VI - A MINHA CONVERSÃO
Andava pois já a minha alma cansada e, embora quisesse, não a deixavam descansar os ruins costumes que tinha. Aconteceu-me que, entrando um dia no oratório, vi uma imagem, que para ali trouxeram a guardar; tinham-na ido buscar para certa festa que se fazia na casa. Era a de Cristo muito chagado e tão devota que, ao pôr nela os olhos, toda eu me perturbei por O ver assim, porque representava bem o que passou por nós. Foi tanto o que senti por tão mal Lhe ter agradecido aquelas chagas, que o coração, me parece, se me partia e arrojei-me junto d’Ele com grandíssimo derramamento de lágrimas, suplicando-Lhe me fortalecesse de uma vez para sempre para não O ofender.
Era muito devota da gloriosa Madalena e muitas, muitas vezes, pensava na sua conversão, em especial quando comungava. Como sabia de certeza que o Senhor estava ali dentro de mim, punha-me a Seus pés, parecendo-me que não eram de rejeitar as minhas lágrimas; nem mesmo sabia o que dizia, que muito fazia Ele consentindo que as derramasse por Sua causa, pois tão depressa olvidava aquele sentimento. Encomendava-me àquela gloriosa Santa para que me alcançasse perdão.
Mas, esta última vez, desta imagem que digo, parece-me que me aproveitou mais, porque estava já muito desconfiada de mim e punha toda a minha confiança em Deus. Penso que Lhe disse então que não me levantaria dali até que fizesse o que Lhe suplicava. Creio certamente que me aproveitou, porque fui melhorando muito desde então.
Por este tempo, deram-me as «Confissões» de Santo Agostinho. Estou certa que o Senhor assim o ordenou, porque não as procurei nem nunca as tinha visto. Sou muito afeiçoada a Santo Agostinho, porque o mosteiro onde estive de secular era da sua Ordem; e também por ter sido pecador. Nos Santos que, depois de o terem sido, o Senhor voltou para Si, achava eu muito consolo, parecendo-me que neles havia de encontrar ajuda; e assim como o Senhor lhes havia perdoado, podia fazer a mim. Uma coisa me desconsolava, como disse; a eles, o Senhor só uma vez havia chamado e não voltavam a cair; a mim eram já tantas, que isto me afligia. Mas pensando no amor que me tinha, tornava a animar-me, pois da Sua misericórdia jamais desconfiei; de mim, muitas vezes.
Quando comecei a ler as «Confissões», parecia-me ver-me ali. Comecei a encomendar-me muito a este glorioso Santo. Quando cheguei à sua conversão e li como ouviu aquela voz no jardim, não me parecia senão que o Senhor me falava a mim; de tal modo o sentiu o meu coração. Estive um grande bocado que toda me desfazia em lágrimas, e dentro de mim mesma com grande aflição e fadiga.
Oh! o que sofre uma alma, valha-me Deus, por perder a liberdade que havia de ter de ser senhora, e que tormentos padece! Admiro-me agora como podia viver em tanto tormento. Seja Deus louvado, que me deu vida para sair de morte tão mortal!
Estou convencida que a minha alma ganhou tantas forças da Divina Majestade, que deve ter ouvido meus clamores e ter tido dó de tantas lágrimas. Começou a crescer em mim a disposição de estar mais tempo com Ele e a tirarem-se-me dos olhos as ocasiões; porque, uma vez afastadas estas, logo voltava a amar Sua Majestade. Bem entendia eu, a meu ver, que O amava, mas não compreendia em que consistia o amar deveras a Deus, como o devia entender (V 9, 1-3. 7-9).
Santa Teresa de Jesus