Primeiro Domingo da Quaresma - Ano B - 2024

Lectio divina: 1o Domingo da Quaresma, ano B

 

Acolhimento. Sinal da cruz. Oração inicial. Invocação do Espírito Santo:

A. Vinde, Espírito Santo, enchei os corações dos vossos fiéis
T. E acendei neles o fogo do vosso amor.
A. Enviai o vosso Espírito e tudo será criado
T. E renovareis a face da terra.

A. Oremos. Senhor, nosso Deus, que iluminastes os corações dos vossos fiéis com a luz do Espírito Santo, tornai-nos dóceis às suas inspirações, para apreciarmos retamente todas as coisas e gozarmos sempre da sua consolação. Por Cristo, nosso Senhor. T. Amen.

  

Leitura do Evangelho segundo S. Marcos (1,12-15)

Naquele tempo, 1,12o Espírito impele logo Jesus para o deserto 13e Ele esteve no deserto quarenta dias, sendo tentado por Satanás. Estava entre as feras e os Anjos serviam-no. 14Depois de João ter sido entregue, Jesus veio para a Galileia, pregando o Evangelho de Deus 15e dizendo: «Cumpriu-se o tempo e está próximo o Reino de Deus. Arrependei-vos e crede no Evangelho». 

Ler a primeira vez… Em silêncio, deixar a Palavra ecoar no coração… Observações: 

  • O texto de hoje tem duas secções: a primeira (vv. 12-13) segue-se ao batismo de Jesus e leva-nos ao deserto, concluindo a introdução do Evangelho de S. Marcos; a segunda (vv. 14s), abre a primeira parte do mesmo Evangelho (1,14‑8,30) e leva-nos até à Galileia, apresentando-nos a súmula da pregação de Jesus.
  • v. 12 (vv.12-13:Mt 4,1-11; Lc 4,1-13; Hb 2,17s). A primeira cena, repleta de simbolismo, refere os quarenta dias (a “quaresma”) que Jesus passou no deserto (da Judeia). O “deserto” é, no AT, o lugar do noivado e do encontro com Deus, do cuidado e desvelo deste para com o seu povo (Os 2,16; 11,1-4; Jr 2,2; Dt 1,31; 2,7). É também o lugar “terrível” (Dt 8,15; Jr 2,6) de prova e tentação do povo de Deus no Êxodo, desde que saiu do Egito até entrar na Terra prometida (Dt 8,2.15s; Sl 95,8s).
  • Para aí vai Jesus “impelido” (gr. ekbállo: Jn 2,11; Jr 12,14s) pelo Espírito – ou seja, o “Espírito Santo” (v. 8; 3,29; 12,36; 13,11) – que sobre Ele descera depois que foi batizado por João Batista no rio Jordão (v. 10).
  • v. 13. Jesus esteve no deserto “quarenta dias”. “Quarenta” tem um valor simbólico no AT. Evoca: a) os 40 dias que por duas vezes Moisés passou no Sinai, primeiro para receber a Lei de Deus (Ex 24,18), depois para restabelecer a Aliança (Ex 34,28); b) os 40 dias da caminhada de Elias pelo deserto até chegar ao Sinai (1Rs 19,8); c) os 40 dias do dilúvio com que Deus purificou a terra da violência e iniquidade que a asfixiavam (Gn 7,4.12.17); d) o tempo necessário para um discípulo ser introduzido no ensino do seu mestre (At 1,3); e) os 40 anos da peregrinação do povo de Israel no deserto até entrar na Terra Prometida (Nm 32,13; Dt 2,7; 8,2; 29,5; Js 5,6); f) uma geração (Nm 14,33). Eles representam assim as tentações que Jesus teve de sofrer ao longo de toda a sua vida (cf. Hb 4,15).
  • No deserto, Jesus é “tentado por Satanás”. “Satanás” (he. “adversário”; gr. diábolos, “o que divide”) era o advogado que num processo movia a acusação contra alguém (cf. Sl 109,6). É o nome do anjo mau que se rebelou contra Deus e agora, por inveja, tenta o homem (cf. Jb 1,6-17; 2,1-7; Sb 2,24; Ap 12,9), para o levar a desconfiar de Deus e do seu amor e assim desobedecer à sua Palavra, rebelando-se contra Ele e pecando, a fim de condenar o homem. Sem mencionar o jejum de Jesus e as três tentações que sofreu (como Mt e Lc), Marcos mostra que Jesus venceu Satanás porque confiou em Deus e se deixou conduzir pelo Espírito.
  • Sinal dessa vitória é que no deserto Jesus “estava entre as feras e os Anjos serviam-no”. A alusão às “feras” evoca o ideal messiânico anunciado pelos profetas de um retorno à paz paradisíaca (Is 11,1-12). A referência ao serviço que os anjos lhe prestam (gr. diakoneô: v. 31; 10,45; 15,41), exprime a proteção divina (Jb 5,22s; 1Rs 19,5ss; Sl 91,11ss). Estas notas evocam o apócrifo judaico A vida de Adão e Eva (7,3s.9-8,1), segundo o qual o primeiro homem vivia no paraíso em paz com todos os seres vivos (cf. Gn 1,29s), estando-lhe sujeitas todas as feras e servindo-o os anjos de Deus. Mas quando o homem, seduzido por Satanás, desobedeceu a Deus e pecou (cf. Gn 3,1-7), rompeu-se a harmonia original, as feras tornaram-se inimigas do homem e os anjos deixaram de o servir.
  • Jesus, o Messias a quem foi dada a plenitude do Espírito (v.10) para O comunicar em plenitude (v. 8), é conduzido pelo Espírito ao deserto para recapitular a história da humanidade e a do povo de Deus. Jesus é o novo Adão, o Homem novo, o novo Israel, que assume logo no início da sua missão a condição do homem, expulso do paraíso, sujeito à miséria e às tentações de Satanás, bem como às provas que o povo de Israel sofreu ao longo dos 40 anos em que peregrinou no deserto, para com a sua obediência curar a nossa desobediência, com a sua confiança vencer a nossa falta de fé, triunfando sobre o pecado e Satanás, de modo a reconduzir o homem ao paraíso, sua verdadeira pátria, ou seja, ao Reino de Deus, de modo a poder voltar a viver em comunhão com Deus, com os homens e com todas as criaturas.
  • v. 14(vv. 14-15: Mt 4,12.7; Lc 4,14s). Na segunda cena, Marcos apresenta o início da missão de Jesus. Esta começa depois de “João” Batista “ter sido entregue” (3,19; 9,31; 10,33; 14,10s.18.21.41; 15,1.10.15), ou seja, preso (6,17p), um prenúncio do que irá acontecer a Jesus. Jesus vai para a Galileia (Jo 4,3.43ss), a “região” norte de Israel, em permanente contacto com os gentios (Is 8,23; 1Ma 5,21). O Evangelho destina-se a todos, a começar pelos mais afastados e os mais prolongadamente humilhados.
  • Aí, Jesus “prega” (gr. queryssein, “apregoar”), verbo que significa: “proclamar um decreto”; “anunciar uma oferta, uma recompensa, uma vitória”. O arauto (gr. querux) apregoava (“pregava”) a notícia (gr. querygma) em voz alta, de modo que todos a ouvissem, pois muitos não sabiam ler. A notícia que Jesus prega é “o Evangelho de Deus”. “Evangelho” (he. bessorá; gr. “boa nova”) é uma palavra que significa uma “notícia” (gr. anguelion) que provoca gritos de alegria (gr. eu), como a cura duma doença, o fim duma carestia ou guerra, o nascimento de alguém, uma vitória. “Evangelho de Deus” (v. 1) entende-se aqui na dupla aceção do genitivo: a) objetivo: a boa-nova que Jesus prega é a oferta de salvação que Deus no seu amor faz à humanidade; b) subjetivo: essa oferta é alguém, o Evangelho vivo que Jesus é na sua Pessoa, palavra, vida e obra, revelando o amor do Pai.
  • v. 15. O querigma de Jesus retoma a pregação de João Batista (cf. Mt 3,2), resumindo-se em duas frases, cada uma com dois pontos: a) o dom da iniciativa divina: (1) “cumpriu-se o tempo” e (2) “está próximo o Reino de Deus”; b) o convite ao homem a responder a esse dom: (3) “arrependei-vos” e (4) “crede no Evangelho”.
  • (1) “Cumpriu-se o tempo” (passivo divino): não o tempo cronológico (gr. kronós), mas “o momento” (gr. kairós) determinado por Deus, no seu desígnio salvífico, para realizar as suas promessas (Dn 7,12s.22; 12,4.7; Tb 14,5; Mq 5,2; Is 49,8; 60,22; Jr 3,17; Ha 2,3; 2Co 6,2), ou seja: a “plenitude dos tempos” (Gl 4,4; Ef 1,4), em que Deus envia o Messias para instaurar o seu Reino.
  • (2) Jesus reafirma-o, dizendo que “o Reino de Deus está próximo” (lit. “aproximou-se”). “Reino” (gr. basileia) não designa apenas o espaço geográfico, mas também a casa, o reinado e o exercício do poder real. O Reino de Deus (Dn 7,22.27; Tb 13,2; Sl 22,29; 103,19; 145,11s; Sb 10,10) é a presença viva e atuante de Deus entre os homens, nos quais vai estabelecer a sua morada (Ez 37,27), requerendo para isso a livre adesão deles. Não havendo um rei, descendente de David, desde o exílio (s. VI a.C.), é o próprio Deus que através do Messias vem reinar sobre o seu povo, reunindo-o de todas as partes onde estava disperso, para o reconduzir à sua verdadeira pátria, o Reino de Deus, e aí reinar sobre ele.
  • (3) À oferta de Deus, o homem responde com o arrependimento e a fé (At 2,38). “Arrepender-se” não é apenas “converter-se”, “voltar” (he. shuv) para Deus”, como no AT, mas metanoia, todo um processo de mudança interior de mentalidade, atitudes, modos de ver, de sentir e de agir (cf. Jn 3,10), para caminhar segundo o Evangelho, pondo Deus em primeiro lugar, como centro e meta da própria vida.
  • (4) “Crer” não é apenas aceitar um conjunto de verdades, mas: (a) escutar a palavra de Jesus, Evangelho vivo do Pai (1,1); (b) acolhê-lo; (c) e construir sobre Ele a sua existência (dat. en tô Euanguelíô), aderindo a Ele e seguindo-o como único Senhor da sua própria vida.

 Ler o texto outra vez... Em silêncio, escutar o que Deus diz, no segredo... 

2) MEDITAÇÃO… PARTILHA… (Que me diz Deus nesta Palavra?)

     a) Que frase me toca mais? b) Que diz à minha vida? c) Oração em silêncio… d) Partilha… e) Que frase reter? f) Como a vou/vamos pôr em prática?

  • Jesus teve que escolher entre o projeto do Pai e a autossuficiência, tendo optado por viver em obediência ao Pai. E eu? O que é que determina as minhas opções? Que valor dou à obediência a Deus?
  • A minha vida tem sido coerente com o Evangelho? Que tentações mais comuns e fortes sinto na minha existência quotidiana? Nesta Quaresma que devo mudar na minha vida, atitudes, palavras e obras?

3) ORAÇÃO PESSOAL… (Que me faz esta Palavra dizer a Deus?)

4) CONTEMPLAÇÃO… (Saborear a Palavra em Deus, deixando-a inflamar o coração) 

Salmo responsorial                                           Sl 25,4-9 (R. cf. 10)

Refrão:        Todos os vossos caminhos, Senhor, são amor e verdade.

Mostrai-me, Senhor, os vossos caminhos,
ensinai-me as vossas veredas.
Guiai-me na vossa verdade e ensinai-me,
porque Vós sois Deus, meu Salvador.     R.

Lembrai-Vos, Senhor, das vossas misericórdias
e das vossas graças que são eternas.
Lembrai-Vos de mim segundo a vossa clemência,
por causa da vossa bondade, Senhor.     R.

O Senhor é bom e reto,
ensina o caminho aos pecadores.
Orienta os humildes na justiça
e dá-lhes a conhecer a sua aliança.     R. 

Pai-nosso… 

Oração conclusiva:

Concedei-nos, Deus todo-poderoso, que, pelas práticas anuais do sacramento quaresmal, alcancemos maior compreensão do mistério de Cristo e demos testemunho dele com uma vida digna. Por Nosso Senhor Jesus Cristo, vosso Filho, que é Deus e convosco vive e reina na unidade do Espírito Santo, por todos os séculos dos séculos. T. Amen. 

Ave-Maria... 

Bênção final. Despedida. 

5) AÇÃO... (Caminhar à luz da Palavra, encarnando-a e testemunhando-a na própria vida)

Fr. Pedro Bravo, oc