13º DOMINGO DO TEMPO COMUM (ANO C)
26 de Junho de 2016
Evangelho de Nosso Senhor Jesus Cristo segundo São Lucas (Lc 9, 51-62)
51Como estavam a chegar os dias de ser levado deste mundo, Jesus dirigiu-se resolutamente para Jerusalém 52e enviou mensageiros à sua frente. Estes puseram-se a caminho e entraram numa povoação de samaritanos, a fim de lhe prepararem hospedagem. 53Mas não o receberam, porque ia a caminho de Jerusalém. 54Vendo isto, os discípulos Tiago e João disseram: «Senhor, queres que digamos que desça fogo do céu e os consuma?» 55Mas Ele, voltando-se, repreendeu-os. 56E foram para outra povoação.57Enquanto iam a caminho, disse-lhe alguém: «Hei-de seguir-te para onde quer que fores.» 58Jesus respondeu-lhe: «As raposas têm tocas e as aves do céu têm ninhos, mas o Filho do Homem não tem onde reclinar a cabeça.»59E disse a outro: «Segue-me.» Mas ele respondeu: «Senhor, deixa-me ir primeiro sepultar o meu pai.» 60Jesus disse-lhe: «Deixa que os mortos sepultem os seus mortos. Quanto a ti, vai anunciar o Reino de Deus.»61Disse-lhe ainda outro: «Eu vou seguir-te, Senhor, mas primeiro permite que me despeça da minha família.» 62Jesus respondeu-lhe: «Quem olha para trás, depois de deitar a mão ao arado, não é apto para o Reino de Deus.»
Chave de leitura
No contexto do Evangelho de Lucas, o texto deste Domingo encontra-se no princípio da nova fase das actividades de Jesus. Os frequentes conflitos de mentalidade com o povo e com as autoridades religiosas (Lc 4, 28; 5, 21.30; 6, 2.7; 7, 19.23.33-34.39) confirmaram Jesus ao longo da sua caminhada como o Messias-Servo, previsto por Isaías (Is 50, 4-9; 53, 12) e assumido por ele desde o princípio da sua actividade apostólica (Lc 4, 18). A partir disto, Jesus começa a anunciar a sua paixão e morte (Lc 9, 22.43-44) e decide ir a Jerusalém (Lc 9, 51). Esta mudança de rota dos acontecimentos causa uma crise nos discípulos (Mc 8, 31-33). Eles não entendem e têm medo (Lc 9, 45), porque continuam dominados pela mentalidade antiga acerca do Messias glorioso. Lucas descreve vários episódios nos quais aflora a velha mentalidade dos discípulos: desejo de ser o maior (Lc 9, 46-48); vontade de controlar o uso do nome de Jesus (Lc 9, 49-50); reacção violenta de Tiago e de João perante a rejeição dos samaritanos em acolher Jesus (Lc 9, 51-55). Lucas indica também como Jesus se esforça por fazer entender aos seus discípulos a nova ideia da sua missão. O texto deste Domingo (Lc 9, 51-62) descreve alguns exemplos de como Jesus procedia para formar os seus discípulos.
Contexto histórico do nosso texto
O contexto histórico do Evangelho de Lucas tem sempre dois aspectos: o contexto do tempo de Jesus dos anos trinta, na Palestina, e o contexto das comunidades cristãs dos anos oitenta, na Grécia, para as quais Lucas escreve o seu Evangelho
No tempo de Jesus na Palestina. Não foi fácil para Jesus formar os seus discípulos e discípulas. Não é pelo facto de uma pessoa acompanhar Jesus ou viver em comunidade que essa pessoa é santa e perfeita. A dificuldade maior vem do “fermento dos fariseus e de Herodes” (Mc 8, 15), ou seja, da ideologia dominante da época, promovida pela religião oficial (fariseus) e pelo governo (herodianos). Fazia parte da formação que Jesus dava aos seus discípulos combater este fermento. O modo de pensar dos poderosos tinha raízes profundas e renascia sempre de novo na cabeça dos pequenos, dos discípulos. O texto que meditamos este Domingo dá-nos uma ideia do modo como Jesus enfrenta este problema.
No tempo de Lucas, nas comunidades da Grécia. Era importante para Lucas ajudar os cristãos a não se deixar levar pelo “fermento” do império romano e da religião pagã. O mesmo vale para hoje. O “fermento” do sistema neo-liberal, divulgado pelos meios de comunicação, propagandeia a mentalidade consumista, contrária aos valores do Evangelho. Não é fácil para as pessoas descobrir que estão a ser enganadas:”Isto será um puro engano o que tenho na minha mão direita?” (Is 44, 20).
Comentário do texto
Lucas 9, 51-52: Jesus decide ir a Jerusalém. “Como estavam a chegar os dias de ser levado deste mundo”. Esta afirmação indica que Lucas lê a vida de Jesus à luz dos profetas. O evangelista quer deixar bem claro aos seus leitores que Jesus é o Messias, no qual se cumpre o que fora anunciado pelos profetas. O mesmo do modo de falar aparece no Evangelho de João: “Sabendo Jesus que chegara a sua hora de passar deste mundo para o Pai...” (Jo 3, 1). Jesus, obediente ao Pai, “dirige-se decididamente para Jerusalém”.
Lucas 9, 52b-53: Uma aldeia da Samaria não oferece hospitalidade. A hospitalidade era uma das bases da vida comunitária Dificilmente alguém passava a noite ao relento, sem ser acolhida (Gn 18, 1-5; 19, 1-3; Jz 19, 15-21). Mas no tempo de Jesus a rivalidade entre judeus e samaritanos levava as pessoas da Samaria a não acolher os judeus na peregrinação que faziam a Jerusalém o que obrigava os judeus a não passar pela Samaria, quando se dirigiam para Jerusalém. Preferiam caminhar pelo vale do Jordão. Jesus não está de acordo com esta discriminação e passa pela Samaria. Como consequência da discriminação não recebe hospitalidade.
Lucas 9, 54: Reacção violenta de Tiago e João perante a rejeição dos samaritanos. Inspirados pelo exemplo do profeta Elias, Tiago e João querem que desça fogo do céu para que extermine os habitantes daquela aldeia (2Re 1, 10.12; 1 Re 18, 38). Pensam que pelo simples facto de que estando com Jesus todos devem acolhê-los. Eles têm a velha mentalidade, a de se considerarem pessoas privilegiadas. Pensam ter Deus da sua parte para os defender.
Lucas 9, 55-56: Reacção de Jesus perante a violência de Tiago e de João. “Jesus voltou-se e repreendeu-os”. Algumas Bíblias baseando-se em manuscritos antigos dizem também: “Vós não sabeis de que espírito sois. O Filho do homem não veio para tomar a vida dos homens mas para salvá-la”. Pelo facto de alguém estar com Jesus não lhe dá o direito de pensar que é superior aos outros ou que os outros devem prestar-lhe vassalagem. O “Espírito” de Jesus pede o contrário: perdoar setenta vezes sete (Mt 18, 22). Jesus escolhe perdoar ao ladrão que lhe pedia na cruz (Lc 23, 43).
Lucas 9, 57-58: Primeira proposta de seguimento de Jesus. Alguém disse: “Seguir-te-ei aonde quer que vás”. A resposta de Jesus é muito clara e sem máscaras. Não deixa dúvidas: o discípulo que quer seguir Jesus deve imprimir na mente e no coração o seguinte: Jesus não tem nada, nem sequer uma pedra para reclinar a cabeça. As raposas e os pássaros levam-lhe vantagem porque, pelo menos, têm tocas e ninhos.
Lucas 9, 59-60: Segunda proposta de seguimento de Jesus. Jesus diz a outro: “Segue-me!”. Este mesmo convite foi dirigido aos primeiros discípulos: “Segue-me!” (Mc 1, 17.20; 2, 14). A reacção da pessoa convidada a seguir Jesus é positiva. Está disposta a segui-lo. Somente pede autorização para ir enterrar o seu pai. A resposta de Jesus é dura: “Deixa que os mortos enterrem os seus mortos; tu vai a anunciar o Reino de Deus”. Provavelmente trata-se de um provérbio popular usado para significar que se deve ser radical nas decisões tomadas. Quem segue Jesus deve deixar tudo para trás. É como se morresse a tudo o que possui e ressuscitasse para outra vida.
Lucas 9, 61-62: Terceira proposta se seguimento de Jesus. Um terceiro caso: “Eu vou seguir-te, Senhor, mas primeiro permite que me despeça da minha família”. Novamente a resposta de Jesus é dura e radical: “Quem olha para trás, depois de deitar a mão ao arado, não é apto para o Reino de Deus”. Jesus é mais exigente do que o profeta Elias quando este chamou Eliseu para que fosse seu discípulo (1Re 19, 19-21). O Novo Testamento supera o Antigo na exigência e na prática do amor.
Jesus formador
O processo de formação dos discípulos era exigente, lento e doloroso. Não foi fácil fazer nascer neles uma nova experiência de Deus, uma nova visão da vida e do próximo. É como nascer de novo (Jo 3, 5-9). A mentalidade antiga renasce e reaparece na vida das pessoas, das famílias e das comunidades. Jesus não se poupa a esforços para formar os seus discípulos. Dedicava muito tempo a esta tarefa. Nem sempre o conseguiu. Judas atraiçoou-o, Pedro negou-o e, no momento da provação, todos o abandonaram. Somente algumas mulheres e João permaneceram junto a ele na cruz. Mas o Espírito Santo que Jesus lhes enviou depois da ressurreição, completou a operação começada por Jesus (Jo 14, 26; 16, 13). Além do que observamos no texto deste Domingo (Lc 9, 51-62), Lucas fala de muitos outros casos para indicar como fazia Jesus para formar os discípulos e ajudá-los a ultrapassar a mentalidade errada da época.
Em Lucas 9, 46-48 os discípulos discutem entre eles para saber quem é o maior entre eles. Aqui, a mentalidade competitiva e de luta pelo poder, própria da sociedade do Império Romano, infiltra-se na pequena comunidade de Jesus, que apenas está a começar. Jesus manda ter uma outra mentalidade. Toma uma criança, coloca-a junto de si e identifica-se com ela e diz: “Quem acolhe uma criança como esta acolhe-me a mim e quem me acolhe, acolhe o Pai!”. Os discípulos discutem acerca de quem é o maior, e Jesus manda olhar e acolher o mais pequeno. Este é o ponto acerca do qual Jesus insiste mais vezes e acerca dele deu o seguinte testemunho: “Não vim para ser servido mas para servir” (Mc 10, 45).
Em Lucas 9, 49-50 uma pessoa não era do grupo dos discípulos. Servia-se do nome de Jesus para expulsar demónios. João viu e proibiu-o: “Impedimo-lo porque não é dos nossos”. Em nome da comunidade João impede a prática de uma boa acção. Ele pensava que era o dono de Jesus e queria proibir que outros usassem o nome de Jesus para fazer o bem. Queria uma comunidade fechada em si mesma. Aqui manifesta-se a velha mentalidade do “Povo eleito, Povo separado!”. Jesus responde: “Não o impeçais porque quem não está contra vós, está por vós”. O objectivo da formação não pode levar a um sentimento de privilégio e de posse mas antes deve conduzir a uma atitude de serviço. Para Jesus o que importa não é se a pessoa faz ou não parte da comunidade mas se faz ou não o bem que a comunidade deve fazer.
Eis outros casos exemplificativos de como Jesus educa os seus discípulos e discípulas, uma maneira de dar forma humana à experiência que ele tinha de Deus Pai. A lista pode ser completada:
- compromete-os na missão e no regresso da acção missionária faz a revisão com eles (Mc 6, 7: Lc 9, 1-2; 10, 1-12; 12, 17-20);
- corrige-os quando se equivocam (Lc 9, 46-48; Mc 10, 13-15);
- ajuda-os a discernir (Mc 9, 28-29);
- pergunta-lhes quando não compreendem e são lentos em entender (Mc 4, 13; 8, 14-21);
- prepara-os para a luta (Mt 10, 17s);
- reflecte com eles sobre os problemas do momento (Lc 13, 1-5);
- manda-os observar a realidade (Mc 8, 27-29); Jo 4, 35; Mt 16, 1-3);
- coloca-os diante das necessidades das pessoas (Jo 6, 5);
- ensina-lhes que as necessidades das pessoas estão acima de qualquer prescrição ritual (Mt 12, 7.12);
- defende-os quando são criticados pelos adversários (Mc 2, 19; 7, 5-13);
- preocupa-se com o seu descanso e com a sua alimentação (Mc 6, 31; Jo 21, 9);
- passa momentos a sós com eles para os instruir (Mc 4, 34; 7, 1; 9, 30-31; 10, 10; 13, 3);
- insiste na vigilância e ensina-os a orar (Lc 11, 1-13; Mt 6, 5-15).
Palavra para o caminho
O início desta viagem de Jesus para a Judeia e Jerusalém fica marcado pelo seu não acolhimento e rejeição numa aldeia da Samaria (Lucas 9,52). Mas a mesma rejeição tinha acontecido no início da sua missão em Nazaré (Lucas 4,29). Portanto, e sem medos e sem equívocos, a rejeição acompanha o Evangelho em pessoa, que é Jesus Cristo. Os seus discípulos de ontem e de hoje devem saber estas coisas, para não procurarem facilidades no seguimento fiel do caminho de Jesus. Aí está sempre a balizar o caminho a palavra de Jesus: “Se me perseguiram a mim, perseguir-vos-ão também a vós” (João 15,20).
Seguir Jesus é um absoluto, sem condições, atitude posta em destaque pelo facto de Jesus não ter eira nem beira, “não tem onde reclinar a cabeça”, o que torna incontornável a transparência da sua confiança no Pai. Sua e daqueles que o queiram seguir no caminho.