D. António Vitalino Dantas, actualmente Bispo Emérito de Beja, ao pedido de “Família Carmelita”, ele que pertence à Ordem do Carmo, acedeu prontamente a responder às perguntas que lhe foram colocadas, norteadas por uma espécie de balanço do seu ministério episcopal, primeiro no Patriarcado de Lisboa e depois na Diocese Beja. O seu testemunho é importante para nos fazer entrar na vida de um Bispo, nos seus múltiplos afazeres e responsabilidades.
D. António Vitalino, pode dar-nos os marcos mais importantes do seu percurso de Bispo até hoje?
Estimados leitores da “Família Carmelita”, da qual sou membro professo desde 1961, é com muito prazer que, a pedido do confrade Padre Manuel Castro, partilho com a família alguns traços do meu percurso como bispo desde 1996, primeiro como bispo auxiliar do Patriarcado de Lisboa e desde 1999 como bispo residencial de Beja.
Como bispo auxiliar do Patriarcado aprendi muito do que significa ser bispo, a partir de D. António Ribeiro, o Patriarca de então e dos seus bispos auxiliares meus colegas e também a partir do clero e dos fiéis leigos, sobretudo da zona do Oeste, que me foi destinada e dos membros da vida consagrada e dos movimentos, sem esquecer a pastoral familiar, um dos serviços que o Patriarca me pediu para acompanhar.
Estava quase como peixe na água, quando o Papa de então, agora S. João Paulo II, me nomeou para a diocese de Beja, uma das mais descristianizadas e pobres de Portugal. Como sempre quis ser missionário e os carmelitas já estavam a trabalhar nessa diocese, além de nela ter sido fundado o primeiro convento da Ordem do Carmo em território português, em Moura, onde S. Nuno Álvares Pereira, na altura fronteiro mor do Alentejo, conheceu os carmelitas, que depois levou para o convento do Carmo, em Lisboa, por ele fundado. Assumi, pois, com muita alegria e entusiasmo a nova missão. Aí encontrei um bispo antecessor sábio e santo, D. Manuel Falcão, atuando nela desde 1975 e a quem pedi para continuar a residir na casa episcopal e assim fazer comunidade comigo, habituado a viver em comunidades carmelitas. Procurei dar continuidade ao trabalho realizado pelos meus antecessores, embora sem colocar de parte o cariz pessoal, como pessoa ativa, quase primária, de reações rápidas e frontais, nem sempre a melhor atitude para enfrentar algumas dificuldades.
Conheceu três Papas: João Paulo II, Bento XVI e o Papa Francisco. O que realça de mais significativo em cada um deles?
Exerci o meu ministério episcopal em comunhão com três Papas, que marcaram, e continuam a fazê-lo, o nosso mundo e o nosso tempo. Tive a alegria de me ter encontrado longamente com os três e feito relatórios pormenorizados sobre a situação da diocese, a última vez em setembro de 2014.
Da vivência próxima com outros bispos, nomeadamente em Lisboa e em Beja, o que retém?
Ninguém nasce ensinado e, para aprendermos e nos enriquecermos, precisamos de abrir-nos aos outros, sobretudo aos mais experientes, e estarmos dispostos a acolher os seus conselhos. Tive a sorte de ter tido bons mestres e bons colegas no episcopado, mas também de ter estado atento às reações do povo, sobretudo dos fiéis, para constatar os efeitos da transmissão da fé pelos meus antecessores, dando continuidade ao que de bom receberam e corrigindo ou aperfeiçoando alguns aspetos, de modo a que pudessem crescer na fé e na comunhão eclesial.
Você provém do norte, de terras minhotas. Numa entrevista que deu usou a palavra muito significativa “alentejanar-se”. O que quer dizer, em concreto, com o “despir” o seu nortismo, se é que é necessário, e “alentejanar-se”?
Embora sendo do Norte de Portugal, do Minho, saí com dez anos dessa região, para ingressar no seminário dos capuchinhos, na região de Coimbra. Depois voltei para o Minho, frequentando durante três anos o seminário Carmelita da Falperra, seguindo depois para outras regiões, inclusive para a Alemanha, em 1966, onde terminei os meus estudos teológicos e depois continuei a trabalhar entre os emigrantes, regressando a Portugal em 1976, passando a residir e trabalhar na paróquia de Santo António dos Cavaleiros, concelho de Loures. Por isso apenas residi no Minho treze dos meus setenta e cinco anos. Mas quem sai aos seus não degenera, sobretudo quando se recebe na infância não apenas o alimento e a linguagem, mas também os bons princípios duma família boa e cristã.
A falar português conservei o sotaque minhoto, para evitar de imitar mal o sotaque dos alentejanos. De resto procurei ser tudo para todos, irmão de todos, para a todos ganhar para Cristo. Isto é o que chamei de alentejanar-me, para poder ser fermento na massa.
Ao longo dos anos que esteve à frente da Diocese de Beja que dinamismos pastorais pretendeu imprimir à Diocese?
Quanto aos dinamismos apostólicos procurei seguir o mandato evangélico, ensinando e testemunhando o que Jesus disse e fez. Com S. Paulo, também eu disse muitas vezes para mim mesmo: não posso deixar de anunciar Jesus Cristo e ai de mim se não evangelizar (1 Co 9, 16). Procurei introduzir todos os dinamismos de participação e de comunhão entre o clero e os leigos. Criei ou mantive todos os órgãos de participação prescritos: conselho pastoral, conselho presbiteral, colégio de consultores, conselho económico, chancelaria, vigararia geral, conselhos arciprestais, ecónomo diocesano, etc. e ouvi-los muitas vezes, sempre que necessário. Usei todos os meios de comunicação, analógicos e digitais, orais e por escrita. Percorri toda a diocese, em visitas pastorais e outras esporádicas. Sobretudo realizamos o primeiro sínodo diocesano, após várias consultas aos presbíteros e aos leigos. Fomentei a entre-ajuda na província eclesiástica de Évora, desde os vários graus de formação do clero, inicial e permanente, assim como o tribunal e o seminário interdiocesanos. Tendo ordenado 19 presbíteros nos 17 anos como bispo de Beja, nenhum abandonou o ministério, a não ser pela morte. Felizmente o número de mortes entre o clero foi inferior ao número de ordenações. Também procurei que os institutos de vida consagrada marcassem presença na diocese. Quando algum instituto deixava de estar presente na diocese, procurava encontrar outro para a missão diocesana.
Às vezes ouve-se dizer (com razão ou sem razão) que “este”, “aquele”, querem (desejam) ser bispos. Quem pensa assim pode-se aplicar a frase de Jesus: “Não sabeis o que estais a pedir (desejar)”? Que dificuldades sentiu ao longo da sua caminhada até hoje como Bispo?
Quanto a isso penso como Jesus. O meu lema de diácono foi e mantém-se: somos servos inúteis, só fizemos o que devíamos (Lc 17, 10). Se em alguns períodos da história da Igreja se olhava para os bispos como senhores e quem deseja o poder o quisesse ser, no entanto isso não é evangélico nem cristão. Os ministérios na Igreja são para o serviço e não para o prestígio pessoal e o poder.
O D. António Vitalino é Carmelita. De que modo o seu ser Carmelita influenciou o exercício do seu ministérrio episcopal?
Confesso que não sei responder a esta pergunta. Ninguém dá o que não tem ou não recebeu. Há muitas facetas que definem o carisma Carmelita, mas não sei se as assimilei todas. Uma coisa é certa: procurei exercer a minha missão de modo conatural, sem fingimentos artificiais, mas com naturalidade.
A Ordem Carmelita está presente no Alentejo desde o século XIII. Sente-se a sua influência, por exemplo, no amor a Nossa Senhora do Carmo, etc.?
Creio que os alentejanos, embora não sendo de numerosa prática da vida sacramental da Igreja, no entanto são muito marianos. A padroeira de Portugal, a Imaculada Conceição, tem o seu santuário em Vila Viçosa. São Nuno de Santa Maria, quando era fronteiro mor do Alentejo, foi no convento Carmelita de Moura que se recolhia e orava. Aí fez o propósito de construir um convento em honra de Nossa Senhora do Carmo e para lá levar os carmelitas de Moura. Pena que os carmelitas não sejam mais numerosos, para marcar maior presença entre o povo alentejano.
Como perspectiva agora o seu futuro?
O futuro a Deus pertence, costumo dizer, repetindo um dito comum. Mas, se Deus me conceder o bom senso até deixar as responsabilidades como Bispo de Beja, pretendo regressar a uma comunidade Carmelita, embora sem voz ativa nem passiva, como é normal, para com os confrades da comunidade orar e colaborar pastoralmente naquilo que me for pedido e as energias possibilitem corresponder. Depois de vinte anos com responsabilidades episcopais, a viver fora de uma comunidade Carmelita, anseio por voltar ao ambiente de onde vim, contando com o apoio da Ordem e dos confrades. Agradeço ao Comissariado da Ordem do Carmo em Portugal por me ter acolhido na comunidade de Fátima.
Quer deixar nas páginas de “Família Carmelita” algo que quer comunicar de modo especial?
Aos leitores da "Família Carmelita", de que também faço parte, um sentido obrigado pela estima que nutrem pela família e que nunca deixem de viver e praticar as três palavras de que fala o Papa Francisco, essenciais para aprofundar a pertença a esta família: por favor, desculpe e muito obrigado. Eu acrescentaria uma outra palavra, para aprofundarmos a nossa identidade de cristãos e membros da família Carmelita: que Nossa Senhora do Carmo esteja sempre na nossa boca e no nosso coração.
D. António Vitalino, muito mais poderíamos conversar mas para agora o que partilhou connosco e através de nós com os nossos Amigos e leitores da revista "Família Carmelita" é suficiente. Bem-haja, D. António Vitalino.
Fr. Manuel Castro, O. Carm.