Mensagem do Prior Geral a toda a Famíla Carmelita

Pela Solenidade de Nossa Senhora do Carmo

16 de Julho de 2023

 

O dia 16 de julho une pessoas de todo o mundo em celebração e ação de graças pelo dom do nosso amor a Maria, a Mãe de Deus, sob o título de Nossa Senhora do Carmo.

Na nossa tradição reconhecemos Maria como Mãe e Irmã. Sob estes dois títulos gostaria de refletir convosco, este ano, sobre o mundo em que vivemos, aquele mundo que Deus tanto ama - e sempre amou -, que lhe enviou o seu único filho como Salvador.

Agora esse mundo está a sofrer, a própria terra está sofrendo e as pessoas em todas as par­tes do mundo vivem cada dia sem nenhuma segurança ou esperança para o futuro. As suas con­dições são determinadas, não por boa ou má sorte, não por sua própria vontade ou falta de vontade de trabalhar e ser responsável, mas por condições que são determinadas pelas polí­ticas sociais e económicas daqueles com poder e ganância e pela ganância daqueles que usaram os seus talentos para ganhar cada vez mais para si mesmos e os seus círculos imediatos, sem consideração pelas pessoas fora desses círculos.

Esse é o nosso mundo como é hoje, ou melhor, nada mais que uma dimensão do mundo como é hoje. A outra dimensão é aquela em que as pessoas vivem com responsabilidade e compro­misso, algo que reconhecemos no trabalho de indivíduos e organizações que são construtores de um mundo de justiça e igualdade. Essas pessoas são muitas e vêm de diferentes escolas de formação, de diferentes religiões e não-religiões, pessoas que têm o sentido de igualdade e que agem com justiça nas suas próprias vidas e procuram a justiça nas nossas instituições e governos. Nós, carmelitas, estamos lá. Estamos lá por causa da nossa vocação carmelita que nos ensina os valores pelos quais Jesus deu a sua vida, e que Maria e Elias e os nossos santos carmelitas exemplificaram na sua abertura a Deus e no seu amor pelos irmãos e irmãs, vivendo no mundo.

A minha alma proclama a grandeza do Senhor Lc 1.46

Ninguém vive sozinho. A nossa vida é feita de relações e vivemos numa casa comum que tem de ser uma casa cheia para todos. Portanto, em tudo o que fazemos, procuramos construir e manter um bom relacionamento com Deus, com o próximo, com a família, com todos os ou­tros seres humanos e com a própria terra. Bons relacionamentos são aqueles em que os par­ticipantes crescem e atingem a maturidade. Até o próprio Deus "cresce" se acreditarmos que sua glória é a pessoa humana plenamente madura. A terra também cresce de acordo com o plano de seu criador. Bom relacionamento é o que entendemos por justiça. É o que devemos construir sempre para viver no respeito da dignidade de cada pessoa humana criada à imagem e semelhança de Deus.

No Carmelo honramos a Virgem Maria com o título de Senhora do Lugar. Entendemos o Car­melo como um lugar de beleza, um jardim cheio de belas flores, cheiros e cores agradáveis, crescimento e harmonia constantes. Maria é a Senhora daquele lugar, santificada e bela pela vida das pessoas que vivem naquele lugar sob o manto de Maria. Assim como os carmelitas são chamados a uma vida de oração, também são chamados a dedicar sua vida a cultivar o lugar que pertence a Maria.

Um olhar sobre o mundo mostra-nos onde é que os carmelitas cumprem essa vocação. Está presente em tudo o que fazemos. Está na vida das nossas monjas de clausura, nos seus mosteiros, na vida das irmãs carmelitas que trabalham com os doentes, ou nas escolas, ou no seu ministé­rio paroquial, está na vida dos leigos que vivem honestamente e comprometidos em fazer o melhor para criar ambientes onde as pessoas possam viver com dignidade e amizade, está presente na vida dos frades nas suas comunidades, suas paróquias, escolas, capelanias prisio­nais, assistência aos enfermos, acompanhamento espiritual e na sua vida comunitária. É ver­dade que às vezes continuamos a trabalhar sem uma grande consciência do bem que esta­mos a fazer e da diferença entre o nosso mundo e o mundo dos gananciosos e indiferentes. Mas a diferença existe e é motivada pela nossa oração e pela nossa vida em comunidade.

Essa busca pela justiça também se vê no trabalho das pessoas nas periferias. São muitos os car­melitas que se aproximaram de maneira particular dos sem-abrigo, dos presos na tirania da de­pendência química, dos que não têm acesso à educação nem aos serviços de saúde e precisam da ajuda de pessoas que amam com amor evangélico.  A nossa história fala-nos de um compro­misso constante com os pobres. Naquele lugar que Maria vela, os pobres têm um lugar privi­legiado. Naquele lugar, os pobres ensinam-nos a manter a esperança quando há poucos sinais de esperança, além da confiança em Deus e nas pessoas humanas. É notável que, tendo sido tão maltratados pelas pessoas, os pobres continuem a ter esperança nas pessoas. O mundo dos pobres, o lugar de Maria, é um lugar acolhedor. As grades foram retiradas, as câmaras de segurança, os cães de guarda, não há o que defender. Essa é também a nossa pobreza, que nada temos a defender, porque Deus é quem nos defende e a única coisa que somos chamados a defender é o nome de Deus, para que não seja usado para justificar inte­resses egoístas, e a imagem de Deus que está no rosto e na vida de cada um de nossos irmãos.

Se por algum motivo há carmelitas que vivem num mundo construído em torno de si mesmos e das suas próprias necessidades e ideias, um mundo egoísta que se apresenta como um mundo religioso, então a celebração de Nossa Senhora do Carmo pode ser um momento para refletir e sair da busca dos nossos próprios interesses egoístas. O sim de Maria é para todos nós o exemplo de quem escuta a voz de Deus. Essa voz hoje chega até nós através da Palavra, da Igreja e do mundo, onde o grito dos pobres continua mais forte do que nunca e espera a res­posta de pessoas que se consagraram a viver como dom a Jesus Cristo. Hoje Maria assume esse mesmo choro. Maria chora ao ver os seus filhos e filhas que não sabem dizer não à guerra, ao uso cruel e indiscriminado de armas, ao abandono dos "descartáveis", ao desleixo para com os idosos, às decisões arbitrárias sobre a vida do nascituro.

Não podemos continuar indiferentes à produção, venda e uso de armas de todos os tipos, no mundo de hoje. Tem que haver uma maneira de reconhecer que uma arma não tem outro propósito senão ferir ou destruir a vida de um organismo vivo, na maioria das vezes uma pes­soa humana. Não podemos ver o talento de tantos jovens desperdiçado enquanto vivem nas ruas e lutam para entrar em gangues que, por crueldade e desespero, destroem a vida de seus membros e de outras pessoas que se interpõem em seu caminho. Não podemos fechar o co­ração às crianças que são obrigadas a crescer em campos de refugiados ou à beira de rios secos, sem nada para comer e nada para beber e com vidas que duram apenas alguns dias. Para todos com o tipo de compromisso e sensibilidade que construirão um mundo justo e pacífico, Laudato si. Louvado seja Deus! Louvado seja nas nossas vidas e em todas as nossas ações voltadas para a construção do mundo que Deus preparou para nós. Para o conseguir, Deus continuará sempre como aquele que «faz maravilhas com o seu braço: dispersa os sober­bos de coração, derruba os poderosos dos seus tronos e exalta os humildes, enche de bens os famintos e despede os ricos de mãos vazias».

Que estes dias de festa sejam uma inspiração para todos nós fazermos tudo o que pudermos, sabendo que se fizermos mais, o Senhor nos recompensará em seu retorno.

Nossa Senhora do Carmo, rogai por nós.

Fraternalmente,
Míċeál O'Neill, O. Carm.,
Prior Geral

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