“Somos missão porque somos o amor de Deus comunicado”
Encontro dos Conselhos Gerais
da Ordem do Carmo e Ordem dos Carmelitas Descalços
De três em três anos, os Conselhos Gerais dos frades O.Carm. e O.C. D. reunimo-nos para reflectir sobre os diversos temas relacionados com o nosso carisma e missão na Igreja. Este ano encontrámo-nos em Gort Muire, a casa provincial de Província irlandesa dos Carmelitas (O.Carm.), em Dublin, Irlanda, para reflectir sobre o tema: “Baptizados e enviados, a Igreja de Cristo em missão no mundo”. O Pe. Gerry O’Hanlon, S.J., apresentou duas conferências sobre o tema da missão: “O contexto da missão” e “A Igreja e a vida consagrada para a missão”. O Padre O’Hanlon focou alguns dos principais desafios com que nos enfrentamos na sociedade de hoje e na Igreja: a secularização, o mundo globalizado, o pluralismo, a imigração, a justiça social, os problemas relacionados com o papel da mulher na Igreja, a digitalização, o diálogo inter-religioso e os escândalos dos abusos sexuais. Consequentemente não podemos permanecer à margem destas realidades e somos chamados a dar uma resposta a partir do nosso carisma carmelita.
Neste contexto, reflectimos sobre um texto do discurso do Papa Francisco tirado do guião: ”Baptizados e enviados: a Igreja de Cristo em missão no mundo”, que é o tema do “Mês Missionário Extraordinário” que será celebrado em Outubro deste ano de 2019. O Papa Francisco recorda-nos que a missão está enraízada no baptismo e é um chamamento a todo o baptizado. O discurso do Papa Francisco transforma a nossa compreensão da missão. A nossa tendência é entender a missão principalmente como pregar, construir escolas, hospitais, serviços sociais e desenvolver actividades caritativas. Se bem que estas iniciativas e actividades missionárias são importantes, o Papa Francisco convida-nos a ver a missão a partir de uma perspectiva mais profunda e mais ampla: “SOMOS missão porque somos o amor de Deus comunicado, somos santidade de Deus criada à Sua própria imagem”.
A missão não é, principalmente, o que fazemos mas o que somos. Essencialmente é uma questão de ser, mais do que fazer. Brota do nosso encontro pessoal com Jesus Cristo, que nos chama a estar com Ele e a acompanhá-Lo na Sua missão no mundo. Somente a partir desta nossa intimidade com Jesus Cristo descobrindo que Ele nos ama incondicionalmente, poderemos crescer numa conversão contínua e ser missão no nosso mundo. Visto desta maneira, o nosso chamamento a ser missão acontece onde vivemos, quando damos testemunho de amor na nossa comunidade, família, paróquia e entre os vizinhos. É um chamamento a crescer na santidade expressa através de acções amorosas da vida quotidiana.
Esta nova ideia da missão como ser em vez de fazer, chama-nos a ser agradecidos pelas bênçãos que recebemos na nossa história e dos nossos santos carmelitas e a “avivar a chama” (2 Tim 1, 6) do dom do nosso carisma que recebemos de Deus. Neste sentido, recordamos dois santos missionários carmelitas mencionados no guião “Baptizados e enviados”: Santa Teresa do Menino Jesus e o Beato Tito Brandsma. Ambos dão testemunho do que significa ser missão no contexto da sua vida e do seu tempo.
Apesar de Santa Teresa do Menino Jesus nunca ter saído do recinto do seu Carmelo, foi proclamada padroeira universal das missões juntamente com São Francisco Xavier em 14 de Dezembro de 1927. Santa Teresa tinha um coração missionário. Nos seus “Manuscritos autobiográficos” diz-nos que teria gostado de “ser missionária, não só por alguns anos mas desde o princípio da criação até à consumação dos tempos”. Limitada pelas paredes do Carmelo, viveu o seu zelo missionário no mosteiro. Descobriu a sua vocação de ser “amor no coração da Igreja”; quer dizer, fazer do amor de Jesus Cristo o centro da sua vida e expressar o seu amor por Ele concretamente nas pequenas acções da vida diária e em todas as suas relações. Ela acreditava que o amor é eterno; que transcende os limites físicos, o espaço e o tempo e tem um poder transformador para curar e converter os corações. Estava convencida que quanto mais amor haja no coração da Igreja, mais amor haverá em todos os membros da Igreja e no mundo. A prática do amor produz frutos para toda a Igreja e para o mundo. Neste sentido, todos os baptizados estão chamados a ser “amor no coração da Igreja” e a fazer do amor a força motivadora das nossas vidas; desta maneira convertemo-nos em missão na Igreja e no nosso mundo.
O Beato Tito Brandsma, que morreu no campo de concentração de Dachau em 1942, também tinha um coração missionário. Desde que era um jovem frade ainda em período de formação, Tito desejou ser enviado como missionário para anunciar o Evangelho a todos os povos. Contudo, a saúde frágil impediu-o de realizar o seu sonho. Deus enviou Tito para um território de missão que ele próprio nunca teria escolhido: os campos de concentração nazis. Em 1942 foi transferido para o campo de concentração de Dachau. Ali converteu-se num missionário através da sua oração, da sua confiança em Deus no meio de um sofrimento terrível, ao consolar as aflições dos seus companheiros de prisão e ao negar-se a odiar os nazis. Tito acreditava que “a oração não é um oásis no deserto da vida, é toda a vida”. Esta linda declaração revela a fonte da sua fortaleza para levar a cabo as suas actividades apostólicas, para dar testemunho da Verdade e para suportar com paciência a pobreza, o sofrimento e a brutalidade dos campos de concentração e para perdoar aos seus inimigos. Num discurso pronunciado em 1931, Tito disse: “A nossa vocação e a nossa felicidade consiste em fazer felizes os outros”. Talvez estas palavras, assim como as palavras de Jesus que significaram tanto para o Beato Tito, “Deixo-vos a paz, dou-vos a minha paz”, resumem o seu espírito missionário e o que significa ser missão na Igreja e no mundo.
“Ser missão” no nosso tempo implica fazer a nós próprios a seguinte pergunta: como podemos, como carmelitas, responder aos desafios que o nosso mundo e as nossas Igrejas enfrentam neste século XXI? Devemos esforçar-nos por ser: a) autênticos homens e mulheres de oração, b) viver uma vida comunitária evangélica, abertos ao diálogo e construindo relações nos lugares onde vivemos e servimos, c) que os nossos ministérios sejam proféticos. Reconhecemos que está surgindo uma nova realidade na Igreja: sinodal, dialógica, colaborativa, inclusiva e responsável. Isto requere discer-nimento, formação e conversão contínua.
Estamos agradecidos pela oportunidade de nos reunirmos e reflectir sobre a importância da nossa missão no mundo e na Igreja de hoje e chegar a uma compreensão mais profunda da missão que não é essencialmente o que fazemos mas o que somos. Nós Carmelitas SOMOS missão. Damo-nos conta, uma vez mais, das riquezas da nossa herança carmelita e, a partir da fonte do nosso carisma, desejamos responder às necessidades e desafios presentes no nosso mundo e na nossa Igreja. Nós acreditamos que o Carmelo tem algo de especial para oferecer. Convidamos toda a Família Carmelita (O.Carm. e O.C.D.): os frades, as monjas, as congregações afiliadas das Irmãs Carmelitas e os nossos irmãos e irmãs seculares a unirem-se a nós para ser missão neste nosso mundo do século XXI. Como sempre, confiamos na intercessão e na presença fraterna de Maria, Rainha e Formosura do Carmelo, cujo coração missionário a impulsionou depois da Anunciação a levar à sua prima Isabel a alegria da salvação de Deus em Jesus Cristo. Rezamos para que nos acompanhe nos nossos esforços para ser missão na nossa Igreja e nosso mundo.
Dublin (Irlanda), 31 de Maio de 2019
Os Conselhos Gerais da O. Carm. – OCD