A Regra da Ordem Terceira do Carmelo – Caminho de Santidade


Nesta conferência, a primeira do 29º Encontro da Família Carmelita da Região Ibérica, vamos abordar “a Regra da Ordem Terceira do Carmelo como caminho de santidade”. O nosso tema inspira-se diretamente no lema deste nosso Encontro, extraído da Regra de Santo Alberto: «Este caminho é bom e santo: segui-o» (R 20).

A atual Regra da Ordem Terceira do Carmelo foi promulgada pelo Prior Geral Fr. Joseph Chalmers, no dia 16 de Julho de 2003. Divide-se em duas partes. Uma vez que a segunda apresenta os estatutos gerais, deter-nos-emos na primeira parte, onde se expõe a “espiritualidade e carisma” da Ordem Terceira carmelita, composta por fiéis, quer leigos, quer clérigos (S. José Maria Escrivá e o arcebispo Fulton Shean foram terceiros carmelitas).

1. A Regra da Ordem Terceira (RT) segue um percurso lógico, a que nos iremos ater. A linha que a norteia, desde o preâmbulo é o flores­cimento no seio do Carmelo de «formas de espiritualidade laicais», inspiradas na Regra de Santo Alberto, que constituem «uma via privilegiada e segura para o caminho de santidade de grande número leigos», que assim são «capazes de encarnar… o carisma do Carmelo e viver a espiritualidade do mesmo segundo a sua própria condição de vida» (RT, preamb.).

A santidade é a meta a que todos os fiéis do povo de Deus «sem distinção de estado ou grau» são chamados em virtude do seu batismo (RT 1)

Em que consiste a santidade? Em nada mais do que em viver o batismo até às últimas consequências. A santidade é a «plenitude da vida cristã», que se traduz na «perfeição da caridade» (cf. Ef 1,4), a qual «promove também na sociedade um teor de vida mais humano».

A santidade é, pois, uma caminhada de toda a vida, seguindo a Jesus Cristo, abraçando os conselhos propostos por Ele no Evangelho», empenhando-se na «transformação do mundo segundo o espírito das bem-aventuranças» (RT 2). É uma caminhada diária, feita dia após dia, pois, como se diz, «ninguém é chamado a tornar-se santo num só dia, mas a ser santo no seu dia-a-dia».

Entre as diversas formas, dons e carismas em que se traduz o seguimento de Jesus Cristo acham-se as famílias religiosas «que oferecem aos seus membros as vantagens de maior estabilidade no modo de viver, uma doutrina consolidada pela experiência e a vivência de pessoas santas, para atingirem a perfeição evangélica» (RT 3).

Entre os fiéis, «alguns leigos, por um chama­mento e vocação especiais, participam do carisma das Famílias religio­sas, património comum do Povo de Deus, que se torna também para eles uma fonte de energia e uma escola de vida» (RT 4).

2. Este é o caso da Ordem Terceira do Carmo (ou Ordem Carmelita Secular), cujos membros participam da vida e missão do Carmelo segundo a sua dimensão própria, a secular (RT 10).

O Terceiro vincula-se ao Carmelo mediante a profissão, mediante a qual «se consagra mais profundamente a Deus e intensifica as promessas batismais de modo a conformar-se plenamente com Cristo». Tal como S. Teresinha do Menino Jesus, ele não procura uma santidade própria, mas sabendo «que comparece diante do Senhor de mãos vazias, põe todo o seu amor esperançoso em Cristo Jesus, que se torna pessoal­mente a sua santidade, a sua justiça, o seu amor e a sua coroa, afirmando constantemente «o primado de Deus e a opção prioritária de amar o próximo» (RT 12).

Assim unido a Cristo, ele é interiormente transformado, de modo a alcançar «a liberdade de amar Deus e o próximo acima de todo egoísmo», consistindo «exatamente a santidade neste duplo preceito» (RT 13).

Assumindo pela profissão «o compromisso de viver o Evangelho radica­lmente, segundo o próprio estado» (RT 14), os terceiros reconhecem «nos carmelitas consagrados uma válida direção espiritual» (RT 15).

Os leigos carmelitas são, assim, membros plenos do Carmelo, contribuindo «através da sua secularidade e do seu serviço específico para o enriquecimento de toda a Família Carmelita» (RT 16).

3. A partir daqui a Regra passa a explicitar a vocação específica do Carmelita Secular, ou seja, o seu caminho de santidade (RT 17-49).

Sendo um chamamento a ser um outro Cristo e um carisma no seio da Igreja, o Carmelo encarna-se na vida de cada carmelita, na medida do dom que lhe foi concedido. A forma do Terceiro carmelita viver o Evan­gelho no meio deste mundo (o século) apresenta-se em doze itens intrinsecamente unidos:

  • a busca e adesão a Deus, como o único Senhor (RT 17);
  • que se traduz no seguimento de Cristo, unidos a Ele (RT 18-19);
  • no seio Igreja (RT 20);
  • mediante a conversão, purificação e transformação em Cristo, por ação do Espírito Santo (RT 21-22);
  • a fim de participar na missão de Cristo, sacerdote, profeta e rei (RT 23-27);
  • animando as realidades temporais pelo Espírito de Cristo (RT 28-29);
  • segundo o carisma do Carmelo (RT 30-31), que se caracteriza
  • a) pela dimensão contemplativa (RT 32-33), que,
  • a exemplo da Virgem Maria e do profeta Elias (RT 34-35),
  • se nutre de uma vida imbuída pela oração, em todas as suas dimensões (RT 36-41); e que se exprime
  • b) na fraternidade em relação aos membros do sodalício, de toda a família carmelita, da comunidade eclesial e a cada ser humano em particular (RT 42-45);
  • c) e se traduz no serviço à Igreja, à Ordem e ao mundo, informando todas as realidades temporais com o Evangelho (RT 46-49).

Em todos estes pontos a santi­dade aparece como o fundamento, o coração e a meta do Carmelita Secular.

1) A santidade nasce da iniciativa de Deus, tem a sua origem no Seu amor, é um dom inteiramente gratuito dele: «A vida espiritual – ou seja, a vida segundo o Espírito – começa com a iniciativa do Pai, que, mediante o Filho e no Espírito Santo dá a cada homem e a cada mulher a sua vida e santidade, chamando cada um a viver uma misteriosa relação de comunhão com as pessoas da Santíssima Trindade… A procura de Deus por parte de um carmelita secular e a sua obediência ao senhorio de Nosso Senhor Jesus Cristo é uma resposta, impulsionada pelo Espírito, à sua voz. O caminho de um terceiro começa com o ato de fé que o faz acolher Jesus e o acontecimento pascal como o sentido da sua vida, e o leva a deixar-se conduzir por Ele, pondo-o no centro de sua própria vida. Enraizados assim no amor misericordioso de Deus, os leigos carme­litas propõem-se subir o Monte Carmelo, cujo cume é Cristo Jesus» (RT 17).

2) Esta caminhada leva-se a cabo no seguimento de Cristo, a quem há que servir «fielmente com coração puro e boa consciência» (R 2), imbuindo-se de tal modo do seu Espírito, que tudo se faça na palavra do Senhor (R 15) de modo a poder repetir com S. Paulo: “já não sou eu que vivo; é Cristo que vive em mim” (Gl 2,20)» (RT 18).

Desta forma o terceiro deve incrementar a sua relação com Jesus Cristo, de modo que seja «pessoal, calorosa, afetuosa e constante», nutrindo-se para isso da Eucaristia, da vida litúrgica, da escuta e leitura da Sagrada Escritura e das diversas formas de oração (RT 19).

3) O «seguimento de Cristo realiza-se na plena pertença à Igreja», da qual é membro, pelo batismo. «Deste modo, em companhia dos demais, segundo a vocação e os dons de cada um, pode contribuir para a grandiosa obra de edificação do único Corpo de Cristo» (RT 20).

4) Isto implica uma vida de continua e profunda conversão, que envolve toda a sua vida em todas as suas dimensões, de modo a progredir, sem desvios, rumo ao cume do monte da salvação que é Jesus Cristo, Senhor (RT 21).

Para aí chegar, o terceiro carmelita deve passar pela experiência do deserto, na qual, impelido pela chama viva do amor de Deus, se realiza um despo­jamento e transformação interiores, que faz com que o carmelita secular «se desapegue de tudo» e se revista de Cristo, de modo a que a imagem viva de Cristo nele resplandeça, transformando-o numa nova criatura (RT 22).

5) Esta gradual transformação impele o terceiro «a um empenho sério e decisivo em favor da transformação do mundo» (RT 23), participando assim de forma «própria e absolutamente necessária» «da missão de Jesus Cristo», sacerdote, profeta e rei, «e dando-lhe continuidade na Igreja, tornando-se como que “uma humanidade de acréscimo”» dele (RT 24).

a) Em virtude do sacerdócio batismal, ornados pelos carismas divinos, os terceiros «são chamados à edificação de comunidade eclesial, participando na vida litúrgica da comuni­dade e empe­nhando-se para que a celebração se prolongue na vida concreta» (RT 25).

b) Pela «participação no múnus profético de Cristo e da Igreja, o terceiro empenha-se, nas diversas profissões e atividades seculares, por assimilar o Evangelho na fé, anunciando-o por meio das suas obras» (RT 26).

c) Pela participação na realeza de Cristo, «o terceiro… é chamado ao serviço do Reino de Deus e à sua expansão na história», empenhando-se «em servir, na justiça e na caridade, ao próprio Jesus presente em todos os irmãos e irmãs, sobretudo nos pequeninos e nos marginalizados», dando «à criação todo o seu valor originário» (RT 27).

6) Sendo a missão específica do terceiro «tratar corretamente das coisas do mundo e ordená-las segundo a vontade de Deus», ele contribuiu para a santificação do mundo, empenhando-se no seu trabalho, com o espírito do Evangelho e animado pela espiritualidade carmelita», em «iluminar e ordenar as atividades do mundo, de modo que se realizem segundo Cristo» (RT 28-29).

7) Os terceiros carmelitas, participam assim «de forma diversa e gradual do carisma e espiritualidade da Ordem» carmelita», recebendo «o mesmo chamamento à santidade compreendida como padrão da vida cristã ordinária» (RT 30; cf. João Paulo II, Novo millennio ineunte, 31).

O carisma carmelita é apresentado nas suas três dimensões, intimamente ligadas entre si, formando o todo que o Carmelo é: 1) uma fraternidade evangélica, 2) profético-contemplativa que, à imagem de Elias e como Maria, vive em obséquio de Jesus Cristo 3) ao serviço da Igreja e do povo, tendo como centro unificador a união com Deus, tal se ilustra neste diagrama de Venn:

Enriquecidos do carisma carmelita (RT 31), os leigos carmelitas:

8) Animados pelo dom da contemplação, «são chamados a viver na presença do Deus vivo e verdadeiro e a procurar a intimidade divina», deixando-se transformar «na mente e coração», pelo Espírito Santo, abrindo-se «à ação imediata e plena da misericórdia de Deus na vida de cada um. Descobrem-se irmãos e irmãs, chamados a partilhar o caminho comum em direção à plena santidade e a levar a todos» o Evan­gelho, sempre dispostos a comprometer-se e a cooperar com Deus nas Suas obras (RT 32).

Dando na sua vida a prioridade absoluta «à procura “do Reino de Deus e da sua justiça” (Mt 6,33)», «na família, no ambiente de trabalho e na vida profissional, nas responsabilidades sociais e eclesiais, nas ações de cada dia, no relacionamento com o próximo, os leigos carmelitas procuram» fazer «com que germine a semente da salvação segundo o espírito das bem-aventuranças, com humilde e constante exercício das virtudes» (RT 33).

9) Na sua caminhada, têm presentes, como modelo, inspiração e guia, a Virgem Maria e o profeta Elias (RT 34-35).

10) À semelhança deles, os leigos carmelitas progridem na vida cristã, centrados em Jesus Cristo e unidos a Ele, cultivando uma íntima relação de amizade com Ele através de «uma intensa vida de oração» (RT 36), «nutrida pela Eucaristia» e, se casados, vivendo «com intensidade e novidade cristã a própria vocação à santidade matrimonial» (RT 37).

Cultivado «em grau máximo a oração nas suas diversas formas», em especial a liturgia das horas, a lectio divina» e o Rosário (RT 38-39.41), como Irmãos da Bem-aventurada Virgem Maria do Monte Carmelo trazem «com grande veneração o santo escapulário», procurando «revestir-se interior­­mente de Cristo, para manifestar na vida a Sua presença salvífica» (RT 40).

11) A dimensão contemplativa, que imbuiu toda a vida, exprime-se na fraternidade, vivida no seio da própria família, na paróquia, no próprio sodalício, «no ambiente de trabalho e no meio onde vive» (RT 42), bem como em relação aos outros membros da Família Carmelita, da Igreja e em relação a cada ser humano de qualquer nação (RT 45)

O seu relaciona­mento fraterno com os outros destaca-se «pela simplici­dade e autenticidade», pelo empenho e espírito de colaboração na missão da Igreja «nas mais diversas situações e condições» (RT 43), procurando cada leigo carmelita ser «uma centelha de amor fraterno lançada em direção ao jardim da vida, capaz de incendiar quem quer que dele se aproxime», reconhecendo no outro os traços do rosto de Deus» (RT 44).

12) A oração e a fraternidade traduzem-se no serviço à Igreja, à Ordem e ao mundo. Como todo o batizado, «o leigo carmelita é chamado a realizar algum tipo de serviço, parte integrante do carisma dado à Ordem por Deus».

Este serviço é antes de mais exercido no mundo, «ou seja, nas múltiplas e diversas atividades, económicas, sociais, legislativas, administrativas e culturais, destinadas a promover o bem comum» (RT 46).

Traduz-se também no apostolado, procurando atrair os outros a Cristo e esforçando-se «por criar ocasiões oportunas para o anúncio de Jesus Cristo, proclamando a mensagem sempre nova» do Evangelho» (RT 47), sem se deixarem desani­mar (RT 48).

Com o seu trabalho e atividades temporais, como «testemunhas… da íntima e vital união com Deus», sabem-se chamados a ser «“sal da terra” e “luz do mundo”» e a anunciar ao povo o conhecimento da salvação» (RT 49).

Desta forma, os terceiros carmelitas, enquanto peregrinam sobre a terra rumo à pátria do céu, «empenham-se em encarnar nas suas próprias vidas a vocação carmelita», «procurando compreender com o auxílio dos santos, todas as dimensões da caridade de Cristo que supera toda ciência… Enraizados e fundamentados na caridade (Ef 3,17), sempre vigilantes e trazendo nas mãos as lâmpadas acesas (cf. Mt 25,1-13), conscientes de que “ao entardecer serão julgados sobre o amor”, multiplicam os próprios talentos, para que na hora da morte, mereçam ouvir do Senhor o convite para entrar na sua glória» (RT, Epílogo), e aí participar da plenitude de vida, de amor e de santidade em íntima comunhão com o Deus três vezes Santo à qual foram chamados pelo batismo, para, cooperando na obra de salvação do mundo, serem louvor da glória da graça de Deus (cf. RT 29, 47; Ef 1,6.12.14).

Fr. Pedro Bravo, oc, Fátima, 29 de junho 2024

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