Deus nunca Se cansa de nos perdoar
Comunicação aos Confessores do Santuário de Fátima (Excerto)
[...] No Sacramento da Reconciliação temos a oportunidade de aprender o que significa: “prefiro a Misericórdia ao Sacrifício”. Quando se olha misericordiosamente, olha-se com os olhos do coração. Olha-se tendo-se a consciência de que ambos somos vulneráveis, frágeis, necessitados da Graça. O Papa Francisco reitera isto mesmo quando nos diz: “Com efeito, a celebração deste Sacramento exige uma adequada e actualizada preparação, a fim de que quantos dele se aproximam «toquem sensivelmente a grandeza da misericórdia [...] fonte de verdadeira paz interior»” (cf. Bula Misericordiae Vultus, 17). São Paulo, na sua primeira carta a Timóteo, proporciona-nos umas sapientes palavras que muito nos podem ajudar na hora de franquear a porta do confessionário: “Dou graças àquele que me confortou, Cristo Jesus Nosso Senhor, por me ter considerado digno de confiança, pondo-me ao seu serviço, a mim que antes fora blasfemo, perseguidor e violento. Mas alcancei misericórdia, porque agi por ignorância, sem ter fé ainda. E a graça de Nosso Senhor manifestou-se em mim com superabundância, juntamente com a fé e o amor que está em Cristo Jesus. Eis uma palavra digna de fé e de toda a aceitação: Cristo Jesus veio ao mundo para salvar os pecadores, dos quais eu sou o primeiro.” (1 Tim 1,12-15). Estas palavras tornar-se-ão um auxiliar precioso para percebermos como o caminho, para ir pela vida como samaritanos, passa por descobrir que Jesus é ao mesmo tempo o Samaritano e o homem meio-morto à beira do caminho com quem temos que aprender. É- o enquanto escancara a grande porta da Encarnação e vem até mim e de mim cuida e carrega fazendo suas as minhas/nossas feridas e dando-me/nos a Salvação, levando-me com Ele no seu regresso à casa do Pai. Ao contrário do sacerdote e do levita, que foram observantes e não se tornaram impuros ao não tocar o homem maltratado, o Samaritano (Jesus) escolhe ficar impuro, para que nós sejamos salvos. Algumas notas práticas que nos ajudam a não tomarmos o lugar do fariseu, que convidou Jesus para comer em sua casa e que quer ensinar a Deus como deve agir:
1. Se vem é porque quer mudar
Algumas vezes, chegam até nós pessoas que não se sabem confessar, segundo as indicações da Igreja. Por motivos diversos, desde a falta de jeito e a vergonha, até um afastamento de anos da vida sacramental. Como também nos diz o papa: “Não esqueçamos que no início da conversão se encontra precisamente este desejo. O coração dirige-se a Deus, reconhecendo o mal praticado, mas com a esperança de obter o perdão”.
2. Acolher não é aprovar
Com frequência, pensamos que receber em nossa casa, nas nossas relações, uma pessoa que praticou más acções ou que é conhecida publicamente por tal, significa aprovar as suas atitudes, os seus actos. Isso não é de todo verdade. Jesus acolhe a pecadora, quando todos se dispunham a apedrejá-la. Não lhe disse: o que fazes ou fizeste não tem mal nenhum. Diz-lhe que não é próprio de Deus condenar e que, por isso, a convida a deixar tudo aquilo que lhe rouba a alegria de viver.
3. Ficamos sempre à porta, do lado de fora
Só Deus é Deus. Quantas vezes somos tentados a pensar à imagem e semelhança do fariseu: se Deus fosse justo, nesta situação faria e aconteceria assim. Graças a Deus, felizmente, só Deus e nós próprios podemos entrar no mais íntimo de nós mesmos. Quantas vezes, pensamos e fazemos uma coisa com a melhor dedicação e intenção e ela sai totalmente ao contrário, deixando-nos mal vistos, perante terceiros? Nunca nos esqueçamos que o Senhor advertiu ao profeta: “O que o homem vê não importa; o homem vê as aparências, mas o SENHOR olha o coração.»” (1 Samuel 16,7).
4. Os penitentes são uma fonte de graça
Muitas vezes, enchemos a boca com frases bonitas da Sagrada Escritura, mas depois entendemos, na prática, que elas não são para se fazer vida mas para fazer postais para outros. É bem verdade que onde abundou o pecado superabundou a vida. Que é na nossa fragilidade que o Senhor se mostra força. Quanto podemos aprender a partir da humildade e da bondade dos penitentes que até nós vêm... Como podemos aprender com eles a confessarmo-nos...
5. A estrada a percorrer e o seu fim são comuns
Por vezes, temos a sensação que há duas histórias. Uma pagã, mundana e outra da salvação. Mas há só uma história, a da Salvação. Feita de luzes e de sombras, mas de Salvação, onde o Senhor vem, encarna, que faz sua. Por isso, o confessor e o penitente percorrem a mesma estrada, aquela que o Samaritano palmilha. Ambos querem realizar a vontade de Deus, a da salvação de todos. E a vontade daquele que me enviou é esta: que Eu não perca nenhum daqueles que Ele me deu, mas o ressuscite no último dia. (Jo 6, 39 e Mt 18, 14).
6. A penitência é caminho
O caminho empreendido pelo penitente, ao vir até ao sacramento da Reconciliação, por vezes com muito esforço e temor, pode ser um caminho de grande futuro. O ideal é que o saibamos escutar, de modo a perceber o que lhe é possível realizar, e saber encontrar a penitência que o ajude a crescer na experiência da graça, da Misericórdia. Temos que ajudar as pessoas a libertar-se da época dos tarifários. A penitência é caminho, caminho que se vai fazendo por graça, é dom. O sair de onde estou para onde Deus está é caminho de Vida e para a Vida inteira, até ao último encontro com o Salvador.
7. A errar que seja por manga larga
Um grande teólogo moral, o redentorista Marciano Vidal, que tive a graça de ter tido como Professor, na Universidade Comillas, em Madrid, disse-nos: “a errar antes que seja por manga larga do que por manga estreita”. Somos sempre limitados, podemos errar, mas podemos dar sempre o toque da sobreabundância, da generosidade divina. Como dizia o Papa Francisco a um grupo de novos sacerdotes: “Com o sacramento da Penitência perdoareis os pecados em nome de Cristo e da Igreja. E aqui quero deter-me e pedir-vos, por amor a Jesus Cristo: nunca vos canseis de ser misericordiosos! E se tiverdes o escrúpulo de ser demasiado “perdoadores”, pensai naquele santo sacerdote do qual vos falei, que ia diante do sacrário e dizia: “Perdoa-me, Senhor, se perdoei demasiado. Mas foste Tu que me deste o mau exemplo!”. Muito nos ajudará neste sublime ministério, para não dizer que é fundamental, rezar. Isto é, deixarmo-nos olhar pelo Senhor, na nossa realidade. Naquilo que somos de facto. Rezar para aprender a olhar como Deus olha, a escutar como Deus escuta e a agir como Deus age. Mais do que dizer-Lhe coisas escutá-Lo, deixar-se estar na Sua presença, para que o Seu olhar sobre nós nos transforme, como dizia o Padre Arrupe.
O Estigma da Gratuidade
Quase a terminar há que falar da Gratuidade. Uma marca que também percebemos, automaticamente, no Evangelho da Misericórdia. Com Deus não se verifica o princípio, que tantas vezes nos move: “Dou para que dês”. A Misericórdia é pura gratuidade. Deus dá-Se, ponto final. Nesse sentido, retomamos uma conferência do Cardeal Bergoglio à Caritas da Argentina em Dezembro de 2012. Nela dizia: “O Evangelho não o diz, mas é certo que a adúltera, a quem Jesus perdoou, não voltou a pecar, porque quem se encontra com tão grande Misericórdia não pode desviar-se da Lei.” De facto, não sabemos mas, com o atrevimento da ignorância, atrevo-me a dizer que o Papa Francisco (Card. Bergoglio) tem razão, e que se poderá reconhecer em Lc 7, 36-50 a mesma mulher de Jo 8. Apoio-me neste dizer do Cardeal Martini: “O Evangelho da graça tem, como correspondente, em quem o recebe, o estigma da gratuidade. Não existe nada de mais exigente que a gratuidade, exactamente porque não há limites em contraposição com o evangelho da lei – não sou obrigado, não sou o guarda do meu irmão!” Tenho que terminar, e estando em Fátima, este lugar para nós tão significativo e tão cordialmente assinalado pela Misericórdia, despeço-me com as palavras do Papa Francisco para o Sr. D. António Marto, quando o foi convidar para aqui estar, entre nós, no próximo ano: “Diz aos teus padres que sejam misericordiosos, oferecendo o cuidado, a cura e o perdão de que o mundo tanto precisa”. Muito Obrigado!
Fátima, 4 de Agosto de 2016
Sérgio Diz Nunes, sj