisa que os discípulos experimentaram é que Jesus amou-os como amigos: ”Já não vos chamo de servos... mas chamo-vos de amigos”. Na Igreja temos que nos querer, simplesmente, como amigos e amigas. E, entre amigos, cuida-se da igualdade, da proximidade e do apoio mútuo. Ninguém está acima de ninguém. Nenhum amigo é senhor dos seus amigos.