Solenidade de Todos os Santos – 1 de novembro de 2025

Solenidade de todos os Santos site

Acolhimento. Sinal da cruz. Oração inicial. Invocação do Espírito Santo:

A. Vinde, Espírito Santo, enchei os corações dos vossos fiéis
T. E acendei neles o fogo do vosso amor.
A. Enviai o vosso Espírito e tudo será criado
T. E renovareis a face da terra.

A. Oremos. Senhor, nosso Deus, que iluminastes os corações dos vossos fiéis com a luz do Espírito Santo, tornai-nos dóceis às suas inspirações, para apreciarmos retamente todas as coisas e gozarmos sempre da sua consolação. Por Cristo, nosso Senhor. T. Amen.

1) LEITURA (Que diz o texto? Que verdade eterna, que convite/promessa de Deus traz?)

Leitura do Evangelho segundo S. Mateus (5,1-12)

Naquele tempo, 5,1ao ver as multidões, Jesus subiu ao monte e sentou-se. Os seus discípulos aproximaram-se dele 2e Ele, abrindo a boca, ensinava-os, dizendo: 3”Bem-aventurados os pobres em espírito, porque deles é o Reino dos Céus. 4Bem-aventurados os que choram, porque serão consolados. 5Bem-aventurados os mansos, porque herdarão a terra. 6Bem-aventurados os que têm fome e sede de justiça, porque serão saciados. 7Bem-aventurados os misericordiosos, porque alcançarão misericórdia. 8Bem-aventurados os puros de coração, porque verão a Deus. 9Bem-aventurados os artífices da paz, porque serão chamados filhos de Deus. 10Bem-aventurados os que são perseguidos por causa justiça, porque deles é o reino dos Céus. 11Bem-aventurados sois, quando, por causa de mim, vos insultarem, vos perseguirem e, mentindo, disserem toda a espécie de mal contra vós. 12Alegrai-vos e exultai, porque é grande nos Céus a vossa recompensa. Pois foi assim que perseguiram os profetas que vieram antes de vós”.

      Ler a primeira vez… Em silêncio, deixar a Palavra ecoar no coração… Observações:

Mateus apresenta Jesus como o Filho de Deus que recapitula a história da salvação, cumprindo em si as promessas, figuras e gestas do AT, levando-as à plenitude e reunindo o novo Povo de Deus (21,43), formado por gentes de todas as nações (10,18; 12,18.21; 24,14; 28,19).

Com as bem-aventuranças, Mateus, que já antes tinha dito que Jesus ensinava e pregava (4,17.23), passa agora a apresentar-nos o primeiro dos cinco discursos de Jesus que transmite no seu Evangelho: o “Sermão da Montanha” (cc. 5-7: Lc 6,20-49), a magna charta do Reino, sem dúvida alguma, o texto religioso mais sublime da humanidade.

  • v. 1. Ao ver as multidões, Jesus subiu ao monte e sentou-se. Os seus discípulos aproximaram-se dele.

    v. 1
    : Lc 6,17. “Ao ver” (gr. idôn: lit. "vendo") é uma alusão a Deus que no Sinai diz a Moisés: “Vendo, vi” (Ex 3,7) a aflição do Meu povo no Egito... e conheço os seus sofrimentos". Jesus “vê” com o olhar e as entranhas de Deus “as multidões”, compostas por judeus e gentios (4,25!; cf. 8,1.18; 9,36; 14,15. 19.22.23; 15,29ss.39), que habitavam nas trevas e na sombra da morte (4,16), e “vêm a Ele”, representando todos os povos (cf. Sb 6,2; 8,10), a quem se destina o Evangelho (28,18ss). Desde o início, o Evangelho irrompe, em Mateus, como boa nova de salvação universal.

    Então Jesus “subiu ao monte” (Lc 6,17: desceu a uma planície), não para se pôr acima dos outros, mas para a todos poder ver (4,8). No AT, “o monte” (Mt, 16x; com artigo: = 8,1; 14,23; 15,29; 17,9; 17,20 = 21,21; 21,1 = 24,3; 26,30; 28,16) é o lugar da revelação e do encontro com Deus (Gn 22,2; Ex 3,1; 1Rs 19,8; Sf 3,11; Is 52,7), onde todos os povos da terra acorrerão para escutar a Palavra de Deus (Is 2,3). A confluência dos termos “Galileia”, “monte”, “ensinar”, “discípulos” e “aproximar-se” repete-se na conclusão do Evangelho (28,16.19s).

    Esta menção é uma referência a Moisés que “subiu ao monte” Sinai, por duas vezes, para receber a Lei e a dar ao povo (Ex 19,3; 24,15.18; 34,4). Ao acrescentar que “os seus discípulos vieram ter com Ele”, Mateus não se refere à primeira vez que Moisés subiu ao monte Sinai, quando Deus decretou que ninguém se aproximasse dele, caso contrário morreria (Ex 19,12s), mas à segunda vez, quando Moisés, depois do povo ter pecado, fazendo e adorando o bezerro de ouro, subiu ao Sinai e, passados quarenta dias, desceu, trazendo na mão as tábuas da Lei, “e todos os filhos de Israel vieram ter com ele, e ele ordenou-lhes tudo que o Senhor lhe tinha dito” (Ex 34,32). A palavra de Jesus dirige-se a pecadores (9,13) e, mais tarde, a idólatras, com os quais Ele não vai apenas renovar a aliança (cf. Ex 34,10.27), mas, sobretudo, selar a nova Aliança (26,28).

    A expressão evoca simultaneamente a terceira e última subida de Moisés “ao monte”, desta vez o Nebo (Dt 34,1), antes de morrer, para daí “ver”, contemplar (Nm 27,12s; Dt 32,49.52) a Terra Prometida, na qual será Josué (gr. Jesus), e não ele, a introduzir o Povo de Deus (Dt 31,7.23). Jesus é maior do que Moisés: é o novo Josué que introduzirá o verdadeiro Povo de Deus, o da nova aliança, na Terra prometida definitiva, o Reino dos céus.

    Antes de começar a falar, Jesus “senta-se” à maneira dos rabinos (23,2; Lc 5,3) para ensinar, e os seus discípulos vêm ter com Ele, sentando-se a seus pés (cf. Lc 10,39; At 22,3).

  • v. 2. E Ele, abrindo a boca, ensinava-os, dizendo:

    Como a sabedoria (12,42), Jesus “abre a boca” ("na assembleia", gr. ekklesia: Sr 24,2) e, como rabino, “ensina” a Palavra de Deus ao povo, “explicando o seu sentido para que todos pudessem compreender” (Ne 8,8). O verbo “ensinar” está no imperfeito, indicando uma ação incompleta, ainda não terminada, sublinhando deste modo que Jesus começou a ensinar nessa altura e que desde então esse ensino continua a ressoar ao longo de todos os tempos (através dos seus discípulos: 28,19).

    No seu ensino (he. lamad; gr. didaskalía), Jesus não promulga uma nova “Lei” (Mt, 8x: 5,17.18; 7,12; 11,13; 12,5; 22,36.40; 23,23), feita de mandamentos, incapazes de dar a vida. De facto, na Bíblia, nunca aparece a expressão “Lei da vida”, dizendo-se apenas que pelo cumprimento dos mandamentos o homem viverá (Lv 18,5; Ne 9,29; Br 4,1; Ez 20,11.13.21; Lc 10,28; Rm 10,5; Gl 3,12; Dt 4,1; 6,24; 8,1). Jesus, ao invés, proclama a sabedoria do Reino (13,19), a autêntica "árvore da vida" (Pv 3,18; 11,30; 15,4; cf. Gn 2,9; 3,22.24), muito superior à Lei mosaica.

    Enquanto Filho de Deus, só Jesus conhece o Pai e só Ele sabe o que Deus tinha em mente quando deu a Lei a Moisés no monte Sinai. Por isso, só Jesus pode mostrar o que é que o Pai realmente então queria e o que é que, de facto, Lhe agrada (11,27). E tal como Moisés fixou por escrito a Lei (Torá: Ex 34,27s) em cinco livros (o Pentateuco), também Jesus, em Mateus, pronuncia cinco discursos (5-7; 10; 13; 18; 24-25), sendo o primeiro, o inaugural este, o “Sermão da montanha” (5-7), introduzido pelas bem-aventuranças, onde Jesus apresenta o Reino dos céus e resume o seu programa de vida.

    Há duas versões das bem-aventuranças: a de Mateus e a de Lucas. A versão das “bem-aventuranças” de Mateus é mais desenvolvida, mais espiritualizada e posterior à de Lucas, mais primitiva, só com quatro bem-aventuranças (6,20b-23), seguidas por outras tantas lamentações proféticas, disposta num rigoroso paralelismo antitético (6,24-26).

    As “bem-aventuranças” são um género literário já usado no AT que aparece: a) em fórmulas de ação de graças (Sl 32,1s; 33,12; 84,5.6.13); b) em exortações a uma vida sábia e prudente (Pv 3,13; 8,32.34; Sl 1,1), c) e como anúncio profético da alegria messiânica (Is 30,18; 32,20). São sempre anúncio de uma alegria que vem de Deus e que só Ele pode dar (Br 4,4). Por isso se chamam “bem-aventuranças”: porque respondem ao desejo fundamental do ser humano de ser feliz, mostrando-lhe como o pode ser, não com uma felicidade pessoal, intransmissível, terrena e temporária, mas com a verdadeira felicidade, a do “Reino dos céus”, isto é, a felicidade perfeita, eterna e comunicativa de Deus, a qual não se alcança por meios humanos, mas é puro dom seu, que se obtém por meio da fé em Jesus Cristo.

    As bem-aventuranças são nove, dispostas numa sequência de 8+1, em que a primeira (v. 3) e a oitava (v. 10) terminam com a mesma promessa: “porque deles é o Reino dos céus”, formando uma inclusão semítica. Trata-se de um artifício sapiencial, em que, tendo-se enunciado os diversos comportamentos, se remata com um último, que a todos inclui e sintetiza, destacando a sua unidade profunda (cf. Sr 25,7).

    As duas primeiras (vv. 3s) e as duas últimas bem-aventuranças (vv. 10s) têm mais a ver com o amor a Deus, alternando nas outras o amor ao próximo (vv. 5.7.9) e o amor a Deus (vv.6.8), estreitamente ligados um com o outro, de modo a fazer progredir os discípulos, passo a passo, na santidade, rumo à plenitude celeste.

    Cada bem-aventurança tem duas partes: a primeira é um convite, o que o homem deve fazer, respondendo ao apelo de Deus; a segunda é uma promessa, o que Deus fará naquele que respondeu ao seu apelo (Nm 23,19; Ez 36,36; Lc 1,38.45; 1Ts 2,13).

    As bem-aventuranças não são, assim, uma lei, porque uma lei pode sempre ser contornada; não são uma utopia, porque esta nunca se pode realmente pôr em prática; não são uma moral, porque não consiste em normas exteriores; não são um conjunto de princípios éticos, porque não dependem só do esforço humano. São um anúncio profético, de cariz sapiencial, da bem-aventurança eterna do Reino dos Céus (v. 1). Anúncio que, enquanto palavra de Deus, realiza aquilo que anuncia na vida daquele que a ela adere e a recebe com fé.

    Tal como Deus fez Moisés contemplar do alto do monte (Nebo) a Terra (onde Moisés, porém, não entrou: Nm 27,12s; Dt 32,49.52), também Jesus, logo no início da sua pregação, dá a contemplar aos seus discípulos, através da sua palavra – "o monte" onde se senta e onde continua a ensinar todos os homens que a Ele acorrem (cf. Is 2,3) – algo da verdadeira Terra prometida, o Reino dos céus, onde Ele, Jesus, verdadeiro Josué, ao invés de Moisés, entrará, para depois nela introduzir os seus discípulos, através da fé, já enquanto caminham nesta terra (cf. acima).

    As bem-aventuranças são, desta forma, como que nove janelas, nove frestas, que Jesus, logo no início da sua pregação, abre aos seus discípulos, para que, através delas, eles possam contemplar o Reino dos Céus (cf. Ex 24,10), vendo como é que ele se torna presente, se começa a manifestar e se vai já realizando aqui, na terra, enquanto anunciam e apontam para a plenitude da vida celeste, na comunhão eterna com Deus.

    Cada bem-aventurança começa com a palavra “bem-aventurado”, o adjetivo grego makários (“feliz”, “abençoado”), que traduz o verbo hebraico ‘esher, “ir direto”, “seguir diretamente”, “ir em frente”, “avançar”. Cada bem-aventurança pode, pois, ser assim traduzida: “Avante/sigam em frente, sempre a direito, os pobres em espírito, porque deles é o reino dos Céus”. Assim sendo, as bem-aventuranças são também as nove portas através das quais se pode entrar no Reino dos céus e as nove vias pelas quais há que avançar, para nele se poder viver (7,13s). Não há outra maneira de o fazer: quem quiser entrar no Reino dos céus, pertencer-lhe e nele viver tem de se identificar com alguma das bem-aventuranças – uns, mais com esta, outro, mais com aquela; mas cada um, pelo menos, com alguma delas –, pois só assim poderá ser semelhante a Jesus, a imagem viva e acabada de todas elas, que as ensina e as realiza naquele que nele crê, porque viveu cada uma delas e todas elas realizou (5,19).

  • v. 3. Bem-aventurados os pobres em espírito, porque deles é o Reino dos Céus.

    v. 3: Lc 6,20. Bem-aventurados os pobres em espírito. Não são os “pobres de espírito” (os simplórios, ingénuos, tolos), nem os pobres com mentalidade de ricos; são aqueles que se sentem e vivem como pobres (8,18; cf. Sf 3,12), acreditam nos pobres (11,25s) e neles veem os primeiros destinatários da Boa Nova (Is 61,1; Lc 4,18).

    São pobres “em espírito” (Sl 34,19) porque, ao escutar a Palavra, se arrependem sinceramente (4,17; Sl 51,19; Is 57,15), não confiando nos seus próprios méritos (Lc 18,10-14), reconhecendo que nada do que têm é seu (Lc 17,10), mas que tudo é dom de Deus (cf. 1Cor 4,7; Tg 1,17), a quem confiam a direção da própria vida. Não se apoiam, nem se gloriam em si mesmos, pretendendo ser o centro e a medida de tudo, mas gloriam-se apenas no Senhor (cf. Jr 9,22s; 1Cor 1,27s). Por isso, mesmo quando são desprezados e odiados pelos outros (Pv 14,20; 19,4.7), abrem-se a eles, vendo-os como irmãos, a quem estimam como sendo superiores a eles (cf. Fl 2,3), considerando-se ditosos e sentindo-se agradecidos por os ter (cf. 2Ts 2,13). Procuram assim viver em comunhão com eles e estão sempre desejosos de os servir (cf. 23,11) e assistir nas suas necessidades, nada querendo só para si, mas estando dispostos a tudo partilhar com os outros, especialmente com os mais necessitados, esquecendo-se de si mesmos (cf. 25,37ss; Lc 17,10).

    São, em particular, aqueles que tudo deixam (cf. 19,27), de tudo se desprendem e tudo vendem, para buscar “em primeiro lugar, o Reino de Deus e a sua justiça” (6,33), e adquirir o “tesouro escondido” e a “pérola preciosa” (13,44.46) do Evangelho. Esta pobreza voluntária, que Jesus assumiu e com a qual nos veio enriquecer (2Cor 8,9), implica a renúncia ao uso egoísta dos bens, dons e capacidades que se possuem (riquezas, carismas, dotes, tempo, sensibilidade, habilidades), para os pôr à disposição e ao serviço dos outros, sobretudo dos mais pobres e necessitados.

    Esta pobreza não é facultativa, mas está no coração do Evangelho: é a porta de entrada no Reino (19,23-26). Porque só os pobres em espírito aceitam, como as crianças (11,25s; 18,3s), receber o que Deus lhes quer dar através dos irmãos, como quer e quando quer, deixando-se guiar, ensinar e corrigir por eles.

    Porque é tão importante a pobreza para entrar no Reino dos céus? Porque o rico dá coisas, dá do que lhe sobra, ao passo que o pobre, que nada tem, não tendo coisas para dar, dá-se a si mesmo. Como Jesus, que “embora fosse rico, se fez pobre para nos enriquecer com a sua pobreza” (2Cor 8,9), a pobreza que o levou a dar-se a si mesmo por nós, a fim de se nos dar todo a si mesmo. 

    A promessa feita aos pobres em espírito é que “deles é o Reino dos céus” (v. 10; 18,3s; 23,8-12; Mc 10,14; Lc 18,16s; Tg 2,5). O verbo está no presente, indicando que aos que assim procedem, Deus já lhes começa a dar o Reino dos céus, fazendo-os entrar nele e começar a possuí-lo, enquanto aguardam a sua posse plena junto dele, na bem-aventurança eterna, a glória celeste.

  • v. 4. Bem-aventurados os que choram, porque serão consolados.

    v. 4: Lc 6,21b. Bem-aventurados os que choram. Deus não tem prazer no sofrimento do homem, nem é Ele que envia desventuras e tribulações. Nos profetas, “os que choram” são os que não têm casa para habitar, campos para cultivar, que são obrigados a servir senhores sem escrúpulos, sofrendo injustiças, prepotências e humilhações (Is 61,7). São também os que choram porque veem os outros sofrer, os que choram por causa dos seus próprios pecados (Is 57,18; Jr 50,4; Lm 1,9.15; Br 1,5) e dos pecados do seu povo, que sobre ele fazem cair a sua própria ruína (cf. Sl 137,1; Is 22,4; Jr 9,1; 13,17 Jl 2,17; Tb 13,14; Lc 19,41). São ainda os que anunciam a Palavra de Deus, incompreendidos, passando por dificuldades, enfrentando adversidades e sofrendo tribulações (cf. Sl 126,5).

    A promessa é que “eles serão consolados” (Sl 126,6) por Deus (Is 51,12; 66,13; 2 Cor 1,3-7; 2 Ts 2,16s), através de Jesus Cristo (Is 40,2; 61,1-3; cf. Sr 48,24).

  • v. 5. Bem-aventurados os mansos, porque herdarão a terra.

    Bem-aventurados os mansos. “Mansos” (Sl 37,11) são os humildes, brandos e dóceis para com o próximo (1Pd 3,4s). São os que foram privados dos seus direitos e dos seus bens e que, embora sem se resignar, suportam a injustiça, sem se deixar levar pela ira ou guardar ressentimento, não cultivando sentimentos de ódio ou de vingança (11,20; cf. Nm 12,3), nem pagando o mal com o mal (5,39-42; Rm 12,17-21; 1 Cor 13,4s; 1Ts 5,15; 1Pd 3,8s).

    A promessa é que “eles herdarão a terra” (Sl 37,11.29; Is 60,21), não a terrena, prometida a Abraão e à sua descendência (Gn 13,15; porque então Jesus teria dito “terão a sua parte na terra”), mas “herdarão a terra”, ou seja, não uma parte dela, mas toda ela, não uma porção de solo, mas a verdadeira e definitiva terra prometida que é o Reino dos céus, para onde caminham como estrangeiros e peregrinos (cf. Lv 25,23; 1 Cor 6,9 s; Gl 5,21; cf. Fl 3,20; Hb 11,13-16), começando já a saboreá-lo cá na terra (cf. v. 3; 19,29).

  • v. 6. Bem-aventurados os que têm fome e sede de justiça, porque serão saciados.

    v. 6: Lc 6,21a. Bem-aventurados os que têm fome e sede de justiça. Jesus fala aqui não tanto da justiça humana, retributiva (do ut des: “dou para que tu dês”), nem apenas da justiça social, distributiva (suum cuique tribuere: “dar a cada um o que é seu”, justiça esta que leva à falta do pão e da paz, de modo que, enquanto poucos têm muito, a muitos falta mesmo o necessário para viver), mas da justiça divina, que tem o seu fundamento no amor de Deus, que quer a salvação de todos (Is 56,1; 61,11; Jr 9,22s; 23,5s; Dn 7,22; 1Tm 2,4), e a todos se estende (Sl 145), sem aceção de pessoas (Dt 10,17; Jb 34,19; At 10,34; Rm 2,11; Ef 6,9; Cl 3,25; Tg 2,1.9; 1Pd 1,17).

    Justiça divina esta que, da parte do homem, se traduz na adequação da sua vontade e comportamento à vontade de Deus (cf. 3,15), ou seja, que se traduz na obediência a Ele (Dt 6,25) e no amor ao próximo (1Jo 3,10), através de relações fraternas e na compaixão pelo outro, em todos os âmbitos da vida pessoal e comunitária (religioso, familiar, social e profissional: 5,20; 23,23; Lv 19,15; Sl 146,7; Jr 7,5ss).

    Deus é justo não porque retribui conforme os méritos de cada um, mas porque, com o seu amor, “torna justos” aqueles que são maus. Para nós, a “justiça foi feita” quando o culpado foi punido; para Deus, a “justiça foi feita” quando o malvado se tornou justo, quando o pequeno foi escutado, quando o necessitado foi ajudado, quando o oprimido foi libertado, quando cada ser humano  – independentemente da sua condição, sexo, idade, posses e estrato social –, tem valor, voz, vez e vida.

    A primeira vez que a palavra “justiça” (Mt, 7x: 3,15; 21,32; 5x no Sermão da Montanha: vv.10.20; 6,1.33) aparece no AT, surge ligada à fé de Abraão (Gn 15,6; Rm 4,3; Tg 2,23; cf. Sl 4,6), o qual, crendo em Deus, viveu em conformidade com a Sua vontade (Gn 22,18) e fez com que a bênção de Deus se estendesse a todas as nações (Gn 18,18s; Sl 98,2; Jr 4,2). Dar a conhecer a verdadeira justiça, a de Deus, e levá-la até aos confins da terra é a obra do Messias (Is 9,6s; 45,8; 61,10; Jr 23,5-8; 33,15s), que, para o poder levar a cabo, receberá a plenitude do Espírito Santo (Is 11,4s) a fim de purificar (Is 4,4) e reconduzir o povo de Deus ao Senhor (Zc 8,7s), apascentando-o com justiça (Ez 34,16), e de trazer a justiça eterna à terra (Dn 9,24), levando-a a todas as nações, sem desanimar (Is 42,6). Ora isso, só se realiza em Cristo, através dos seus discípulos, que irão levar a Boa nova até aos confins da terra. Por isso, esta quarta bem-aventurança, tal como a oitava ("os que são perseguidos por causa da justiça"), inclui o anúncio do Evangelho (cf. Rm 1,17).

    “Bem-aventurados” são os que “têm fome e sede de justiça”. O verbo ter está no presente do indicativo: eles são bem-aventurados porque nunca deixam de ter fome e sede de justiça, de a buscar, de a pôr em prática, de se empenhar por ela, sem se acomodar, sem desanimar, sem desistir, tudo fazendo para que ela chegue a todos.

    A promessa é que, quem tem esta fome e sede de justiça, preferindo a justiça de Deus que vem pela fé (Gl 2,16; Rm 3,21s; Fl 3,9; Hb 11,7), à sua própria justiça e à justiça das suas obras (cf. 2Pd 1,1), trabalhando pelo bem e a salvação dos homens (cf. Is 26,9; 45,8; Am 8,11s) “será saciado” e repleto com a única coisa que realmente é capaz de saciar o coração humano: a justiça, a paz, o amor e a alegria de Deus, fruto do Espírito Santo (cf. Sl 107,9; Is 51,1-8; 55,1ss; Rm 14,17; Gl 5,22). Os quais, quanto mais se recebem, tanto mais fome e sede de justiça suscitam naquele que os recebe e tanto mais o levam a empenhar-se na prática e na implementação da mesma entre os homens, sendo esta a única coisa capaz de saciar o seu coração: fazer a vontade de Deus (cf. Jo 4,34: "O meu alimento é fazer a vontade daquele que me enviou e consumar a sua obra").

  • v. 7. Bem-aventurados os misericordiosos, porque alcançarão misericórdia.

    Bem-aventurados os misericordiosos. Não se trata aqui apenas da filantropia de quem distribui esmolas – embora a misericórdia também passe (e muito!) por ajudar o necessitado –, mas sobretudo de imitar a Deus que tem entranhas de misericórdia por com aqueles que sofrem (Ex 34,6s). Na Bíblia, a misericórdia, mais do que um sentimento de compaixão e piedade, é uma ação em favor de quem necessita de ajuda (Ex 22,26; Sl 112,4; Lc 1,54.72). Ser misericordioso é ter um coração que vê a miséria do outro e age para acudir à sua necessidade e diminuir a sua dor. O exemplo mais claro é o do bom samaritano que viu e usou de misericórdia para com o homem agredido pelos bandidos (Lc 10,37). "Bem-aventurado" é aquele que, como Deus, perdoa as ofensas e faz o bem, mesmo aos maus, aos ingratos e aos inimigos (5,45-48; Lc 6,35-38).

    A promessa é que “estes alcançarão misericórdia”, aquando o juízo de Deus, no último dia (cf. Tg 2,13; 1Pd 2,10; 1Tm 1,13.16; cf. Sl 37,26).

  • v. 8. Bem-aventurados os puros de coração, porque verão a Deus.

    Bem-aventurados os puros de coração. Puros (ou limpos) de coração são aqueles que agem com intenção sincera e leal, sem maldade (15,17-20; 23,25s; Is 1,16.25), duplicidade ou segundas intenções, com a finalidade de enganar os outros, mas agem com simplicidade (cf. Gn 20,5; Sl 24,3s; Pv 22,11), procurando ter uma atitude e um comportamento em tudo conformes à vontade de Deus. Alimentam-se da Palavra do Senhor (Jo 13,10s; 15,3) e rejeitam os ídolos (Ez 36,25), inclusive o da desobediência (cf. 1Sm 15,23) e o do dinheiro, para não terem dois senhores (Lc 16,13) e amarem a Deus de coração indiviso; não julgam nem guardam rancor aos outros (Rm 2,1ss), mas partilham o que possuem (Lc 11,41), fazendo o bem, sem aceção de pessoas (Tt 1,15) e vivendo em paz com todos.

    A promessa é que eles "verão a Deus” (Hb 12,14), ou seja, “verão”, nesta terra, o Reino de Deus (cf. Jo 3,3) e o Seu amor em ação (1Jo 3,1ss; cf. Ex 34,6s), reconhecendo-o na pessoa dos irmãos, em especial dos necessitados (25,34-40), embora sem poder ainda contemplar a face de Deus (cf. Ex 33,20-23; Jo 1,18), o que só será possível no céu (cf. 18,10; Ap 22,4).

  • v. 9. Bem-aventurados os artífices da paz, porque serão chamados filhos de Deus.

    Bem-aventurados os artífices da paz. Na Bíblia, “paz” (he. shalom) não é a mera ausência de guerra; indica a harmonia com Deus, com os outros, consigo mesmo e com a própria criação (Is 11,1-9); implica a justiça, a boa convivência entre os irmãos e as nações, a casa e o trabalho, a prosperidade, a educação e a saúde, a alegria do estar juntos. Numa palavra: é o bem-estar total, a plenitude dos bens messiânicos, prometidos por Deus.

    “Artífices da paz” (ou “pacificadores” ou “construtores da paz” ou “promotores da paz”) são os que se empenham para que isto seja cada vez mais possível para cada homem. “Bem-aventurados” são o que o fazem sem recorrer à opressão, à coação, à violência ou ao uso das armas, empenhando-se com todas as forças a pôr fim às guerras e conflitos; são os que procuram levar os contendedores ao diálogo e à reconciliação; são os que perdoam de coração ao irmão, que fazem o bem a quem lhes fez mal (Rm 12,17-21), os que, em vez de procurar o próprio interesse, buscam a concórdia e constroem a união fraterna (Ef 4,3).

    A promessa é que “estes serão chamados filhos de Deus”, tal como Cristo, nossa paz (Mq 5,4; Is 9,6; Ef 2,14), cujas obras imitam.

  • v. 10. Bem-aventurados os que são perseguidos por causa justiça, porque deles é o reino dos Céus.

    Bem-aventurados os que são perseguidos por causa da justiça. Jesus não ilude os seus discípulos, dizendo claramente que quem alinha do lado da justiça de Deus, se empenha no restabelecimento da paz e se esforça por levar a Boa-nova da salvação a todos os homens, sofrerá perseguições, pagando assim na própria vida, tal como Ele, o preço do bem e da felicidade dos outros.

    A promessa é “porque deles é o Reino dos céus", promessa esta que repete a do v. 3, formando uma inclusão semítica, indicando que aqui se concluem as bem-aventuranças, as quais dão a entrever, manifestam a presença, mostram a entrada e ensinam a viver no Reino dos céus, que já está em ação sobre esta terra.

  • v. 11. Bem-aventurados sois, quando, por causa de mim, vos insultarem, vos perseguirem e, mentindo, disserem toda a espécie de mal contra vós.

    v. 11: Lc 6,22. A recapitular, Jesus acrescenta uma última bem-aventurança, a nona, que é o desdobramento da anterior e a síntese de todas as outras. Supõe já a época pós-pascal. Nela, Jesus passa da terceira pessoa do plural, usada nas oito bem-aventuranças anteriores, para a segunda pessoa do plural, dirigindo-se apenas aos seus discípulos. Jesus adverte os seus discípulos que eles, tal como o seu Mestre (Jo 15,20), serão odiados, rejeitados e sofrerão perseguições (cf. 10,22s; 23,34; 24,9; Mc 10,30; 13,13; 21,12.16s; Lc 11,49; At 9,16; 14,22; 2Tm 3,12; cf. Mt 13,21). Num mundo construído e organizado a partir do egoísmo, do poder, dos interesses pessoais ou de fações e de grupos, aqueles que desejam viver verdadeira e coerentemente de acordo com o amor desinteressado do Pai, serão insultados, perseguidos, ridicularizados e difamados (cf. Is 51,7; At 8,1; 13,50; Rm 8,35; 2Cor 4,9), podendo mesmo chegar a pagar com a própria vida o seu empenho, porque os opressores, dando-se conta de que a sua ação livre e desinteressada ameaça a sua posição, desmascara as suas mentiras e põe a descoberto as suas faltas e manobras injustas, os procurarão silenciar, rejeitando-os, agredindo-os violentamente e eliminando-os.


  • v. 12. Alegrai-vos e exultai, porque é grande nos Céus a vossa recompensa. Pois foi assim que perseguiram os profetas que vieram antes de vós”.

    v. 12: Lc 6,23. Ao convite do v. 11, Jesus apõe a promessa deste v. 12: “é grande nos céus a vossa recompensa” (cf. Gn 15,1; 2Cor 4,17; Hb 10,35; cf. Sr 2,8). O verbo está no presente do indicativo, porque eles já possuem aqui a sua recompensa, que é o próprio Deus (cf. Is 62,11; 49,4) que neles já habita (cf. 1Pd 4,14), embora só lhes venha a ser concedida plenamente quando eles entrarem na pátria celeste, na posse da glória eterna.

    As perseguições que os discípulos de Jesus irão sofrer não serão, assim, um castigo, uma derrota ou um desastre, mas um sinal de sucesso, sendo mesmo motivo de uma intensa alegria, sobrenatural (cf. 1Pd 3,14; Ap 19,7; cf. At 5,41; 2Cor 12,10; Fl 1,29; Cl 1,24; Hb 10,34; Tg 1,2), porque atestam que eles fizeram a escolha certa, aquela que os põe do lado de Deus, identificando-os com Jesus.

    Os discípulos de Jesus serão, desta forma, como os profetas do AT que foram perseguidos (cf. At 7,52; Hb 11,33-38; Tg 5,10s), mas serviram sempre a Deus da forma mais desinteressada, não à espera de uma vantagem ou recompensa pessoais, mas apenas por amor a Ele e aos homens (cf. 2Rs 5,15s), confiando sempre em Deus e permanecendo junto do povo, sem nada mais querer, e em nada mais encontrando recompensa, do que na glória de Deus e na salvação dos homens. De facto, os profetas são a única categoria de pessoas na Sagrada Escritura que fazem a vontade de Deus e permanecem junto do povo, sem Deus nunca lhes prometer uma recompensa ou lhes fazer alcançar garantida aceitação, nem da parte dele, nem da parte dos homens. Mesmo a Abraão e aos patriarcas, a David e aos outros justos do AT, Deus, sempre, que lhes mandou ou pediu algo, prometeu alguma recompensa, não raro, muito grande. Aos profetas, porém, não: a estes, Deus irrompia na sua vida, atravessava-se no seu caminho, chamava-os, impunha-se à sua vontade, mesmo quando eles resistiam, e enviava-os, mandando-os fazer e dizer o que Ele queria, e eles obedeciam, sofrendo muitas vezes as consequências do que diziam – que outro não era senão anunciar a palavra de Deus que lhes fora transmitida –; e, no final, mesmo quando os homens se opunham, os maltratavam e eles se queixavam junto de Deus, eram por Ele novamente mandados a anunciar coisas iguais ou ainda piores. Com consequências, não raro, ainda mais drásticas. Mas os profetas nunca desistiram: nem de Deus, nem dos homens, a quem eram enviados. O seu serviço e o seu amor a Deus eram completamente gratuitos. É este amor desinteressado, esta obediência incondicional a Ele, esta fidelidade irremovível aos homens, que Jesus espera dos seus discípulos, os quais são, em definitivo, o único amor e a única atitude que faz com que eles possam ser e realmente sejam bem-aventurados!

    A Boa-nova pregada por Jesus abre-se assim no Sermão da Montanha, com um impressionante e insistente apelo à plenitude da verdadeira alegria e felicidade, da alegria e felicidade que vêm de Deus; melhor ainda: que são de Deus, ou seja, com o anúncio da bem-aventurança eterna, que já podem começar a saborear aqui sobre a terra aqueles que aderirem com fé à palavra de Jesus e seguirem com confiança o Seu caminho, o caminho que os leva a partilharem a vida e identificarem-se com os últimos dos homens, precisamente com aqueles que nem o mundo, nem nenhum ser humano, achariam que alguma vez poderiam ser felizes. Mas é aí, nas situações em que eles vivem, que desabrocha a verdadeira sabedoria e irrompe a verdadeira felicidade, porque é aí que Deus está presente, é por aí que passam os Seus caminhos é aí que se encontra Jesus. Ele é que é a bem-aventurança eterna dos seus discípulos, como diz Maria, o maior exemplo do seguimento e da vivência das bem-aventuranças, depois de Jesus, ela que exclama profeticamente: "o meu espírito exulta de alegria, em Deus, meu Salvador" (Lc 1,47; cf. Mt 5,12).

        Ler o texto uma segunda vez... Em silêncio, escutar o que Deus diz no segredo...

 2) MEDITAÇÃO… PARTILHA… (Que me diz Deus nesta Palavra?)

        a) Que frase me toca mais? b) Que diz à minha vida? c) Oração em silêncio…
        d) Partilha... e) Que frase reter? f) Como a vou / vamos pôr em prática?

  • É possível ser pobre e feliz ao mesmo tempo? Que tipo de felicidade buscam as pessoas do nosso tempo?
  • Procure recordar os momentos em que se sentiu feliz na sua vida. A sua visão de felicidade é a mesma de Jesus? Como alcançá-la?
  • Com que bem-aventurança se identifica mais? E menos?
  • Como viveu Jesus as bem-aventuranças? Como as vivo eu no meu dia-a-dia? De que maneira Maria pode inspirar-me a fazê-lo?

3) ORAÇÃO PESSOAL… (Que me faz esta Palavra dizer a Deus?)

4) CONTEMPLAÇÃO… (Saborear a Palavra em Deus, deixando que ela me inflame o coração)

Salmo responsorial                                                    Sl 24, 1-6 (R. cf. 6)

Refrão: Esta é a geração dos que procuram a vossa face, Senhor.

Do Senhor é a terra e o que nela existe,
o mundo e quantos nele habitam.
Ele a fundou sobre os mares
e a consolidou sobre as águas.      R.

Quem poderá subir à montanha do Senhor?
Quem habitará no seu santuário?
O que tem as mãos inocentes e o coração puro,
o que não invocou o seu nome em vão.      R.

Este será abençoado pelo Senhor
e recompensado por Deus, seu Salvador.
Esta é a geração dos que O procuram,
que procuram a face de Deus.      R.

Pai-nosso…

 Oração conclusiva:

Deus todo-poderoso e eterno, que nos concedeis a graça de honrar numa única solenidade os méritos de todos os vossos santos, dignai-Vos derramar sobre nós, em atenção a tão numerosos intercessores, a desejada abundância da vossa misericórdia. Por Nosso Senhor Jesus Cristo, vosso Filho, que é Deus e convosco vive e reina na unidade do Espírito Santo, por todos os séculos dos séculos. T. Amen.

Ave-Maria...

 Bênção final. Despedida.

5) AÇÃO... (Caminhar à luz da Palavra, encarnando-a e testemunhando-a na própria vida)

Fr. Pedro Bravo, oc