Papa Francisco está a escrever a segunda parte da Laudato Si

Falando perante advogados dos países membros do Conselho da Europa, o Papa Francisco mencionou que estava a escrever uma segunda parte da encíclica Laudato Si, publicada no Pentecostes, em maio de 2015. O Papa considera necessário atualizar a encíclica devido a "questões do presente." O Papa exprimiu a sua gratidão aos advogados pelo seu trabalho no desenvolvimento de um quadro jurídico para proteger o ambiente.

“Nunca devemos esquecer que as gerações jovens têm o direito de receber de nós um mundo belo e habitável, e que isso implica que temos uma grave responsabilidade para com a criação que recebemos das mãos generosas de Deus”, disse o Papa. "Obrigado pelo vosso contributo."

Matteo Bruni, diretor da Sala de Imprensa da Santa Sé, explicou posteriormente que a segunda versão da Laudato Si se concentrará nos últimos eventos climáticos extremos e catástrofes que afetaram a população dos cinco continentes.

Laudato Si’, parte 2: Um diálogo contínuo sobre os sinais dos tempos

Chaves:

  • A exortação apostólica, no espírito da Laudato Si, atualiza o panorama do cuidado da nossa casa comum.
  • A ciência destacou o aprofundamento dos desafios ecológicos globais.
  • Um panorama económico, político e socioambiental diferente após a pandemia global da CO­VID-19
  • A guerra perturba a paz, desencadeia um afluxo de refugiados e mina os acordos ambientais internacionais.
  • A crise climática global é evidente: temperaturas recordes, derretimento Árctico-Antárctico, secas extremas, tempestades, incêndios florestais, perda de vidas humanas e danos.
  • Apesar da urgência, interesses instalados atrasam as decisões internacionais.
  • A urgência crescente exige uma resposta que preserve o ambiente e ajude os desfavorecidos.

O recente anúncio do Papa Francisco de que em breve nos atualizará, sob a forma de uma nova exor­tação apostólica, a encíclica Laudato Si, sobre o cuidado da nossa casa comum, é motivo de esperança renovada. Com esta carta datada de maio de 2015, há oito anos, Francisco quis entrar “em diálogo com todos sobre a nossa casa comum” (LS 3), sobre a forma como estamos a “construir o futuro do planeta”, com a certeza de que é possível um desenvolvimento humano e integral que respeite o meio ambiente (LS 14).

Naquela época, o contexto global era desafiador: já estava em execução o 5º ciclo de Relatórios sobre Mudanças Climáticas do Painel de Especialistas da ONU (IPCC, 2013-2014), que alertava para a crise climática. Mas a ciência continuou desconhecida quando se tratava de tomar decisões políticas inter­nacionais concretas e ousadas. Todavia, pode ter acontecido que a carta de Francisco tenha sido colo­cada no contexto da 21ª Cimeira do Clima de Paris (COP 21) daquele ano e, finalmente, tenha sido alcançado um acordo vinculativo que reconhecesse o problema, “o quê”, da emergência climática: foi assim que surgiu o Acordo de Paris, em dezembro de 2015, ouvindo a ciência e o clamor de tantos países afetados.

Do ponto de vista da fé, a Doutrina Social da Igreja contida na Laudato Si mostra-nos que o clima – e por extensão a biodiversidade – é um bem comum, de todos e para todos (cf. LS 23). Por outro lado, tornou evidente que, nas Cimeiras Mundiais sobre o ambiente, outros interesses mesquinhos preva­lecem sobre o bem comum (cf. LS 54).

A Igreja entende o princípio do bem comum, no quadro da moralidade social, como aquelas condições sociais que tornam possível a cada grupo humano, e aos seus membros, alcançar a sua própria pleni­tude humana. O bem comum tem como centro o respeito pela dignidade da pessoa humana (cf. GS 26). Portanto, o bem comum diz respeito à vida de todos e inclui aqueles bens de que todos necessi­tamos, mas que nenhum de nós pode adquirir sozinho, mas requer a colaboração de toda a criação: exemplos são o clima, a água, a biodiversidade como harmonia e paz. O bem comum é para a socie­dade o que a dignidade humana é para o indivíduo. Só podemos tornar-nos plenamente humanos se fizermos parte de uma rede de relações humanas e naturais respeitosas do bem comum que nos per­mite alcançar essa plenitude.

Desta maneira, a Laudato Si tem sido um compromisso do Papa Francisco para deixar claro quais são as exigências do bem comum, fortemente ligadas às condições sociais de cada época, em resposta ao respeito e à promoção integral da pessoa e dos seus direitos fundamentais. (cf. GS 26). Por isso, lem­bra-nos a encíclica, “a ecologia integral é inseparável da noção de bem comum” (LS 156); além disso, o princípio do bem comum é “um apelo à solidariedade” e uma “opção preferencial pelos mais pobres” que inclui também as “gerações futuras” (cf. LS 158, 159).

Neste sentido, uma atualização da carta encíclica Laudato Si não deveria ser surpreendente, mas sim esperada. Atualizar-se é típico do trabalho teológico e pastoral da Doutrina Social da Igreja, como in­dica Gaudium et Spes: “a passagem do tempo e a mudança dos contextos sociais” exigem “uma refle­xão constante e atualizada... para interpretar os novos sinais dos tempos" (DSI, 9).

Oito anos se passaram desde o primeiro envio da Laudato Si, e os sinais dos tempos, que as ciências humanas nos ajudam a decifrar, mostram-nos que os desafios que a humanidade enfrenta se aprofun­daram dramaticamente desde então.

Hoje, o contexto económico, político e socioambiental é diferente: a pandemia da COVID-19 trouxe consigo uma crise económica prolongada em muitos países, com aumentos generalizados da pobreza e do isolamento social; uma guerra mundial em pedaços trouxe consigo instabilidade na paz dos povos, mais refugiados e ressentimento pelos frágeis acordos internacionais na busca pelo cuidado do planeta que habitamos para o bem das gerações futuras. e dos pobres de hoje.

Diante disso, o último 6º ciclo de Relatórios sobre Mudanças Climáticas do IPCC (2021-2023) mostrou-nos que a crise climática global não para e começa a ser sentida com toda a sua fúria: recordes de temperatura nos mares e nas cidades, derretimento do O gelo do Mar Ártico e do Antártico, as secas extremas, as tempestades severas e os incêndios florestais dominam as notícias internacionais, com as respetivas perdas de vidas e danos económicos.

Juntamente com isto, a biodiversidade do oceano e das grandes florestas tropicais, como a Amazónia, o Congo ou o Bornéu, principais sumidouros de dióxido de carbono na Terra, continua a estar sob pressão devido ao aquecimento global, à sobre-exploração e à acidificação, no caso da o oceano (cf. LS 40-41), e à desflorestação para a agricultura, ao desenvolvimento de grandes infraestruturas e às indústrias extrativas, no caso das florestas (cf. LS 38). Estes últimos contribuem para agravar a crise climática e prejudicam diretamente as comunidades indígenas que habitam as regiões e desempe­nham um papel fundamental na sua conservação (cf. LS 146).

A ciência climática lançou o ultimato: o prazo para ação é esta década e não pode ir além de 2050 para começar a mitigar a crise climática, encerrando a era dos combustíveis fósseis. Mas ainda hoje, como em 2015, os interesses particulares e económicos de alguns atrasam as decisões nas reuniões interna­cionais (cf. LS 169).

Ou seja, o diálogo internacional e as importantes decisões de “como”, “quem” e “quando”, encontrar, executar e aplicar soluções para a crise climática, ambiental e social, seguem o caminho da procrasti­nação. Hoje, não há tempo a perder e tudo indica que o Acordo de Paris precisa de ser complementado em breve com um roteiro que estabeleça responsabilidades, ações climáticas justas e prioritárias e prazos, cada vez mais apertados. O grito da terra e o grito dos pobres exigem-no.

Será neste sentido que esta exortação apostólica baseada na Laudato Si continua o seu diálogo aberto e sincero com todos os homens e mulheres de boa vontade? Achamos que sim e, acima de tudo, será um renovado ar de esperança continuar apostando na humanidade.

Enquanto aguardamos esta exortação do Papa, no Movimento Laudato Si continuamos comprometi­dos com um roteiro que nos leva à conversão ecológica individual e coletiva, através de ações concre­tas de defesa e mudanças de estilo de vida por parte de nossos amplos membros e dos animadores, capítulos e círculos Laudato Si. A Plataforma de Ação Laudato Si é um exemplo convincente desse iti­nerário.

A comunidade Laudato Si, além de ação, é uma rede global de solidariedade e oração.

Tal como acontece com a encíclica, a nossa fé renovada em Deus Criador une-nos numa vocação re­novada de cuidar da criação através da justiça climática e da biodiversidade, juntamente com outros, em solidariedade com todas as criaturas.

Só assim seremos um movimento de renovação da fé no seio da comunidade eclesial mundial. Movi­mento em que há esperança de mudança para um mundo melhor e sustentável, porque sabemos a partir desta fé que as coisas podem mudar.

Fr. Eduardo Agosta Sacarel |5. Setembro.2023

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