Domingo da Santíssima Trindade - Ano B

DOMINGO DA SANTÍSSIMA TRINDADE (ANO B)

31 de Maio de 2015

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Evangelho de Nosso Senhor Jesus Cristo segundo São Mateus (Mt 28, 16-20) 

16Naquele tempo os onze discípulos partiram para a Galileia, para o monte que Jesus lhes tinha indicado. 17Quando o viram, adoraram-no; alguns, no entanto, ainda duvidavam. 18Aproximando-se deles, Jesus disse-lhes: «Foi-me dado todo o poder no Céu e na Terra. 19Ide, pois, fazei discípulos de todos os povos, baptizando-os em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo, 20ensinando-os a cumprir tudo quanto vos tenho mandado. E sabei que Eu estarei sempre convosco até ao fim dos tempos.» 

Uma chave de leitura 

A liturgia do Domingo da Santíssima Trindade apresenta-nos os últimos versículos do Evangelho de Mateus (Mt 28, 16-20). No início do Evangelho, Mateus apresentava Jesus como o Emanuel, Deus- connosco (Mt 1, 13). Agora no último versículo do seu Evangelho, Jesus comunica a mesma certeza: “Eu estarei convosco até ao fim dos tempos” (Mt 28, 20). Este era o ponto central da fé da comunidade dos anos oitenta e continua a ser o ponto central da nossa fé. Jesus é o Emanuel, Deus- connosco. Esta é também a perspectiva para adorar o mistério da Santíssima Trindade. 

O contexto 

Mateus escreve para as comunidades judeo-cristã da Síria-Palestina. Eram criticadas pelos irmãos judeus que afirmavam que Jesus não podia ser o Messias prometido e, portanto, o seu modo de viver era errado. Mateus procura apoiar a sua fé e ajuda-as a compreender que realmente Jesus é o Messias que veio realizar as promessas feitas por Deus no passado, por meio dos profetas. Um resumo da mensagem de Mateus às comunidades encontra-se na promessa final de Jesus feita aos discípulos, que neste Domingo da Santíssima Trindade meditamos. 

Comentário do texto 

Mateus 28, 16: A primeira e última aparição de Jesus ressuscitado aos Onze discípulos. Jesus aparece em primeiro lugar às mulheres (Mt 28, 9) e, através delas, faz saber aos homens que deviam ir para a Galileia para o ver novamente. Na Galileia receberam o primeiro chamamento (Mt 4, 12.18) e a primeira missão oficial (Mt 10, 1-16). É aí, na Galileia, onde tudo começará de novo: um novo chamamento, uma nova missão. Como no Antigo Testamento, as coisas importantes acontecem sempre na montanha, a Montanha de Deus.

Mateus 28, 17: Alguns duvidavam. Ao ver Jesus, os discípulos prostram-se diante d'Ele. A prostração é a posição de quem acredita e acolhe a presença de Deus, ainda que ela surpreenda e ultrapasse a capacidade humana de compreensão. Alguns duvidaram. Os quatro evangelistas acentuam a dúvida e a incredulidade dos discípulos diante da ressurreição de Jesus (Mt 28, 17; Mc 16, 11.13-14; Lc 24, 11.24.37-38; Jo 20, 25). Isto serve para acentuar que os apóstolos não eram uns ingénuos e para animar as comunidades dos anos oitenta que tinham dúvidas.

Mateus 20, 18: A autoridade de Jesus. “Todo o poder me foi dado no Céu e na terra”. Esta é uma frase solene que se parece com esta: “Tudo me foi dado por meu Pai” (Mt 11, 27). Também são semelhantes algumas afirmações de Jesus que se encontram no evangelho de João: “Sabendo que o Pai lhe pusera tudo nas suas mãos” (Jo 13, 3) e “Tudo o que é meu é teu e tudo o que é teu é meu” (Jo 17, 10). A mesma convicção de fé em relação a Jesus vislumbra-se nos cânticos conservados nas cartas de São Paulo (Ef 1, 3-14; Fil 2, 6-11; Col 1, 15-20). Em Jesus manifestou-se a plenitude da divindade (Col 1, 19). Esta autoridade de Jesus, nascida da sua identidade com Deus Pai, fundamenta a missão que os Onze estão para receber e é o fundamento da nossa fé na Santíssima Trindade.

Mateus 28, 19-20a: A tripla missão. Jesus comunica uma tripla missão: 1) – fazer discípulos em todas as nações; 2) – baptizar em nome do Pai e do Filho e do Espírito Santo e 3) – ensinar a observar tudo o que lhes tinha mandado.

a) Chegar a ser discípulos: O discípulo convive com o mestre e aprende dele na convivência diária. Forma comunidade com o mestre e segue-o, procurando imitar o seu modo de viver e de conviver. Discípulo é aquela pessoa que não absolutiza o seu próprio pensamento, mas que está sempre disposto a aprender. Como o “Servo de Yahvé”, o discípulo, ele ou ela, afina o ouvido para escutar o que Deus tem a dizer (Is 50, 4).

b) Baptizar em nome do Pai e do Filho e do Espírito Santo. A Boa Nova de Deus que Jesus nos trouxe é a revelação de que Deus é Pai e que portanto todos somos irmãos e irmãs. Esta nova experiência de Deus, Jesus viveu-a e obteve-a para nosso bem através da sua morte e ressurreição. É o novo Espírito que ele derramou sobre os seus seguidores no dia de Pentecostes. Naquele tempo, ser baptizado em nome de alguém significava assumir publicamente o empenho de observar a mensagem anunciada. Portanto, ser baptizado em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo, era o mesmo que ser baptizado em nome de Jesus (Act 2, 38) e o mesmo que ser baptizado no Espírito Santo (Act 1, 5). Significava e significa assumir publicamente o compromisso de viver a Boa Nova que Jesus nos deu: é revelar através da fraternidade profética que Deus é Pai e lutar pela eliminação das divisões e separações entre os homens e afirmar que todos somos filhos e filhas de Deus.

c) Ensinar a observar tudo o que Jesus ordenou: Não ensinamos doutrinas novas e nossas, mas revelamos o rosto de Deus que Jesus nos revelou. É daqui que deriva toda a doutrina que os apóstolos nos transmitiram.

Mateus 28, 19-20b: Deus está connosco até ao fim dos tempos. Esta é a grande promessa, a síntese de tudo o que foi revelado desde o princípio. É o resumo do Nome de Deus, o resumo de todo o Antigo Testamento, de todas as promessas, de todas as aspirações do coração humano. É o resumo da Boa Nova de Deus, transmitida pelo Evangelho de Mateus. 

A história da revelação do Nome de Deus Uno e Trino 

Um nome, quando se ouve pela primeira vez, é apenas um nome. Mas na medida em que se vive com a pessoa que tem esse nome, ele torna-se a síntese da pessoa. Quanto maior é a convivência com a pessoa, tanto maior será o significado e o valor do seu nome. Na Bíblia, Deus recebe muitos nomes e muitos títulos que expressam o que ele significa ou pode significar para nós. O nome próprio de Deus é YHWH. Este nome aparece já na segunda narração da Criação, no livro do Génesis (Gen 2, 4). Mas o seu significado profundo (resultado de uma longa convivência através dos séculos, e que passou também pela “noite escura” da crise do desterro na Babilónia) está descrito no livro do Êxodo por ocasião da vocação de Moisés (Ex 3, 7-15). A convivência com Deus através dos séculos deu significado e densidade a este nome de Deus. Deus disse a Moisés: “Vai libertar o meu povo” (Ex 3, 10). Moisés tem medo e justifica-se simulando uma postura humilde: “Quem sou eu para ir ter com o faraó e fazer sair os filhos de Israel do Egipto?” (Ex 3, 11). Deus responde: “Eu estarei contigo!” (Ex 3, 11). Mesmo sabendo que Deus estará com ele na missão de libertar o povo oprimido pelo faraó, Moisés tem medo e justifica-se de novo, perguntando a Deus o seu nome. Deus responde, reafirmando simplesmente o que estava a dizer: “Eu sou Aquele que sou”. Ou seja, certamente estarei contigo, disto não podes duvidar. O texto continua dizendo: “Assim dirás aos filhos de Israel: 'Eu sou' enviou-me a vós!”. E termina concluindo: “Este é o meu nome para sempre: este é o título com que serei recordado de geração em geração” (Ex 3, 14-15). Este pequeno texto, de grande densidade teológica expressa a convicção mais profunda da fé do povo de Deus: Deus está connosco. Ele é o Emanuel. Presença íntima, amiga, libertadora. Tudo isto está resumido nas quatro letras YHWH do nome que pronunciamos como Yahwhé: Ele está no meio de nós. É a mesma certeza que Jesus comunica aos seus discípulos na promessa final sobre a montanha: “Eu estarei convosco todos os dias até ao fim dos tempos” (Mt 28, 20). A Bíblia permite duvidar de tudo, menos de uma coisa: do Nome de Deus, ou seja, da presença de Deus no meio de nós, expressa pelo próprio nome Yahwhé: “Ele está no meio de nós”. No Antigo Testamento o nome Yhawhé aparece mais de 7000 vezes! É o pavio da chama à volta do qual foi colocada a cera das histórias.

É muito trágico o que aconteceu (e continua a acontecer) quando nos séculos posteriores ao exílio da Babilónia, o fundamentalismo, o moralismo e o ritualismo actuaram de tal maneira que, pouco a pouco, o que era um rosto vivo e amigo, presente e amado, converte-se numa figura rígida e severa, pendurado indevidamente nas paredes da Sagrada Escritura, e que fazia crescer o medo e a distância entre Deus e o seu povo. Nos últimos séculos antes de Cristo, o nome YHWH não se podia pronunciar. Em seu lugar, dizia-se Adonai, traduzido depois por Kyrios, que significa Senhor. A religião estruturada em torno das leis, o culto centrado no templo de Jerusalém e a exclusão na raça, criaram uma nova escravidão que sufocava a experiência mística e impedia o contacto com o Deus vivo. O Nome que deveria ser como um espelho transparente para revelar a Boa Nova do rosto amigo e atraente de Deus, converteu-se num espelho que mostrava somente a cara de quem nele se olhava. Trágico engano da auto-contemplação! Não bebiam mais directamente da fonte mas da água engarrafada pelos doutores da lei. Até hoje continuamos a beber muita água da cisterna e não do manancial. Com a sua morte e ressurreição Jesus retirou as barreiras (Col 2, 14), quebrou o espelho da auto-contemplação idólatra e abriu de novo a janela através da qual Deus mostra-nos o seu rosto e nos atrai para Si. Citando um cântico da comunidade, São Paulo proclama na Carta aos Filipenses: “Jesus recebeu um nome que está acima de todo o nome, para que ao nome de Jesus todo o joelho se dobre tudo quanto há nos céus e na terra e nos abismos: e toda a língua confesse que Jesus Cristo é o Senhor” (Fil 2, 9-11). Jesus morto e ressuscitado, é a revelação de que Deus, o mesmo de sempre, é e continua a ser YHWH (Adonai, Kyrios, Senhor), presença íntima, amiga e libertadora no meio do seu povo, vencedor de toda a barreira, inclusivamente da própria morte. A partir de Jesus e em Jesus, o Deus dos pais, que parecia tão distante e severo, recebeu o trato de Pai bom, cheio de ternura. Abba! Pai Nosso! Para nós cristãos, o mais importante não é confessar que Jesus é Deus, mas testemunhar que Deus é Jesus! Deus faz-se conhecer em Jesus. Jesus é a chave para uma nova leitura do Antigo Testamento. Ele é o novo Nome de Deus.

Esta nova revelação do nome de Deus em Jesus é fruto da total gratuitidade do amor de Deus, da sua fidelidade ao próprio Nome. Esta fidelidade pode chegar até nós graças à obediência radical e total de Jesus: “Obediente até à morte, e morte de cruz” (Fil 2, 8). Jesus identifica-se em tudo com a vontade do Pai. Diz: “Eu faço sempre o que o Pai me manda” (Jo 12, 50; “O meu alimento é fazer a vontade do meu Pai” (Jo 4, 34). Por isso, ele é transparência total, revelação total:“Quem me vê, vê o Pai” (Jo 14, 9). N'Ele habita a plenitude da divindade (Col 1, 19). “Eu e o Pai somos um” (Jo 10, 30). Não é fácil esta obediência. Jesus teve momentos difíceis durante os quais chegou a gritar: “Afasta de mim este cálice!” (Mc 14, 36). Como diz a Carta aos Hebreus: “Com fortes gritos e lágrimas suplicou a quem o podia salvar da morte” (Heb 5, 7). Venceu por meio da oração. Converteu-se para nós em revelação e manifestação plena do Nome, daquilo que o Nome significa para nós. A obediência de Jesus não é de tipo disciplinar, mas profética. É acção reveladora do Pai. Por meio dela, os laços foram rompidos e foi rasgado o véu que escondia o rosto de Deus. Foi aberto para nós um caminho para Deus. Mereceu para nós o dom do Espírito que ele nos obteve quando o pedimos ao Pai em seu nome na oração (Lc 11, 13). O Espírito Santo é a água viva que ele nos enviou com a sua ressurreição (Jo 7, 39). É através do seu Espírito que ele nos instruiu, revelando o rosto de Deus Pai (Jo 14, 26; 16, 12-13). 

Oração 

Senhor Jesus, nós te damos graças pela tua Palavra que nos fez ver melhor a vontade do Pai. Faz com que o teu Espírito ilumine as nossas acções e nos comunique a força para seguir o que a tua Palavra nos fez ver. Faz com que nós, tal como Maria, tua Mãe, possamos não só escutar, mas também pôr em prática a Palavra. Tu que vives e reinas com o Pai na unidade do Espírito Santo. Amen.