DOMINGO DA ASCENSÃO (ANO B)
17 de Maio de 2015
Evangelho de Nosso Senhor Jesus Cristo segundo São Marcos (Mc 16, 9-20)
9Tendo ressuscitado de manhã, no primeiro dia da semana, Jesus apareceu primeiramente a Maria de Magdala, da qual expulsara sete demónios. 10Ela foi anunciá-lo aos que tinham sido seus companheiros, que viviam em luto e em pranto. 11Mas eles, ouvindo dizer que Jesus estava vivo e fora visto por ela, não acreditaram. 12Depois disto, Jesus apareceu com um aspecto diferente a dois deles que iam a caminho do campo. 13Eles voltaram para trás a fim de o anunciar aos restantes. E também não acreditaram neles.
14Apareceu, finalmente, aos próprios Onze quando estavam à mesa, e censurou-lhes a incredulidade e a dureza de coração em não acreditarem naqueles que o tinham visto ressuscitado. 15E disse-lhes: «Ide pelo mundo inteiro, proclamai o Evangelho a toda a criatura. 16Quem acreditar e for baptizado será salvo; mas, quem não acreditar será condenado. 17Estes sinais acompanharão aqueles que acreditarem: em meu nome expulsarão demónios, falarão línguas novas, 18apanharão serpentes com as mãos e, se beberem algum veneno mortal, não sofrerão nenhum mal; hão-de impor as mãos aos doentes e eles ficarão curados.»
19Então, o Senhor Jesus, depois de lhes ter falado, foi arrebatado ao Céu e sentou-se à direita de Deus. 20Eles, partindo, foram pregar por toda a parte; o Senhor cooperava com eles, confirmando a Palavra com os sinais que a acompanhavam.
Uma chave de leitura
A liturgia da festa da Ascensão coloca diante de nós uma cena em que Jesus aparece aos discípulos e lhes confere a missão de ir pelo mundo inteiro, para anunciar a Boa Nova. O texto do Evangelho de Marcos (Mc 16, 9-20) é a parte final do apêndice. Durante a leitura do texto coloquemos a atenção neste ponto: “A quem aparece Jesus, quais são os diversos aspectos da missão e quais são os sinais da sua presença na comunidade?”.
Comentário do texto
Marcos 16, 9-11: Jesus aparece a Maria de Magdala mas os outros discípulos não acreditam. Jesus aparece em primeiro lugar a Maria de Magdala e ela vai anunciar aos outros. Para vir ao mundo Deus quer depender do Sim de Maria de Nazaré (Lc 1, 38). Para ser reconhecido como o Vivente no meio de nós, quer depender do anúncio de Maria de Magdala que tinha sido libertada de sete demónios. Marcos diz que Jesus apareceu em primeiro lugar a Maria de Magdala. Nisto está de acordo com os outros três evangelistas (cfr. Mt 28, 9-10; Jo 20, 16; Lc 24, 9-11). Mas na lista das aparições transmitida pela Carta aos Coríntios (1Cor 15, 3-8) não aparecem aparições a mulheres. Os primeiros cristãos tiveram dificuldade em acreditar nos testemunhos das mulheres.
Marcos 16, 14: Jesus repreende a incredulidade dos Onze. Aparece finalmente aos Onze discípulos reunidos à mesa e repreende-os por causa da sua incredulidade por não acreditarem nas pessoas que o tinham visto ressuscitado. Pela terceira vez, Marcos refere-se à resistência dos discípulos em acreditar no testemunho daqueles ou daquelas que experimentaram a ressurreição de Jesus. Qual será o motivo desta insistência de Marcos ao mencionar a incredulidade dos discípulos? Provavelmente para ensinar duas coisas. Primeiro, que a fé em Jesus ressuscitado passa pela fé nas pessoas que dão testemunho disso. Segundo, que ninguém deve perder o ânimo, quando a dúvida ou a perplexidade nascem no coração. Os Onze também tiveram dúvidas!
Marcos 16, 15-18: Os sinais que acompanham o anúncio da Boa Nova. Em seguida Jesus confere a missão de anunciar a Boa Nova a todas as criaturas. A exigência que ele coloca para quem quer ser salvo é esta: crer e ser baptizado. Aos que acreditam na Boa Nova e se fazem baptizar, promete estes sinais: 1) expulsarão os demónios; 2) falarão novas línguas; 3) tomarão nas mãos as serpentes; 4) beberão qualquer veneno e não lhes fará mal; 5) imporão as mãos aos doentes e estes ficarão curados. Estes sinais acontecem ainda hoje:
-
Expulsar os demónios: é combater o poder do mal que estrangula a vida. A vida de muitas pessoas melhorou a partir do momento que entraram na comunidade e começaram a viver a Boa Nova da experiência de Deus. Participando na vida da comunidade, lançam fora o mal das suas vidas.
-
Falar novas línguas: é começar a comunicar com os outros de um novo modo. Às vezes encontramos uma pessoa que antes nunca a tínhamos visto, mas acontece como se já a conhecêssemos há muito tempo. É porque falamos a mesma língua, a língua do amor.
-
Apanharão serpentes com as mãos e, se beberem algum veneno mortal, não sofrerão nenhum mal: há muitas coisas que envenenam a convivência. Muitos mexericos que arruínam a relação entre as pessoas. Quem vive a presença de Deus sabe superar isto e não é molestado por este veneno mortífero.
-
Curar os enfermos: em qualquer lugar em que apareça uma consciência mais clara da presença de Deus, aparece também uma especial atenção às pessoas excluídas e marginalizadas, sobretudo aos enfermos. O que mais favorece a saúde é que a pessoa se sinta acolhida e amada.
Marcos 16, 19-20: através da comunidade Jesus continua a sua missão. Aquele Jesus que na Palestina acolhia os pobres, revelando-lhes o amor do Pai, agora é o mesmo Jesus que continua presente entre nós nas nossas comunidades. Através de nós, Ele continua a sua missão de revelar a Boa Nova do amor de Deus aos pobres. A ressurreição continua até hoje. Nenhum poder deste mundo é capaz de neutralizar a força que brota da fé na ressurreição (Rom 8, 35-39). Uma comunidade que quer ser sinal da ressurreição deve ser sinal de vida, deve lutar contra as forças da morte, para que o mundo seja um lugar favorável à vida, deve crer que é possível outro mundo. Sobretudo naqueles lugares onde a vida do povo está mais em perigo por causa do sistema de morte ali imposto, as comunidades devem ser uma prova viva de esperança que vence o mundo, sem medo de serem felizes!
As surpresas de Deus
Desde o início do Evangelho de Marcos era esta a exigência: “O tempo cumpriu-se e o Reino de Deus está próximo. Convertei-vos e acreditai no evangelho”. Esta exigência inicial de conversão e de fé indica a porta, através da qual temos acesso a Jesus e à Boa Nova de Deus que Ele nos traz. Não há outra entrada. A fé implica acreditar em Jesus, na sua Palavra, aceitá-lo sem impor condições. Estamos convidados a não nos encerrarmos em nenhum nome ou título, doutrina ou costume, e a manter sempre os olhos abertos às surpresas de Deus, que pedem uma conversão constante. Os nomes e títulos, as doutrinas e costumes, as devoções e orações, são como o cartão que transportamos no peito para sermos identificados. O cartão é importante porque nos ajuda e orienta quando queremos encontrar uma pessoa que procuramos. Mas quando é encontrada, já não se olha para o cartão mas para o rosto! A pessoa que procuramos logo que a encontramos quase sempre é diferente da ideia que dela fazíamos. O encontro reserva sempre estas surpresas! Sobretudo o encontro com Deus em Jesus. Ao longo do Evangelho de Marcos são muitas as surpresas de Deus, e vêm donde menos se espera:
-
de um pagão que dá uma lição a Pedro, porque reconhece a presença de Deus no crucificado (Mc 15, 39);
-
de uma pobre viúva que oferece o pouco indispensável que tem para o compartilhar com os outros (Mc 12, 43-44);
-
de um cego que gritando incomoda os discípulos e nem sequer tem uma doutrina certa (Mc 10, 46-52);
-
dos pequenos que vivem marginalizados, mas acreditam em Jesus (Mc 9, 42);
-
dos que usam o nome de Jesus para combater o mal, mas não são da “Igreja” (Mc 9, 38-40);
-
de uma mulher anónima, que escandaliza os discípulos pela sua maneira de actuar (Mc 14, 3-9);
-
de um pai de família a quem obrigam a levar a cruz e se converte em discípulo modelo (Mc 15, 21);
-
de José de Arimateia que arrisca tudo e pede o corpo de Jesus para o sepultar (Mc 15, 43);
-
das mulheres que, naquele tempo, não podiam ser testemunhas oficiais, mas são elas as escolhidas por Jesus como testemunhas qualificadas da sua ressurreição (Mc 15, 40.47; 16, 6.9-10).
Resumindo: Os doze discípulos, chamados de modo particular por Jesus (Mc 3, 13-19) e por Ele enviados em missão (Mc 6, 7-13), falham. Pedro renegou-o (Mc 14, 66-72), Judas atraiçoou-o (Mc 14, 44-45) e todos fugiram (Mc 14, 50). Mas precisamente no falhanço aparece a fé dos outros que não faziam parte do grupo dos doze escolhidos. A comunidade, a Igreja, deve ter uma consciência bem clara que ela não é a proprietária de Jesus e nem sequer possuiu todos os critérios da acção de Deus entre nós. Jesus não é nosso, mas nós, a comunidade, a Igreja, somos de Jesus, e Jesus de Deus (1Cor 3, 23). A maior de todas as surpresas é a ressurreição!