SINAIS DE SANTIDADE
SEGUNDO SANTA TERESA DE JESUS
Houve tempos em que se considerava que os místicos, como Santa Teresa de Jesus, percorriam um caminho diferente do dos outros cristãos. Como consequência, os escritos dos místicos pareciam representar uma espiritualidade de elite, espiritualidade reservada só a alguns que não se podia aplicar à maioria.
Hoje entendemos que estes santos somos nós, com maiúsculas. Eles mostram-nos o potencial da nossa humanidade. Estão na cabeça da coluna e mostram-nos o impacto do amor de Deus nas suas vidas. O que escrevem não é algo de especial reservado somente a alguns, mas serve de orientação e de alento para todos. O caminho que descrevem é mais normativo do que excepcional.
Um dos contributos de Santa Teresa de Jesus é o de indicar alguns sinais na vida de uma pessoa que cresce na santidade. Independentemente de que uma pessoa tenha tido ou não experiências religiosas extraordinárias (como vozes e visões semelhantes às de Santa Teresa), estes sinais indicam que o caminho espiritual está assente numa base firme. São sinais da transformação, da crescente abertura da pessoa à acção do Espírito. Podemos assinalar entre estes “sinais de santidade”:
- Profunda humanidade.
- Ampla liberdade.
- Grande generosidade.
Profunda humanidade
A importância de cada um encontrar a sua verdade interior
Somos um mistério para nós mesmos e só Deus conhece quem realmente somos. Teresa defendeu que a nossa verdadeira identidade é descoberta na relação com o Senhor. Disse ela: “Não posso conhecer-te, Senhor, se não me conheço a mim mesma, mas não posso conhecer-me a mim mesma se não te conheço a ti”. Por outras palavras: com quanta maior clareza podemos nomear Deus na nossa vida mais claramente podemos cantar o nosso próprio nome e dar-lhe a nossa expressão de humanidade. Uma pessoa de oração, aberta ao chamamento de Deus, deveria sentir-se mais cómoda na sua humanidade. Quanto mais pudesse dizer “Deus” na sua vida, mais podia dizer “Teresa”.
Por vezes, na história da espiritualidade, o mandato bíblico de negar-se a si mesmo foi interpretado no sentido de desprezar-se a si mesmo, para reconhecer com relutância a própria humanidade e tomá-la em muita pouca consideração. Mais do que uma promessa, isto foi um problema. Esta interpretação deu lugar, frequentemente, a uma humanidade abatida (acompanhada de um rosto pesaroso). O Papa Francisco denunciou a “cara de funeral”. Os sintomas observam-se em pessoas que estão sempre “carrancudas e antipáticas”, dando testemunho de uma “severidade teatral”; têm um “pessimismo estéril”. O Papa disse-nos que isto são sinais de medo e de insegurança.
Contudo, o mandato evangélico de se negar a si mesmo, é um desafio à nossa inclinação para o egoísmo, para o vivermos demasiado voltados sobre nós mesmos, e sem perceber as necessidades dos nossos irmãos. Um ego sadio pode facilmente chegar a ser doentio, egocêntrico. Este “eu” que dobra todas as coisas às suas próprias necessidades e desejos não é um “eu” maduro.
Teresa insistiu na humanidade de Jesus Cristo. A sua humanidade ajudará as irmãs a valorizar e a pôr os pés na terra, na sua própria humanidade. Deixar de lado o Jesus humano é um erro. A oração nunca nos eleva tanto, disse ela, que não necessitemos dos evangelhos e da liturgia da Igreja. Somos humanos e vamos para Deus de uma maneira humana. A sua viva e atractiva personalidade era a expressão de uma humanidade que se foi aprofundando na medida em que amadurecia a sua união com o Senhor.
Ampla liberdade
Do serviço obsessivo aos ídolos à resposta livre dada a Deus
Na vida de uma pessoa dá-se uma subtil mudança quando vai crescendo a sua confiança na presença e no amor de Deus. As acções compulsivas e as preocupações obsessivas vão diminuindo. Em lugar de depender de fontes exteriores de auto-afirmação, tais como títulos e possessões, a pessoa que vai amadurecendo na espiritualidade aprende e vive a partir de dentro, desde o Santo Mistério que ocupa o centro da vida. Quando Santo Agostinho disse ao Senhor: “Tu estavas dentro de mim, e eu estava fora… Tu estavas comigo e eu não estava contigo”, mostrou-nos o desafio que se nos apresenta quando queremos crescer na santidade. É necessário levar uma vida interior consciente e de oração. À medida que Deus vai ocupando o centro da própria vida, os ídolos da periferia vão perdendo poder.
Santa Teresa identifica em concreto algumas ocasiões em que experimentou o crescimento da liberdade de espírito. Quando começou a sua reforma do Carmelo, no início, Teresa sentiu-se profundamente ferida pelas críticas. Também se sentia afectada pelos louvores. Depois chegou a considerar tudo isto com certa indiferença. As suas reacções mudaram: se era criticada, considerava que não era senão o que merecia, e se era louvada, considerava que nisto era louvado o Senhor, e também o aceitava. Deste modo, alcançou a liberdade de não responder emocionalmente e de não ser molestada pelos comentários dos outros.
Teresa também nos conta um tempo em que, na sua profunda união com Cristo, o pensamento da morte parecia-lhe ser um nobre desejo. A morte seria o aperfeiçoamento da sua peregrinação e o cume da sua união com o Senhor. Porém, foi reflectindo sobre isto, e chegou por fim a descobrir um problema neste aparente nobre desejo de morrer e estar com o Senhor. Teresa deu-se conta de que queria morrer, quando a pergunta verdadeira tinha que ser esta: “O Senhor quer isto?”. Ela ensinava com frequência que a finalidade da oração é “a conformidade com a vontade de Deus”. Ao questionar-se, “Deus quer isto?”, a atitude ou intenção de Teresa mudou. Desejava permanecer neste mundo, servindo, o tempo que Deus quisesse, e também estava pronta para ir para Casa do Senhor e estar com ele quando ele quisesse. Sentia-se livre para estar disponível para o que Deus quisesse.
Grande generosidade
Do egoísmo ao amor desinteressado
Frequentemente Teresa fala de um objectivo da caminhada espiritual: uma crescente sensibilidade às necessidades dos demais. A caminhada não pode desembocar numa espiritualidade encerrada em si mesma, numa comunidade ensimesmada. A caminhada deve levar a uma expressão externa de serviço. A pessoa espiritual é consciente de que tem a responsabilidade de usar os dons recebidos de Deus para o bem do povo de Deus. Não vamos sós a Deus; não é uma peregrinação individual. Teresa afirma, peremptoriamente, o mandato evangélico de amar a Deus e ao próximo. Este serviço aos nossos irmãos é a prova de fogo do Cristianismo.
Nas etapas da viagem, como Teresa descreve na sua obra clássica sobre a oração, Castelo Interior, dá-se uma maior intimidade com Deus. Ela descreve várias etapas ou moradas nessa relação. O leitor espera que a última etapa, a sétima morada, seja uma situação de intensa interioridade e quase de inacessível experiência espiritual. Apesar disso, é uma revelação e um alívio ler a sua declaração de que a finalidade desta união profunda com Deus são boas obras, as boas obras!
Teresa exortou as suas irmãs a manterem uma espiritualidade com os pés assentes na terra, que busca o benefício dos outros. Quando as irmãs se queixaram de que o espaço em que viviam a sua vida de clausura dava pouca saída para o serviço amplo à Igreja, Teresa desafiou-as. Disse-lhes que não é bom sonhar com grandes projectos quando se lhes apresentava diante de si a oportunidade de servirem-se umas às outras. Recordou-lhes que Deus não julga a grandeza do que fazemos mas o amor com que fazemos o que é possível. Teresa disse-lhes a elas e diz-nos hoje a nós: não construais castelos no ar! Deixemos que o nosso Cristianismo encontre expressões práticas e efectivas.
John Welch, O.Carm.