5º DOMINGO DO TEMPO COMUM (ANO B)
8 de Fevereiro de 2015
Evangelho de Nosso Senhor Jesus Cristo segundo São Marcos (Mc 1, 29-39)
29Saindo da sinagoga, foram para casa de Simão e André, com Tiago e João. 30A sogra de Simão estava de cama com febre, e logo lhe falaram dela. 31Aproximando-se, tomou-a pela mão e levantou-a. A febre deixou-a e ela começou a servi-los. 32À noitinha, depois do sol-pôr, trouxeram-lhe todos os enfermos e possessos, 33e a cidade inteira estava reunida junto à porta. 34Curou muitos enfermos atormentados por toda a espécie de males e expulsou muitos demónios; mas não deixava falar os demónios, porque sabiam quem Ele era.
35De madrugada, ainda escuro, levantou-se e saiu; foi para um lugar solitário e ali se pôs em oração. 36Simão e os que estavam com Ele seguiram-no. 37E, tendo-o encontrado, disseram-lhe: «Todos te procuram.» 38Mas Ele respondeu-lhes: «Vamos para outra parte, para as aldeias vizinhas, a fim de pregar aí, pois foi para isso que Eu vim.» 39E foi por toda a Galileia, pregando nas sinagogas deles e expulsando os demónios.
Algumas perguntas
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Jesus deixa a sinagoga para entrar na casa de Pedro. Tento seguir o percurso de Jesus: Ele chega até ao lugar mais íntimo da casa, a saber, o quarto com o leito. Reflicto, procurando e olhando, o “caminho” que está dentro de mim, casa de Deus. Deixo a Jesus a possibilidade de percorrer este caminho até ao fundo, até ao coração? Observo e tomo nota dos gestos de Jesus: Entradepressa, aproxima-se, toma a mão, levanta. São termos típicos da ressurreição. Não sinto o Senhor que me diz também a mim: “Levanta-te, ressuscita, nasce de novo!”? Sabiam quem Ele era. Pergunto a mim mesmo acerca da minha relação com o Senhor. Conheço-o verdadeiramente? Ou só ouvi falar d'Ele? Olho para dentro de mim e peço a Jesus que me ajude nesta relação de descoberta. “Mostra-me o teu rosto”. Jesus ora num lugar deserto. Tenho medo de entrar nesta oração que atravessa a noite e precede a luz? Tenho medo dos tempos de silêncio, de solidão, da companhia a sós com Ele? Tendo por vezes a fugir e a não querer parar?
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Faço uma pausa sobre os últimos versículos e trago à luz os verbos de movimento, de acção: “Vamos para outra parte, para pregar, vim, foi, pregando”. Sei que também fui chamado para caminhar e tornar-me anunciador do amor e da salvação de Jesus. Estou disposto, com a graça e a força que vêm desta Palavra que meditei, a tomar o compromisso concreto, preciso, ainda que seja pequeno, de anunciar e evangelizar?Aonde irei? Que passos decido dar?
Uma chave de leitura
A passagem da sinagoga à Igreja
A sinagoga é a mãe, mas a Igreja é a Esposa. Jesus, que é o Esposo, mostra-a e faz-nos conhecer a sua beleza e o seu esplendor, que ela irradia. Se experimentarmos segui-lo, nos evangelhos, damo-nos conta que Jesus nos conduz, por um caminho de salvação, da sinagoga até à Igreja. Marcos, como também Lucas, insiste muito sobre a relação que Jesus instaura com a sinagoga, que chega a ser o lugar privilegiado e sagrada da sua revelação, o lugar dos seus ensinamentos. Leio, por exemplo, Mc 1, 21 e Mc 6, 2, ou também Lc 4, 16 e 6, 6, e ainda Jo 6, 59; durante a paixão, Jesus dirá diante de Pilatos que ele sempre ensinou abertamente na sinagoga e no templo (Jo 18, 20). Mas é sobretudo o lugar das curas, onde Jesus se revela como Médico potente, que cura e salva: por exemplo, em Mc 1, 23 e 3, 1. Esta dupla acção de Jesus converte-se em ponte através da qual se passa para a nova casa de Deus, casa de oração para todos os povos, ou seja, a Igreja (Ef 5, 25), porque ele é a cabeça (Ef 1, 22; 5, 23), comprou-a com o seu próprio sangue (At 20, 28) e não cessa de a alimentar e cuidar dela (Ef 5, 29). Ela é o edifício espiritual constituído por pedras vivas, que somos nós, como diz São Pedro (1Pe 2, 4s). A vida surge de nós, como a água da rocha, se nos abandonarmos ao Senhor (Ef 5, 24) num dom recíproco de amor e de confiança, se perseverarmos na oração insistente e por todos (At 12, 5) e se participarmos na paixão do Senhor pela humanidade (Col 1, 24). A Igreja é a coluna e o sustentáculo da verdade (1Tim 3, 15), é belo caminhar com ela, unidos a Cristo, o Senhor.
A febre como sinal do pecado
Como diz a própria etimologia da palavra grega, a febre é como um fogo que se acende por dentro de nós mesmos e nos consome de modo negativo, atacando as nossas energias interiores, espirituais, tornando-nos incapazes de fazer o bem. No Salmo 31, por exemplo, encontramos uma expressão muito eloquente, que pode representar bem a acção da febre do pecado em nós: “o meu vigor consumia-se com o calor do Verão. Confessei-te o meu pecado e não escondi a minha culpa...” (Sl 32, 4s). O único modo para ser curado é o que vem assinalado no Evangelho, a saber, a confissão, levar diante do Senhor o nosso mal.
O livro da Sabedoria revela outro aspecto muito importante, quando diz que um fogo devorará os que recusam conhecer o Senhor (cf. Sab 16, 16).
Também no livro do Deuteronómio a febre é apresentada como uma consequência do afastamento de Deus, da dureza do coração, que não quer escutar a sua voz e seguir os seus caminhos (cf. Dt 28, 15.22; 32, 24).
Jesus médico misericordioso
Esta passagem do Evangelho, como em muitas outras, faz-nos encontrar com Jesus, que como verdadeiro médico e verdadeira medicina, aproxima-se de nós para nos alcançar nos pontos mais feridos, mais doentes, e trazer-nos a sua cura, que é sempre salvação. Ele é o bom samaritano que ao longo do caminho da vida nos olha com um olhar penetrante e amoroso e não passa ao lado, mas aproxima-se, inclina-se, trata as feridas e deixa cair sobre elas a boa medicina que traz no seu coração. No Evangelho são muitíssimos os episódios em que são narradas as curas realizadas por Jesus; posso apresentar algumas, ainda que me limite ao evangelho de Marcos: Mc 2, 1-12; 3, 1-6; 5, 25-34; 6, 54-56; 7, 24-30; 7, 31-37; 8, 22-26; 10, 46-52. Pode ajudar-me fazer um trabalho de aprofundamento e de confronto, para interiorizar em mim as características de Jesus que cura e, assim, receber também eu, através da escuta profunda da sua Palavra, a cura interior e de todo o meu ser. Por exemplo, detenho-me nos verbos, nos gestos específicos que Jesus faz e que se repetem em muitas destas narrações e coloco mais à luz as palavras que Ele diz. Dou-me conta de que não são muitos os gestos de Jesus relativos à cura, mas a sua palavra: “levanta-te e vê; vai em paz; olha, a tua fé te salvou”. Raramente faz gestos especiais que atraiam a atenção e que assombrem; encontro estas expressões: “tomou-o pela mão, levando-o à parte, pôs, impôs as mãos”. Nestas narrações ecoa a palavra do salmo que diz: “Enviou a sua palavra e curou-os” (Sal 107, 20). Jesus é o Senhor, Aquele que cura, como foi proclamado no livro do Êxodo (cf Ex 15, 26), e pode sê-lo porque Ele mesmo carrega sobre si a nossa enfermidade, os nossos pecados: Ele é um Médico ferido, que nos cura com as sua feridas (cf Pe 2, 24-25).
A tarde, as trevas transfiguradas pela luz de Cristo
O tema da noite, da obscuridade, das trevas, atravessa um pouco toda a Escritura, desde os primeiros versículos, quando a luz aparece como a primeira manifestação da força do amor de Deus que cria e salva. Às trevas segue-se a luz, à noite o dia, e paralelamente a Bíblia faz-nos ver que também à obscuridade interior que pode invadir o homem se segue a luz da salvação e do encontro com Deus. “Para ti as trevas são como a luz”, diz o salmo 139, 12, e é verdade, porque o Senhor é a própria luz: “O Senhor é a minha luz e a minha salvação” (Sl 27, 1). No Evangelho de João, Jesus afirma de si mesmo que é a luz do mundo (cf. Jo 9, 5), para nos indicar que quem O segue não caminha nas trevas. Na verdade, é Ele, como Palavra de Deus, que se converte em lâmpada para os nossos passos neste mundo (cf. Sl 119, 105).
As trevas são muitas vezes associadas com as obras da morte, já que a obscuridade espiritual é igual à morte; posso ler, por exemplo, os salmos 88, 7 e 107, 10.14. O braço forte do Senhor não teme a obscuridade, mas Ele nos agarra e nos faz sair dela, rompendo as cadeias que nos oprimem. “Faça-se a luz”, é uma palavra permanente que Deus nunca se cansa de dizer e que a todos alcança, qualquer que seja a situação.
“Fica, Senhor, connosco, porque se faz tarde” (Lc 24, 9); é a oração dos dois discípulos de Emaús, mas que pode ser a oração de todos; assim como as palavras da esposa no Cântico dos Cânticos ressoam também nos nossos lábios: “Antes que se alarguem as sombras, regressa, ó meu amado!” (Ct 2, 17). São Paulo ajuda-nos a fazer um percurso interior muito forte, que nos aproxima de Cristo e nos salva do pecado. Deste modo convida-nos: “A noite vai adiantada, o dia está perto. Afastemos pois as obras das trevas e revistamo-nos das armas da luz” (Rm 13, 12); “Todos vós sois filhos da luz e filhos do dia; nós não somos da noite nem das trevas” (1Tes 5, 5ss). Mas também de muitas outras maneiras a palavra convida-nos a tornarmo-nos filhos da luz e transfigurados. Quanto mais nos apropriarmos da luz de Cristo tanto mais verdadeira será para nós a palavra do Apocalipse: “Não haverá noite, nem precisarão da luz da lâmpada, nem da luz do sol, porque o Senhor Deus os iluminará e reinarão pelos séculos dos séculos” (Ap 22, 5).