Mensagem Final do Capítulo Geral da Ordem Carmelita de 2025
Caros irmãos e irmãs do Carmelo
1. Com gratidão a Deus e a Nossa Senhora do Monte Carmelo, nós, delegados do Capítulo Geral Carmelita, reunidos em Malang, Indonésia, de 9 a 26 de setembro de 2025, refletimos sobre o tema: “ ‘Deveis fazer algum trabalho’ (Regra 20) – A nossa Fraternidade Contemplativa discerne a sua Missão”. Dirigimos esta mensagem final a toda a Família Carmelita.
Ação de graças e contexto
2. Estamos profundamente gratos à Província da Indonésia e ao Secretariado do Capítulo Geral pela sua extraordinária hospitalidade, organização e vitalidade, criando as melhores condições e ambiente possíveis para a celebração deste Capítulo Geral. Expressamos também a nossa gratidão ao Papa Leão XIV, que na sua carta, endereçada ao Capítulo, nos lembrou que as nossas raízes na oração silenciosa e no cuidado mútuo cultivam uma quietude que nos permite discernir os sinais dos tempos, especialmente a partir da perspetiva dos pobres (Const. 118). Ele sublinhou que a partilha da nossa vida de oração é o fundamento de todo o nosso serviço e confiou este Capítulo a Nossa Senhora do Monte Carmelo.
3. Os dias que passámos juntos foram marcados pela fraternidade, honestidade e discernimento orante. Com gratidão e reverência, lembrámo-nos também das quatro irmãs de nossa Ordem que passaram tragicamente para a vida eterna num acidente de viação na Tanzânia. À luz do Ano Jubilar, tornamo-nos mais conscientes de pertencer a uma Igreja mais ampla e peregrina. As nossas reflexões foram enriquecidas pelos relatórios do Prior Geral, do Conselho Geral, das Comissões e das quatro áreas geográficas da Ordem, bem como por contribuições de especialistas que nos ajudaram a ler os sinais dos tempos.1
1 Entre outros, escutámos: o P. Miguel Márquez Calle, OCD (Prepósito Geral), a Ir. Merry Teresa Sri Rejeki, H. Carm., a Ir. Sesilia, P. Karm., a Irmã Alvaresta, P. Karm., a Irmã Lusia Wahyuningrum, O.Carm., a Irmã Maria Brigitta Gitaningsih, O.Carm, Ruel Santos, O.T. Carm. das Filipinas, bem como uma representante da juventude de Timor-Leste, a sra. Merlinda Amaral.
4. Uma dessas vozes foi a Irmã Patricia Murray, IBVM. Baseando-se no caminho sinodal de comunhão, participação e missão da Igreja, ela lembrou-nos que a nossa resposta deve passar das palavras à ação. Devemos resistir à indiferença e encarnar a misericórdia e a transformação. Ela desafiou-nos a escutar a voz do Espírito Santo e a “alargar a tenda dos nossos corações”, levando o nosso carisma às periferias com coragem, empatia e esperança. A qualidade da nossa presença está acima de tudo o que importa, de modo que as pessoas veem a presença de Deus em nós.
5. Aprendemos que a missão brota da comunhão da própria vida de Deus, estendendo-se à criação e à história, e está firmemente enraizada na vontade salvífica universal de Deus (1 Tm 2,4). A Igreja não tem tanto uma missão, como a missão tem uma Igreja. O Espírito Santo chama-nos hoje a restabelecer o nosso “ser contemplativo diante do Senhor”. Essa identidade eliana, fundamentada no serviço, na oração e na fraternidade, é a fonte da ação profética em resposta aos clamores de nossa época: a situação difícil dos migrantes e refugiados, a destruição provocada pela guerra, as feridas da pobreza e da exclusão numa economia movida pela ganância, o fundamentalismo religioso e o racismo, as ameaças das mudanças climáticas e da degradação ambiental.
6. A essa luz, a passagem da Regra, 20, “Deveis fazer algum trabalho”, falou-nos novamente. O nosso “trabalho” não é apenas trabalho, mas o tecimento diário da oração, fraternidade e serviço, de modo que cada ação se torne uma missão contemplativa.
A nossa experiência juntos
7. Estes dias em Malang não foram meramente de debates, mas sobretudo momentos de discernimento fraterno, enriquecidos pela beleza da vida cultural e espiritual da Indonésia. O nosso “trabalho” não é simplesmente estar ocupados, mas permitir que a missão flua da misericórdia de Cristo para as realidades do nosso mundo. Fomos repetidamente recordados que a verdadeira liderança no Carmelo é definida pela autoridade que surge do testemunho de uma fraternidade enraizada na oração, na humildade e no serviço. A missão não é uma estratégia, mas uma resposta à misericórdia de Deus, que nos transforma numa comunidade de amor. Também buscamos a lucidez que só o Espírito Santo pode fornir para reconhecer as traves que obscurecem a nossa visão.
8. Neste Capítulo, experimentámos a nossa própria fraternidade como um trabalho contemplativo: escutar-nos profundamente uns aos outros, dialogar honestamente e partilhar a responsabilidade pela nossa missão comum. A diversidade de culturas aqui reunidas não foi um desafio, mas um dom, um sinal do caráter internacional do Carmelo hoje.
9. Este Capítulo lembrou-nos que o discernimento não é um acontecimento isolado, mas um modo de vida: permanecer atentos ao Espírito para que a nossa missão seja sempre renovada e responsiva às necessidades da Igreja e do mundo.
Enfrentando com esperança a realidade
10. O nosso confrade, Dom Wilmar Santin, O.Carm., da Prelazia Territorial de Itaituba, no Brasil, lembrou-nos que a missão pertence ao próprio coração da nossa identidade carmelita: enraizada na contemplação, expressa na fraternidade e enviada às periferias. Ele recordou a coragem e criatividade dos carmelitas na Amazónia e além dela, exortando-nos a passar de uma mentalidade de manutenção para um espírito de discipulado missionário, formando comunidades voltadas para o exterior e dispostas a adentrar nos novos espaços da pobreza, da migração e da crise ecológica.
11. O nosso irmão, o Bispo Henricus Pidyarto Gunawan, O.Carm., da Diocese de Malang, Indonésia, refletiu connosco sobre o carisma carmelita como um dom para a Igreja e para o mundo. Ele lembrou-nos que as nossas obras devem ter qualidade real, responder a necessidades concretas e ser credíveis em nós, que as oferecemos; autenticamente carmelitas, benéficas para o povo de Deus e testemunhadas na nossa vida quotidiana. Ele incitou-nos a equilibrar trabalho e oração, evitando a preguiça e o excesso de trabalho, para que nossa vocação não se torne superficial ou exausta. O silêncio, lembrou-nos ele, é essencial para a comunhão com Deus, enquanto a fraternidade exige trabalho em equipe e responsabilidade partilhada, em vez de isolamento ou individualismo. Inspirados por Elias e Jesus, somos chamados a defender os pobres e marginalizados, garantindo que as nossas obras apostólicas sejam sempre uma expressão autêntica do nosso carisma.
12.Estando na Indonésia, estivemos cercados pela presença de membros da religião islâmica. Fomos lembrados de que nas nossas Constituições afirmamos que o profeta Elias é para nós uma ponte para as outras religiões monoteístas. A Sra. Alissa Wahid, uma académica e ativista muçulmana, filha do ex-presidente da Indonésia, juntamente com nosso irmão Hariawan Adji, O. Carm., facultaram-nos algumas perspetivas extraordinárias sobre o que é possível através do diálogo e da mobilização inter-religiosos, que aproximam as pessoas.
13. Iluminados pelo testemunho de jovens carmelitas, fomos encorajados a ver que eles são atraídos por comunidades onde a autenticidade, a fraternidade, a devoção mariana e um ritmo de oração conduzem naturalmente ao serviço generoso. A sua esperança e paixão inspiram-nos a permanecer fiéis ao coração da nossa vocação.
14. Ao mesmo tempo, não podemos ignorar as realidades do nosso tempo. Na Europa, somos chamados a enfrentar o declínio das vocações e o peso das estruturas com honestidade e coragem, abrindo mão delas onde for necessário, enquanto abraçamos a nova energia dos encontros de jovens, da colaboração leiga e das redes internacionais. Nas Américas, somos chamados a nutrir vocações florescentes na América Latina. Na América do Norte, enfrentamos os desafios da redução de vocações e do envelhecimento com criatividade e solidariedade. Ao mesmo tempo, reconhecemos muitos sinais de vitalidade nos noviciados comuns, na formação partilhada e no compromisso renovado. Na África, somos chamados a fortalecer comunidades jovens vibrantes, investindo numa formação e liderança sólidas e buscando maior sustentabilidade financeira, para que possam crescer em autonomia e responsabilidade. Na Ásia-Austrália-Oceania, somos chamados a enraizar vocações abundantes, especialmente na Indonésia, Vietname e Timor-Leste, numa profunda fraternidade contemplativa, para que esta vitalidade continue a ser um verdadeiro dom e não se desvie para o mero ativismo.
15. Em todas as áreas, a salvaguarda, a vivência intercultural e o testemunho credível continuam a ser desafios urgentes. Para fortalecer a nossa resposta comum, o Capítulo Geral comprometeu-se a aprofundar a fraternidade intercultural e a garantir um testemunho autêntico em todos os contextos. Também decidimos implementar a salvaguarda com estruturas obrigatórias em toda a Ordem, garantindo proteção e responsabilização consistentes em todos os níveis.
Prioridades Emergentes
16. Guiados pela exortação da Regra de “Deveis ter algum trabalho”, o Capítulo identificou várias prioridades para a nossa Ordem e para a Família Carmelita em geral. A formação, tanto inicial, como contínua, deve nutrir a maturidade humana e espiritual e garantir que o nosso carisma seja vivido plenamente no mundo de hoje. Reconhecemos os jovens como “o agora de Deus” e comprometemo-nos a caminhar com eles, criando espaços autênticos onde as vocações possam crescer. O nosso discernimento e missão pertencem a toda a Família Carmelita. Juntos, frades, freiras, irmãs, membros da Terceira Ordem e leigos carmelitas, somos chamados a partilhar a responsabilidade pelo carisma que nos foi confiado. O testemunho e a vitalidade dos leigos, especialmente da Ordem Terceira, são indispensáveis para levar o espírito carmelita às famílias, paróquias e sociedade. Cada um contribui de acordo com a sua vocação, partilhando recursos e apoiando-se mutuamente, para que nenhuma comunidade caminhe sozinha. Esta solidariedade deve estender-se a todas as províncias e continentes em termos de formação, pessoal e recursos financeiros.
17. Ao discernirmos como comunidade os nossos compromissos apostólicos, manteremos aquelas obras que exprimem autenticamente o nosso carisma, adaptando-as aos contextos locais e aos sinais dos tempos e, quando necessário, abandonaremos aquelas que não servem mais ao Evangelho de maneira carmelita. Ao mesmo tempo, reconhecemos a importância de comunicar o nosso carisma com clareza e responsabilidade, usando com sabedoria os media digitais e tradicionais. A nossa resposta contemplativa ao clamor dos pobres e ao clamor da Terra permanece central na nossa missão, incitando-nos a defender a justiça, a paz e o cuidado da criação. Por fim, comprometemo-nos em renovar as nossas comunidades como testemunhas vivas de fraternidade, promovendo uma liderança visionária e voltada para o serviço e fortalecendo a nossa vida litúrgica como o coração do nosso testemunho da presença de Deus no mundo.
Seguindo em frente
18. Em Malang, experimentámos a fraternidade, a diversidade e a esperança. Reconhecemos as nossas limitações, mas também encontramos a abundância da graça de Deus. O que buscamos não é um otimismo piedoso, mas uma real esperança: uma esperança enraizada em Cristo, sustentada pela oração e vivida na fidelidade diária à fraternidade e à missão.
19. Como Carmelitas, sabemos que a oração no deserto não é fuga, mas fonte de vida, transformando-nos em água viva para o mundo. A nossa vocação é permanecer no amor de Deus para que as nossas comunidades irradiem alegria, gratidão e misericórdia. Olhando para o futuro, levamos adiante as perspetivas aqui adquiridas: que a missão flui da oração, que a própria fraternidade é missão e que o nosso carisma não é propriedade nossa, mas um dom de Deus à Igreja e ao mundo.
20. Para acompanhar os membros da Ordem ao longo dos próximos seis anos, elegemos uma nova liderança: Prior Geral, Desiderio García Martínez, O.Carm. (ACV); Vice Prior Geral, Franciscus Xavarius Hariawan Adji, O.Carm. (INDO); Procurador Geral, Michael Faruggia, O.Carm. (MEL); Ecónomo Geral, Christian Körner, O.Carm. (GER); Conselheiro Geral para a África, Erick Chrisostome N'Do, O.Carm. (BET); Conselheiro Geral para as Américas, Rolf Nepomuk (Nepi) Willemsen, O.Carm. (PCM); Conselheiro Geral para a Ásia-Austrália-Oceania, Robert Thomas Puthussery, O.Carm. (ISTA); e Conselheiro Geral para a Europa, Richard Byrne, O.Carm. (HIB).
21. Confiamos o nosso compromisso renovado a Nossa Senhora do Carmo, nossa Mãe e Irmã, sob cujo manto encontramos proteção e paz, e confiamos na dupla porção do espírito do Profeta Elias que nos foi dada. Que elas nos guiem a discernir o nosso “trabalho” como Carmelitas hoje: testemunhar a misericórdia de Deus, servir em fraternidade e caminhar humildemente com o povo de Deus.
22. Ao olharmos para o futuro, fazemo-lo com a confiança de que o Espírito de Deus que nos guiou em Malang continuar-nos-á a guiar. A caminhada dos próximos seis anos não está isenta de desafios, mas está repleta de oportunidades: sermos comunidades contemplativas em missão, um sinal vivo de esperança para a Igreja e para o mundo.
Malang, Indonésia
26 de setembro de 2025