Carta aos Frades Carmelitas, às Irmãs Contemplativas, aos Irmãos e Irmãs das Congregações de Vida Apostólica, aos Membros da Ordem Terceira do Carmo, aos Leigos Carmelitas e a todos os que celebram com devoção especial a Festa de Nossa Senhora do Monte Carmelo:
Maria guardava todas estas coisas meditando-as em seu coração (Lc 2, 52).
Queridas irmãs e irmãos no Carmelo:
Neste dia de festa, em que nos alegramos por ser irmãos e irmãs da Bem-Aventurada Virgem Maria do Monte Carmelo, dirijo-me a cada um de vós com o vínculo do amor. Nestes dias, estamos a pensar muito, reflectindo, como Maria, sobre tudo o que está a acontecer no nosso mundo. Maria conservava todas estas coisas no seu coração (Lc 2, 19), e, ao reflectir sobre o que acontecia no seu mundo, encontrou a vontade de Deus. Maria, a contemplativa, Maria, cheia de graça, cheia de Deus, cheia de Evangelho: este é o tipo de pessoa que pode responder ao que está a acontecer no mundo de hoje.
No tempo de confinamento, é possível que nós, como pessoas que acreditam em Deus e capazes de reflectir, tenhamos encontrado nestas novas condições novas oportunidades de solidariedade e de evangelização do mundo. Aqui há novas manifestações da vontade de Deus que nos ajudam a crescer e a amadurecer como guardiães do nosso mundo e uns dos outros.
Nós crescemos juntos nas nossas comunidades. Obrigados a ficar em casa, reflectindo sozinhos ou com outros, descobrimos muito acerca das verdades da nossa fé e da nossa vocação carmelita. Enquanto alguns de nós celebrámos incessantemente a Eucaristia, outros tiveram que recorrer à internet e fazer a comunhão espiritual. Isto originou perguntas acerca de como valorizamos a Eucaristia. Para as pessoas que a celebram diariamente foi difícil adaptar-se a estar privadas dela. Para as pessoas que eram fiéis à Eucaristia dominical foi uma novidade muito grande saber que não precisavam de ir à missa. Quando voltarmos à celebração normal da Eucaristia, talvez a celebremos com maior convicção e compreensão, depois daquele jejum eucarístico.
Vivemos com restrições e com medo durante muitos meses. Há famílias de luto. Os hospitais continuam ainda a cuidar vítimas do coronavírus. Os médicos, as enfermeiras, os profissionais da saúde, mostraram toda a sua entrega, o seu profissionalismo e zelo, para além do seu saber. As pessoas fizeram sacrifícios para garantir que houvesse pão na nossa mesa e em todo o lado se avaliaram os prejuízos causados pela pandemia em entes queridos mortos, doenças, desemprego e a falta de recursos económicos.
Podemos dizer que estamos a viver uma explosão de humanidade.
Se tudo isto ficou para trás, poderíamos assumir uma visão diferente, mas agora que estamos a aprender a conviver com o vírus e tentamos não ceder ao medo do que pode vir mais adiante, todos temos que nos perguntar como temos de cuidar uns dos outros, como temos que actuar no futuro, para reduzir os efeitos negativos do vírus e para criar uma sociedade onde o medo não nos domine e nenhum necessitado seja abandonado. Poderia ser simplesmente uma questão de cuidar e partilhar.
Ardo de zelo pelo Senhor (1Reis 19, 10).
Gerar, cuidar e proteger são alguns dos carismas que vemos em Maria, a Mãe de Deus e nossa Mãe. Quando penso nas diversas comunidades carmelitas de homens e mulheres em todo o mundo, impressiona-me a importância que esta Festa tem para todos nós. Em alguns lugares dura apenas um dia; noutros lugares são três dias de reflexão e oração e, noutros, são nove dias de novena. As celebrações estão imbuídas de fervor e devoção e da convicção que nos faz pensar que talvez este seja um momento no qual nós, como carmelitas, somos mais zelosos.
O mundo de hoje está a pedir-nos que sejamos zelosos. Os carmelitas repetiram as palavras do profeta Elias ao longo dos séculos: “Ardo de zelo pelo Senhor, Deus dos exércitos” (1Reis, 19, 10). A nossa celebração da Festa de Nossa Senhora do Carmo pode ser um momento muito apropriado para renovar, reviver e direccionar o nosso zelo. Quatro dias depois teremos outra oportunidade, quando celebrarmos a festa do profeta Elias.
O zelo é um dom. Por isso, temos de pedi-lo na oração. Temos que pedir a Deus que nos dê o zelo para sermos o que dizemos ser. Mas a palavra “zelo” nem sempre é atractiva. Às vezes soa a extremismo. Não sentimos automaticamente o desejo desse zelo. Recordo o zelo de João Baptista, a voz que clama no deserto, que se alimentava de gafanhotos e mel silvestre (Mc 1, 7), e comparo-o com a calma de Jesus a falar às pessoas na sinagoga (Lc 4, 21-22). Penso no Evangelho, onde vemos Cristo na Cruz e Maria e João junto dela. Todos estes momentos são de zelo, se por zelo entendemos um coração que arde de desejo de tudo o que é bom e um espírito que se esforça e se sacrifica por consegui-lo. A globalização do zelo pode se o antídoto para a globalização da indiferença, de que o Papa Francisco tantas vezes fala.
E ninguém era abandonado na sua necessidade (Act 2, 45).
Quando tomamos consciência das nossas necessidades recíprocas, damo-nos conta que estamos a entrar numa nova era de partilha. Dentro da nossa Família, sabemos que algumas comunidades perderam as entradas dos seus recursos económicos. Entre os leigos carmelitas há os que perderam o seu emprego e cujos lares podem estar ameaçados pela pobreza. Os novos projectos da nossa Família precisarão sempre de recursos. Em vista das necessidades que estão a emergir, temos de voltar a olhar para o modelo da comunidade cristã primitiva, uma imagem e uma realidade que inspirou a nossa Regra carmelita. Esta comunidade é descrita deste modo: “Eram assíduos ao ensino dos Apóstolos, à união fraterna, à fracção do pão e às orações. Perante os inumeráveis prodígios e milagres realizados pelos Apóstolos, o temor dominava todos os espíritos. Todos os crentes viviam unidos e possuíam tudo em comum. Vendiam terras e outros bens e distribuíam o dinheiro por todos, de acordo com as necessidades de cada um” (Act 2, 42-45). Quando tomamos consciência das nossas necessidades mútuas e se ninguém deve ser deixado na necessidade, podemos ajudar-nos reciprocamente e, assim, ser um exemplo para os outros, e que tipo de partilha no futuro será necessária para a nossa sociedade. Vem-nos à mente o diálogo do evangelho de São João (Jo 6, 9-10), onde André nos diz: “Há aqui um rapazinho que tem cinco pães de cevada e dois peixes, mas, que é isto para tanta gente?”. No fim, houve comida para todos. No nosso zelo pelas coisas do Evangelho, devemos aceitar este desafio com a sabedoria de Maria, nas Bodas de Caná: “Fazei tudo o que Ele vos disser” (Jo 2, 5).
A Festa deste ano será diferente da de outros anos. Como família, fomos poupados de maneiras diversas, mas não esquecemos os que morreram na Holanda e na Itália. Que a celebração deste ano seja marcada pela nossa oração pelas pessoas, as famílias e as comunidades que sofreram os piores efeitos da Covid-19.
Nesta Festa, que cada um de nós escute as palavras ditas por Jesus na cruz: “Eis aí o teu filho”, “Eis aí a tua mãe” (Jo 19, 26-27) e saiba que, assim como o nosso Salvador nos entregou uns aos outros e a Maria, possamos também nós saber como cuidar uns aos outros na casa comum que é abençoada pela presença de Maria, nossa Mãe e Irmã.
O Prior Geral