XXXII Domingo do Tempo Comum - Ano C

32º DOMINGO DO TEMPO COMUM (ANO C)

6 de Novembro de 2016

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Evangelho de Nosso Senhor Jesus Cristo segundo São Lucas (Lc 20, 27-40) 

27Aproximaram-se alguns saduceus, que negam a ressurreição, e interrogaram-no: 28«Mestre, Moisés prescreveu-nos que, se morrer um homem deixando a mulher, mas não tendo filhos, seu irmão casará com a viúva, para dar descendência ao irmão. 29Ora, havia sete irmãos: o primeiro casou-se e morreu sem filhos; 30o segundo, 31depois o terceiro, casaram com a viúva; e o mesmo sucedeu aos sete, que morreram sem deixar filhos. 32Finalmente, morreu também a mulher. 33Ora bem, na ressurreição, a qual deles pertencerá a mulher, uma vez que os sete a tiveram por esposa?» 34Jesus respondeu-lhes: «Nesta vida, os homens e as mulheres casam-se; 35mas aqueles que forem julgados dignos da vida futura e da ressurreição dos mortos não se casam, sejam homens ou mulheres, 36porque já não podem morrer: são semelhantes aos anjos e, sendo filhos da ressurreição, são filhos de Deus. 37E que os mortos ressuscitam, até Moisés o deu a entender no episódio da sarça, quando chama ao Senhor o Deus de Abraão, o Deus de Isaac e o Deus de Jacob. 38Ora, Deus não é Deus de mortos, mas de vivos; pois, para Ele, todos estão vivos.» 39Tomando, então, a palavra, alguns doutores da Lei disseram: «Mestre, falaste bem.» 40E já não se atreviam a interrogá-lo sobre mais nada. 

Mensagem 

Tendo atravessado Jericó e também o coração de Zaqueu, como vimos no Domingo passado (Lucas 19,1-10), Jesus sobe para Jerusalém, «chora sobre ela» (Lucas 10,41), entra no Templo (Lucas 19,45), e nele começa a ensinar o povo demoradamente (Lucas 20,1), última etapa do seu ministério público. É a ensinar no Templo que os saduceus o encontram e pretendem «tramá-lo» avançando com a estranhíssima história da mulher casada sucessivamente com sete irmãos, porque um a um iam morrendo sem deixar descendência, quadro evangélico posto diante dos nossos olhos neste 32º Domingo do Tempo Comum (Lucas 20,27-38). Esta estranha história assenta na chamada «Lei do levirato» [do latim levir = cunhado], que manda que, se a uma mulher casada morrer o marido sem deixar descendência, o irmão do marido deve desposar a mulher para dar uma descendência ao seu irmão (ver Deuteronómio 25,5-10). O tema da mulher que, por este processo, desposa sete maridos era também um lugar comum no folclore judaico, como se pode ver em Tobias 6,14.

Os saduceus, descendentes do sumo-sacerdote Sadoq, constituíam a alta burguesia sacerdotal e liberal de Jerusalém. A religiosidade conservadora que defendiam assentava apenas na Tôrah de Moisés escrita, constituída pelos Livros do Génesis, Êxodo, Levítico, Números e Deuteronómio. Não reconheciam autoridade a nenhuma tradição oral, ao contrário dos fariseus. Também ao contrário dos fariseus, os saduceus não acreditavam na ressurreição. E é este ponto preciso que pretendem atacar e pôr a ridículo, quando contam a Jesus a história da mulher e dos seus sete maridos, para no final lhe deixarem a pergunta sarcástica: «Na ressurreição, de qual dos sete será esposa, uma vez que, nesta vida, os sete a tiveram por mulher» (Lucas 20,33). Claro que a pergunta visa desacreditar e pôr a ridículo a mentalidade popular, cultivada por algumas correntes farisaicas, que passava da ressurreição uma imagem demasiado materialista, segundo a qual os defuntos ressuscitariam tal como foram sepultados, com o mesmo aspecto, com as mesmas roupas e com as mesmas enfermidades. Assim, cegos, surdos, mudos, coxos ressuscitariam igualmente cegos, surdos, mudos, coxos, para que pudessem ser reconhecidos, e apenas mais tarde seriam curados.

A resposta de Jesus é original no método e nos conteúdos. Claro que afirma a ressurreição. Opera, porém, uma clara distinção entre «este mundo» e o «mundo que há-de vir», mostrando que este não é um decalque do primeiro, e mostrando também a nossa inaptidão e inabilidade para passar de um mundo para o outro. Este «outro» não é, na verdade, regido por nós, seja qual for a nossa maneira de pensar. É regido por Deus, de quem somos «filhos» (Lucas 20,36), isto é, recebedores de vida. Belíssima janela aberta para a grande teologia da divinização por graça. Na sua resposta, Jesus não cita nenhum texto bíblico que fale explicitamente de ressurreição, evitando assim as infindáveis discussões académicas. De forma surpreendente e inesperada, cita Êxodo 3,6, em que Deus se revela a Moisés como «Deus de Abraão, Deus de Isaac e Deus de Jacob» (Lucas 20,37).

Com este procedimento, Jesus vai directamente ao coração das Escrituras, à Revelação do Deus vivo. A história contada pelos saduceus era a história de uma paternidade sete vezes falhada, de vida não transmitida, que por oito vezes desemboca na morte. A história que Jesus conta é a história da vida verdadeira de Deus, vida transmitida, dada pelo Deus vivo, e Deus dos vivos, Paternidade não falhada, mas realizada. A ressurreição, como a mostra Jesus, não é a reanimação de um cadáver ou um simples prolongamento desta vida. Os «filhos da ressurreição» e «filhos de Deus» são aqueles que põem toda a sua esperança em Deus, o único verdadeiro vivente. Os que vivem como «filhos do Deus vivente» recebem de Deus a vida que não morre. A não ser assim, terá que se dizer que Deus não é o Deus da vida, o que até para os saduceus seria um absurdo.

Portanto, negar a ressurreição é negar a vida e equivale a negar a própria existência de Deus. Se Abraão, Isaac e Jacob estão vivos, não é pelo facto de terem desposado mulheres e gerado filhos, mas pelo facto de serem eles mesmos «filhos» de Deus, para sempre recebedores da vida de Deus. Na ressurreição, isto é, na ordem nova da vida de Deus, o marido, a mulher e os filhos gerados não são identificados pela sua relação esponsal, paternal, maternal ou filial, mas apenas pela sua relação de filiação divina, a única verdadeira relação originária e que não pode ser abolida, a mesma que define e identifica os anjos.

Vida em plenitude, apenas dada e recebida da única fonte da vida, nunca falhada, nunca terminada, vida sem ocaso. Vida grande e bela, musical, angélica música da água a jorrar da fonte divina inesgotável. «Deus de Abraão, Deus de Isaac e Deus de Jacob, não de mortos, mas de vivos». Com o estupendo testemunho do filósofo francês Blaise Pascal que, desde 1654 até à sua morte, ocorrida em 1662, trazia, cosido no forro do seu manto (na verdade, cosia e descosia, consoante mudava de roupa), um pergaminho escrito, que começava com a parte final do Evangelho de hoje: «Deus de Abraão, Deus de Isaac, Deus de Jacob./ Não dos filósofos e sábios./ Certeza. Certeza. Sentimento, Alegria, Paz./ Deus de Jesus Cristo./ Deum meum et Deum vestrum (João 20,17)./ O teu Deus será o meu Deus./ Esquecimento do mundo e de tudo, excepto Deus./ Ele não se encontra senão pelos caminhos ensinados no Evangelho…». Este pessoalíssimo texto constitui o Mémoriale de Pascal, e foi escrito em 1654, segunda-feira, 23 de Novembro, entre as dez e meia da noite e a meia noite e meia. Após a sua morte, um criado encontrou o pergaminho com os dizeres mencionados cosido no forro do seu manto. 

António Couto

 Palavra para o caminho 

Mas se Cristo não ressuscitou, é vã a nossa pregação, e vã é também a vossa fé. E resulta até que acabamos por ser falsas testemunhas de Deus, porque daríamos testemunho contra Deus afirmando que Ele ressuscitou a Cristo (1 Cor 15, 14-15 ).

Com estas palavras, São Paulo põe drasticamente em relevo a importância que a fé na ressurreição de Jesus Cristo tem para a mensagem cristã no seu conjunto: ela é o seu fundamento. A fé cristã fica de pé ou cai com a verdade do testemunho segundo o qual Cristo ressuscitou dos mortos.

Do mesmo modo que o grão de trigo se eleva da terra como caule e espiga, assim também Jesus não poderia ficar no sepulcro: o sepulcro está vazio porque o Pai – não O «abandonou na habitação dos mortos nem permitiu que a sua carne conhecesse a decomposição» (cf. Act 2, 31; Sal 16, 10) (Papa Bento XVI).