CRÓNICA DO XVII ENCONTRO DA FAMÍLIA CARMELITA DA REGIÃO IBÉRICA
Casa São Nuno, Fátima, 25-28 de Abril de 2010
“Nuno de Santa Maria: uma vida de santidade”
Teve lugar na Casa São Nuno, em Fátima, entre os dias 25 e 28 de Abril do corrente ano, o XVII Encontro da Família Carmelita da Região Ibérica, no qual participaram 145 elementos vindos de Portugal e Espanha, representando a 1ª Ordem, 2ª Ordem, 3ª Ordem, Confrarias e Associação dos Antigos Alunos Carmelitas. Organizado pelo Comissariado Geral da Ordem do Carmo em Portugal, e mais concretamente por uma Comissão designada para tal efeito, constituída pelo Fr. Agostinho Castro, O. Carm., Fr. Francisco Rodrigues, O. Carm., Fr. Manuel Freitas, O. Carm., Fr. Rui Pedro, O. Carm., Irmã Etelvina, das Irmãs Carmelitas do Sagrado Coração de Jesus e Irmã Brandolina, das Irmãs Carmelitas da Bem-Aventurada Virgem Maria do Monte Carmelo, o Encontro teve como tema estruturante e orientador, Nuno de Santa Maria: uma vida de santidade.
Na elaboração desta Crónica segue-se o programa previamente elaborado pela Comissão organizadora para este Encontro.
Dia 25 de Abril.
Os participantes começaram a chegar à Casa São Nuno vindos de diversas proveniências de Portugal e Espanha, e às 20.00 horas foi servido o jantar.Pelas 22.15 horas reuniram-se todos no auditório da Casa e começou a reunião com o cântico Guiados pela mão. O Pe. Agostinho Castro, Comissário da Ordem do Carmo em Portugal, deu as boas-vindas em seu nome pessoal, do Comissariado e da Comissão Organizadora do Encontro. De seguida fez a apresentação do Programa para o dia 26 e dias seguintes. Referiu a coincidência do início deste Encontro com a Beatificação em Roma do carmelita Angelo Paoli e que, para celebrar este acontecimento o Padre Geral, Fernando Millán Romeral, escreveu uma Carta a toda a Família Carmelita a que deu o título, Encomendo-vos os meus pobres e os meus enfermos.
Depois seguiu-se a apresentação individual de cada participante. Com o cântico Flos Carmeli encerrou-se este dia.Dia 26 de Abril.
Depois de tomado o pequeno-almoço, os participantes no Encontro reuniram-se pelas 9.00 horas na Capela da Casa São Nuno para rezar a oração de Laudes, preparada e orientada pela Província Bética. Pelas 10.30 horas teve início a celebração da Eucaristia na Capelinha das Aparições presidida por D. António Marto, Bispo de Leiria-Fátima. A Missa foi a da Memória de São Nuno.
Na homilia que então proferiu, D. António Marto considerou São Nuno como uma estrela de santidade que brilha no céu de Portugal e da Igreja. Considerando os sinais da passagem de Deus na vida do santo carmelita o celebrante destacou:
- O primado de Deus. Homem rico e dotado, nem por isso deixou de pôr Deus sempre em primeiro lugar. Nada antepôs a Deus. No Ocidente vivemos actualmente o eclipse de Deus. Encerrado em si mesmo, no seu próprio mundo e nas suas coisas, o Homem perde o órgão interior que lhe permite a percepção de Deus. São Nuno ensina-nos a nada antepôr a Deus.
- O primado de Deus levou São Nuno a viver a Caridade, a repartir os seus bens pelos pobres e necessitados, ele que era o homem mais rico e poderoso do Reino. A sua vida é um hino à Caridade.
- O santo carmelita viveu no mundo a sua cidadania de forma exemplar segundo os valores do Evangelho, como expressa bem a 1ª leitura proclamada na Eucaristia (Ef 6, 10-18a). Nuno de Santa Maria foi um humanista que se deixou orientar sempre pelo bem comum.
- São Nuno foi um profundo devoto de Nossa Senhora. Viveu a sua devoção mariana como imitação de Maria, tal como ela viveu a sua união a Cristo e à Palavra de Deus. A vida mariana de São Nuno é um apelo desafiante que deve informar as nossas vidas.
Terminada a Eucaristia foi reservado o tempo até ao almoço para visitar o espaço do Santuário e o que nele há de mais significativo: para além da Capelinha das Aparições, a Basílica e a Igreja da Santíssima Trindade.
De tarde o conferencista convidado foi o Bispo do Porto D. Manuel Clemente. O Pe. Agostinho Castro fez a apresentação de D. Manuel: biografia, formação e funções académicas, funções e cargos eclesiais, distinções / prémios e publicações. D. Manuel Clemente desenvolveu os temas Nun’Álvares no contexto português do seu tempo e Frei Nuno de Santa Maria e as razões da sua vocação religiosa. Dada a ligação e continuidade das matérias expostas apresentamos um resumo do que então foi dito.
Ainda há muito a dizer sobre Nuno Álvares Pereira (1360-1431), pois o seu significado como cristão propriamente dito, dos finais da Idade Média e de todos os tempos, ainda não foi suficientemente realçado. Das várias facetas da personalidade e obra de Nuno de Santa Maria a nós interessa-nos sobretudo o cristão e o santo do Carmelo e da Igreja Universal. Quanto às fontes bibliográficas do novo santo é de destacar a obra do carmelita espanhol Balbino Velasco Bayón, História da Ordem do Carmo em Portugal.
Nuno vive num tempo em que a Igreja e a Europa vivem tempos turbulentos, devido à Guerra dos Cem Anos entre a França e a Inglaterra e ao cisma de Avinhão. Perante a figura de Nuno não se passa indiferente. Nuno Álvares Pereira sempre causou admiração: desde os cronistas do século XV até aos historiadores recentes, o Condestável é geralmente tratado com admiração e respeito. Mesmo para autores não confessionais (ex. Oliveira Martins) e na I República com o seu anticlericalismo, D. Nuno concitava admiração. Na primeira metade do século XX inspirou movimentos cívicos de regeneração do País, atraindo figuras de vários quadrantes da política da época. A partir de 1923 o Escutismo Católico Português tomou-o como seu padroeiro. É uma das poucas figuras nacionais e crentes cuja admiração sempre perdurou.
Sempre teve fama de santidade e humanidade. Soube realizar a sua missão com espírito evangélico e defendia a sua terra, mas actuava para com os seus adversários (não tinha inimigos!) com verdadeira caridade. Em França passava-se um caso semelhante com a figura de Joana d’Arc.
Nuno Álvares Pereira não era de origem humilde mas fidalga. Era sua aspiração, como o Galaaz, manter-se inteiramente puro para realizar grandes feitos de cavaleiro cristão. O casamento não fazia parte dos seus planos de vida. Daí a sua resistência em casar e só o fez em obediência às insistências contínuas do pai. O seu comportamento e postura contrastavam, desde muito cedo, com o ambiente frívolo da côrte portuguesa e dos cortesãos pouco inclinados a aspirações tão altas (Cf. Crónica do Condestável de Portugal Dom Nuno Álvares Pereira, capítulo IV).
D. Nuno viveu na época da fundação das pátrias que até então não existiam. A terra que o criara à qual se sentia devedor, estava ameaçada na sua própria subsistência política, não só pelas invasões castelhanas mas também pela reivindicação do trono luso por parte de D. João I de Castela, casado com Dona Beatriz, filha de D. Fernando, e herdeira do trono lusitano. Na sociedade em que Nuno vivia não havia ainda o conceito de cidadania mas o de vassalagem pelo qual a sociedade estava organizada. Não é de admirar que a maioria dos nobres estivesse do lado de D. João I de Castela, contrastando com a atitude patriótica de Nuno que já via a obrigação de um indivíduo para com todos (sociedade). Respondendo a sua mãe diz: “Senhora Mãe! Não queira Deus que, por dádivas e largas promessas, eu vá contra a terra que me criou! Por amparo dela gastarei meus dias e derramarei meu sangue!”.
Assim se compreende também a coloração religiosa que tudo ganha nos combates de Nuno. Em todos os combates tem presente Deus, a Virgem Maria e os Santos, encomendando-lhes constantemente a salvação do reino, conjugando na mesma pessoa o orante e o guerreiro. O seu pendão nos quatro quadrados com que é divido por uma grande cruz, contém o Calvário, Nossa Senhora, S. Tiago e S. Jorge. Não há nos combates travados por Nuno Álvares motivações gananciosas, violentas ou vingativas. A sua generosidade era admirável, chegando até a distribuir provisões pelo adversário necessitado. Ganhara tal fama que os castelhanos queriam vê-lo. Havia nele um mais que o diferenciava dos outros.
Uma característica de Nuno é a sua generosidade. Tendo-se tornado o homem mais rico de Portugal podia viver folgadamente e despreocupadamente, mas entendeu que assim como D. João o premiou assim ele devia premiar os seus melhores colaboradores. Fez uma larga distribuição de terras por eles, e do que lhe restou dava tais e tantas esmolas, não só a portugueses como também a castelhanos, que chegou a viver com dificuldades. O seu desprendimento atingiu grandes alturas quando ingressou no Convento do Carmo que ele mesmo mandara construir e doara aos carmelitas, e como irmão donato entregou-se na abstenção total dos bens à vivência da Vida Religiosa. Ao ser tão grande senhor quis tornar-se servo dos seus antigos servos e servir directamente os pobres, não mandando fazê-lo, como era comum à gente generosa da sua condição. A sua intenção era pedir pelas portas, ser tratado apenas por Nuno, despojando-se de todos os títulos, e morrer em segredo e fora de Portugal, onde ninguém o conhecesse. Não conseguiu realizar tudo isto pois o príncipe D. Duarte o impediu. Ficando em Lisboa no Convento do Carmo humilhou-se e serviu o mais que pôde. Os seus contemporâneos, a começar pelo rei e toda a côrte, os pobres, o povo de Lisboa, quer em vida quer depois de morto e ininterruptamente, consideravam-no o Conde Santo, o Santo Condestável.
A sua sepultura, em campa rasa na capela-mor da igreja de Nossa Senhora do Vencimento do Monte do Carmo, foi logo procurada em veneração e prece. A ela acorriam todas as classes sociais, a começar pela família real, e profissionais.
O Decreto Clementissimus Deus da Sagrada Congregação dos Ritos, de 15 de Janeiro de 1918, confirmado pelo Papa Bento XV a 23, confirmou o culto imemorial do Condestável. Numa Europa imersa na I Grande Guerra a figura de Nuno Álvares era apresentada como alguém que soubera ser, no seu tempo e a seu modo, o exemplo do soldado sem rancor e, tanto quanto pudera ser, amigo dos próprios inimigos.
Terminada a exposição de D. Manuel Clemente seguiu-se um período de tempo reservado a perguntas e respostas.
Tomado o jantar, antecedido pela oração de Vésperas sob orientação das Irmãs Carmelitas do Sagrado Coração de Jesus, seguiu-se no auditório da Casa São Nuno um serão de fados e música popular com que terminou o programa deste dia.
27 de Abril.
Depois de tomado o pequeno-almoço e da oração de Laudes, preparada e orientada pela Província Arago-Valentina, foi a vez do Pe. Balbino Velasco Bayón, O. Carm. apresentar da parte da manhã duas conferências: O Carmelo Lusitano no tempo de São Nuno de Santa Maria e Frei Nuno de Santa Maria, Carmelita.
Feita uma breve introdução de apresentação biográfica e bibliográfica do conferencista, o Pe. Balbino na primeira conferência ofereceu aos presentes, a modo de introdução, uma síntese das lendas carmelitas e a sua repercussão na Península Ibérica, para examinar como se via a Ordem no tempo de Nuno Álvares Pereira.
Seguidamente falou dos problemas que apresenta a fundação do primeiro convento carmelita em Portugal, Moura, e que, segundo ele, foi fundado no primeiro terço do século XIV. Aí conheceu Nuno os carmelitas, em virtude das acções militares contra as tropas de D. João I de Castela. Ficou fascinado pela vida simples e a profunda devoção à Virgem Maria que se respirava no convento de Moura. Estabeleceu amizade com os carmelitas e até é possível que tenha vivido no próprio convento.
A sua devoção a Nossa Senhora levou a que construísse no coração de Lisboa um templo grandioso para que se prestasse culto permanente à Virgem Maria. Entregou a fundação de Lisboa aos seus amigos carmelitas de Moura em finais do século XIV e princípios do século XV. Foi a segundo fundação carmelita em terras portuguesas.
Na segunda conferência, intitulada Frei Nuno de Santa Maria, Carmelita, analisou a figura jurídica do “irmão donato”, prevista nas Constituições da época. Como irmão donato o Santo Condestável ingressou no Convento do Carmo de Lisboa, vindo a adoptar o nome de Frei Nuno de Santa Maria. A pedido do Rei e do Príncipe D. Duarte ficou no convento por ele mandado construir até morrer, evitando que fosse para um lugar desconhecido, como era seu desejo.
O Pe. Balbino analisou o alcance do complemento nominal de Santa Maria no contexto mariano da Ordem, em sintonia perfeita com a devoção do santo, para ler em chave moderna a mensagem que nos oferece, especialmente para os carmelitas. Apontou outras lições para os nossos dias que nos aponta a sua vida santa.
Por fim, aludiu à fama de santidade quer em Portugal quer especialmente em Espanha, como o apresentaram diversos poetas, entre eles Calderón de la Barca ou Tirso de Molina, cujos textos referentes ao Santo Condestável leu à assembleia.
Terminada a exposição seguiu-se um período de perguntas e respostas, findo o qual terminaram os trabalhos da manhã.
Tomado o almoço, a maioria dos participantes no Encontro dirigiu-se depois para Lisboa em três autocarros. Aí visitaram a Venerável Ordem Terceira do Carmo e o Convento do Carmo. No Quartel da Guarda Nacional Republicana, que fizera parte do Convento, visitaram uma exposição e sobretudo, porque de interesse para os carmelitas, a cela de São Nuno. Terminada a visita dirigiram-se para a Igreja dos Mártires onde foi celebrada a Eucaristia presidida pelo Cardeal Patriarca de Lisboa D. José Policarpo.
Na homilia que então fez e centrando-se sobretudo na primeira leitura, D. José afirmou que os Actos dos Apóstolos mostra-nos a Igreja a nascer e a crescer. Nesta acção tem lugar importante o Espírito Santo. É numa perseguição, num facto dramático, que vemos a Igreja a espalhar-se por outras terras. Barnabé tem o discernimento para perceber a acção do Espírito. De Tarso traz Paulo para Antioquia onde juntos nesta Igreja passaram um ano inteiro e ensinaram muita gente.
A Igreja precisa de quem tem a ousadia de crer; ela é muito amada por Jesus. Para realçar esta mesma realidade João usa a imagem do Bom Pastor.
Terminada a Eucaristia deu-se o regresso a Fátima. Tomado o jantar esta jornada ficou encerrada.
Dia 28 de Abril
O dia começou com a celebração da Eucaristia, antecedida pelo pequeno-almoço, presidida pelo Comissário da Ordem do Carmo em Portugal, Pe. Agostinho Castro, e a oração da manhã integrada na Missa, orientada pelas Irmãs da Virgem Maria do Monte Carmelo. Na homilia proferida o presidente da assembleia partindo da leitura dos Actos dos Apóstolos que descreve o anúncio da Palavra de Deus por parte dos Apóstolos Barnabé, Paulo e Marcos, convidou todos os presentes a serem anúncios vivos desta mesma Palavra. E para que isso aconteça e porque vivemos no seguimento de Jesus, devemos imitar a Sua união profunda com o Pai, que de forma tão expressiva aparece no Evangelho deste dia: "porque eu não falei por mim próprio: o Pai que me enviou, é que determinou o que havia de dizer e anunciar" (Jo 12, 49). O Pe. Agostinho terminou dizendo que a alegria deste Encontro da numerosa Família Carmelita é, sem dúvida, uma proclamação jubilosa da Palavra de Amor que Jesus nos deixou, e que este Encontro é um estímulo para continuarmos esse anúncio no nosso ambiente de cada dia.
O Pe. Francisco José Rodrigues, O. Carm. apresentou ao auditório a comunicação O processo de canonização. Recorde-se que o conferencista esteve envolvido de forma muito directa neste processo, por ter sido nomeado pelo Comissariado Vice-Postulador da Causa de Canonização de Nuno Álvares Pereira. O Pe. Francisco José Rodrigues distribuiu pelos presentes uma folha na qual se encontravam os tópicos seguintes referentes à figura de São Nuno: vida, batalhas, dados da canonização e milagres, mas centrou a sua exposição sobretudo nos dados da canonização.
O culto a São Nuno começou logo a seguir à sua morte. Seis anos após o falecimento do carmelita já D. Duarte escreve a João Gomes, abade beneditino de Florença, para que peça ao Papa a abertura do processo de canonização. Apoiado pelo episcopado, D. João IV em 1641 faz o pedido à Santa Sé para que reconhecesse o culto e procedesse à canonização, o mesmo acontecendo nas côrtes em 22 de Março de 1674, onde foi apresentado pelo Vigário Geral da Ordem do Carmo o mesmo pedido que viria a ser aprovado pelos três estados: Clero, Nobreza e Povo. Em 7 de Março de 1914 o Arcebispo de Mitilene, D. José Alves de Matos, dava sentença sobre a existência do culto imemorável e em 7 de Junho de 1917 o processo é apresentado à Congregação dos Ritos, vindo a ser aprovado por aclamação o reconhecimento do culto em 15 de Janeiro de 1918. Em 23 de Janeiro desse mesmo ano o Papa Bento XV publica o Decreto Clementissimus Deus sobre a beatificação de Nuno de Santa Maria. Pio XII queria-o canonizar por “Decreto” mas não houve concordância por parte do Governo, vindo o mesmo Papa, em 1941, a fazer o rescrito em que manda seguir o processo por “Via Milagre”. O processo fica praticamente concluído em 1947/48 mas, sem causa aparente, acaba por ser interrompido.
Para comemorar o sexto centenário do nascimento de Nuno Álvares Pereira, entre 1960-1963, as relíquias do carmelita percorrem as paróquias de Portugal. Com o começo da guerra no então ultramar português tudo ficou parado.
Quando o Pe. Francisco Rodrigues foi nomeado Vice-Postulador em 13 de Abril de 2000, fez uma campanha de recolha de assinaturas na ordem dos milhares para pedir a canonização por “Decreto”, mas a Congregação da Causa dos Santos respondeu que uma vez que havia um rescrito de Pio XII sobre o Processo a canonização teria de ser alcançada por “Via Milagre”.
Em 13 de Julho toma posse a Comissão Histórica nas ruínas do Convento do Carmo e procedeu-se à abertura do processo sobre as virtudes, vindo o mesmo a ser encerrado em 3 de Abril de 2004.
Em 23 de Novembro desse mesmo ano abre-se o processo do presumível milagre na pessoa da Maria Guilhermina de Jesus, ficando concluído em 10 de Janeiro de 2005, e é enviado para a Congregação da Causa dos Santos depois da Páscoa desse ano. Em 17 de Outubro de 2006 a mesma Congregação pede que a Comissão Histórica faça um processo suplementar, em que conste toda a documentação desde o tempo do Condestável, uma vez que a Comissão só referia a partir da beatificação. Em 11 de Janeiro de 2007 este processo suplementar é validado.
Em 3 de Julho de 2008 o Papa Bento XVI aprova os Decretos sobre as virtudes heróicas e o milagre, vindo a marcar em 21 de Fevereiro de 2009 a data da canonização, que teria lugar na Praça de S. Pedro, em Roma, em 26 de Abril de 2009.
Depois de um breve intervalo foi a vez de Jesué Pinharanda Gomes apresentar a comunicação, A espiritualidade laical em São Nuno de Santa Maria. Do que então expôs, apresentamos um resumo.
A fórmula Christifidelis, desde a idade apostólica, começou por ser uma designação geral para todos os cristãos, valor semântico que ainda hoje prevalece. Com o decorrer do tempo, no seio das comunidades, estabeleceu-se uma diferenciação: de um lado, os laici, cristãos imersos no mundo secular e do outro os iéreus, religiosos e sacerdotes, dedicados aos ministérios sacerdotais.
Com o andar do tempo e dos costumes, a participação directa dos leigos no âmbito da Igreja quase perdeu em parte o sentido, a ponto de a missão eclesial tender a atribuir-se, como que em exclusivo, aos clérigos e aos fiéis de ordens sacras, sendo estes os membros activos perante os leigos, membros passivos.
O Condestável viveu num tempo de ausência de uma nítida ideia de leigo.
No seu tempo, no plano popular ou dos leigos, assistidos pelo clero, manifestavam-se então sinais da vivência cristã a seu modo, tais como a piedade popular, as devoções individuais e locais, o culto dos santos, as peregrinações, as romarias (a Roma) e também um associativismo religioso que abriria caminho às Confrarias, Irmandades e Impérios dedicados aos Espírito Santo, afiliações às Ordens Mendicantes, mas guardando a secularidade, e a vivência no feminino de as mães serem transmissoras da fé aos seus filhos.
Noutro plano de militância laical e de estar ao lado da Igreja era a aceitação da participação nas Cruzadas.
Nuno Álvares Pereira não teve uma família regular. Seu pai, não podendo constituir família canónica por ter professado com votos solenes na Ordem do Hospital da qual era prior, foi pai de 32 filhos e filhas tendo de Iria Gonçalves do Carvalhal a maior parte. Nuno recebeu de sua mãe salutares exemplos. Depois de ter os filhos levou uma vida de abstinência e de rigor moral até à morte, em 1441.
O Condestável recebeu boa formação religiosa, pondo-se muito nas mãos de Deus, e também formação cavaleiresca, que lhe foi dada pelo Grão-Mestre da Ordem de Cristo, D. Nuno Freire de Andrade. Cresceu na côrte e aos 13 anos foi armada cavaleiro por Dona Leonor Teles.
As leituras das histórias da Cavalaria impressionavam-no fortemente. Ouvira e lera as aventuras do rei Artur e dos Cavaleiros da Távola Redonda, da história apócrifa de José de Arimateia acerca do destino do Cálice da Última Ceia, da missão do cavaleiro Galaaz à procura desse Cálice, o Santo Graal, cujo paradeiro Galaaz e outros procuravam. Também na memória da Ordem de Cristo subsistiam os feitos dos Templários na Terra Santa.
O Condestável sonhou imitar o Galaaz: casto, puro, leal, dedicado em voto à Santa Cavalaria. O seu projecto era, portanto, o de um leigo consagrado à Terra Santa, à vivência da Cruzada.
Sabemos que não estava seguro de pretender casar mas fê-lo a contra gosto, na idade de 16 anos, com Dona Leonor de Alvim, vindo a enviuvar e a recusar segundo casamento, apesar das tentativas familiares.
Nuno estava livre e solto para escolher o seu caminho.
Pela morte de D. Fernando criou-se um grave problema de sucessão dinástica na coroa portuguesa, que uma grande maioria do povo repudiava um rei estrangeiro. Iniciada a guerra entre Castela e Portugal, Nuno toma o partido do Mestre de Aviz contra D. João I de Castela, casado com Dona Beatriz, filha de D. Fernando e Dona Leonor Teles.
A opção militar não significa uma opção militarista: corresponde a uma solução de emergência, não havendo outra, pois a identidade nacional foi posta em causa, cabendo ao povo, quer dizer, aos leigos, defendê-la. O leigo é uma pessoa muito concreta, cabe-lhe cumprir, por muito que lhe custe, primeiro, as obrigações e, depois, as devoções. A defesa da Pátria constituía uma causa justa. Guerra em nome da Paz. O pendão que adoptara fazia lembrar-lhe os sinais por que havia de lutar: por bem, “sem nenhuma cobiça de honras nem de ganhos, mas somente por serviço de seu Senhor e defensor da terra donde era natural” (Crónica de D. João I, cap. 87). No Sumário que D. Duarte redigiu que havia de ser pregado em honra de D. Nuno, são citadas algumas virtudes como a guarda da lei de Deus, o amor da justiça, ser forte, saber comandar, lealdade e capacidade de renúncia.
D. Nuno era comandante de um exército mal organizado. Tinha de ser duro, disciplinado e disciplinante, confiável e justo. Uma das primeiras acções foi a de proibir aos militares que trouxessem mulheres para o acampamento. Só havia lugar para homens combatentes.
Consolidava a acção na oração. Costumava rezar antes das contendas e cumpria os jejuns, mesmo que tivesse de combater em dia de jejum. Dizia que “toda a vitória é de Deus e não dos homens”. Também impressionava pela caridade com que tratava os adversários, mandando cuidar dos feridos e protegendo da ira os derrotados, exercendo a caridade fraterna e sendo justo e prudente nas palavras.
Como leigo arvorou-se em defensor da Igreja, a par de D. João I e de João das Regras, como ficou bem expresso nas côrtes de Coimbra em 1385. Aberto o cisma do ocidente, Portugal deu voz por Roma, em defesa da unidade eclesial. Deste modo, o Condestável lutou pela Igreja e pelo mundo, segundo a medida dos seus dons. Deu o exemplo de como os leigos são a linha avançada da sociedade em que a Igreja é o princípio vital.
Após a consolidação da independência, Portugal abriu portas rumo ao mar, para ficar livre de apertos de Espanha e da guerra dos Cem Anos. D. João I quis saber a opinião dos seus conselheiros, entre os quais Nuno Álvares Pereira, acerca dos Descobrimentos. A opinião era incontroversa.
Acerca da conquista de Ceuta respondeu o Condestável a D. João que lhe pedira opinião: “fizestes outras coisas para assegurar a nossa vida e a nossa honra, como serviço vosso mas este feito somente pertence ao serviço de Deus e salvação das almas”. Na cabeça de Nuno prevalecia o zelo apostólico de alargamento da reconquista cristã, e não a ideia de poderio. A expedição realizou-se tomando parte nela o Condestável. Deste modo, Nuno Álvares Pereira está no quadro das personagens actrizes da abertura de Portugal ao mundo.
Toda a sua vida é uma vida laical, exercida no mundo, de profunda piedade mariana, associando sempre Maria às suas vitórias até que despojando-se de tudo, dividiu as imensas riquezas territoriais ganhas na guerra, por seus familiares e fiéis cavaleiros, reservou uma parte para construir o Convento do Carmo que entregou à Ordem dos Irmãos da Bem-Aventurada Virgem Maria do Monte Carmelo, na qual veio a ingressar como meio-irmão, um donato, portanto leigo, propondo que fosse conhecido unicamente por Nuno, apondo mais tarde o título de consagração: Nuno de Santa Maria. Assim se torna monge, mas leigo, que faz opção pela pobreza e que pelas ruas de Lisboa pede para socorrer os pobres, eles que o chamavam de “Conde Santo”.
Terminada a exposição seguiu-se um período de tempo reservado a perguntas e respostas. Pouco depois tomava-se o almoço findo o qual o Pe. Agostinho Castro agradeceu a todos os que participaram, prepararam e ajudaram (por ex. as funcionárias da Casa São Nuno) para que este XVII Encontro da Família Carmelita da Região Ibérica decorresse bem.
Da parte da tarde a maioria dos participantes regressaram às suas terras.
Sameiro, 13 de Maio de 2010
Pe. Manuel Gomes de Castro, O. Carm. (Cronista)