Todos os anos, por esta altura, os dias começam a crescer; os rebentos das árvores fazem-se ver; os jardins povoam-se de novas flores, de muitas cores e aromas; há animais que regressam após hibernação; o sol começa a cativar-nos a sair à rua com maior frequência; a nossa belíssima costa atlântica começa a arrebitar com gente a passear-se à beira-mar. E, para nós católicos, esta estação estende a passadeira vermelha às festas pascais.
Desta vez, em 2020, os pássaros mal cantam, ou melhor, somos nós que os não escutamos tanto desde as janelas das nossas casas. As noites e os dias, as horas e os minutos já nos puseram em “fora de jogo”, tais as mudanças, as desmarcações e a recalendarização constante a que estamos sujeitos.
As montanhas, as colinas e as praias estarão resplandecentes e à nossa espera, sem perceber por que lhes virámos as costas.
Justificamo-nos que estamos num Inverno prolongado, dramático e sem precedentes. Mas esta é apenas a nossa versão humana.
Para a natureza não é assim. A Primavera já chegou e foi antecedida por inesperados “presentes” que não programámos oferecer-lhe.
Atrevo-me a dar alguns exemplos: a poluição diminuiu e de que maneira, tal como baixou drasticamente o ruído e a contaminação causada pelas motos, automóveis e aviões; algumas espécies animais tiveram mais liberdade de movimentos e voltaram a passear-se em lugares que antes eram seu “habitat”; outras espécies que corriam aceleradamente para a sua extinção receberam um “bónus” inesperado de vida; há rios e mares que ganham novo brilho nas suas águas; o “arrefecimento” global das últimas semanas está a devolver a esperança aos glaciares. Bom, são apenas pequeninos-grandes sinais de vida nova.
Há quem aproveite esta ocasião para nos sacudir a consciência ou provocar novas reflexões e acções. Partilho algumas mais:
Já que a mudança dos nossos comportamentos ecológicos estava a milhas de dar sinais de efectiva colaboração; já que depois da última fortíssima crise económico-financeira mundial voltámos à loucura dos erros passados que nos meteram nessa austera alhada e reféns da sra. troika; já que as bolsas de valores mandavam mais do que as nossas vidas e os valores que herdámos dos nossos antepassados; já que os gritos de "basta já" de tantos ambientalistas, cientistas, “Greta’s” e outros jovens privados de um presente com futuro não foi suficientemente tido em conta; já que os danos causados pelos fogos em Portugal, na Amazónia e na Austrália foram rapidamente arquivados pelos “mass media” e seus capatazes; já que explorámos desumanamente tantos recursos comuns e virámos as costas, pela calada da noite, depois de sugarmos a sua última dádiva; já que… atreve-te a acrescentar mais alguma(s).
Até que entrou em cena este coronavírus para nos meter em ordem! Chegou sem referendo prévio nem debate democrático. Impôs-se. E forçou a mobilização da sociedade, a emergência da corresponsabilidade. E dia-a-dia, de conferência de imprensa em conferência de imprensa, ou derrubamos fronteiras, nos apoiamos uns aos outros, pensamos e actuamos local e globalmente como se uma batalha planetária enfrentássemos, ou seguiremos assistindo, morto-a-morto, ao enterro dos vizinhos de longe e de perto.
Em pleno século XXI, com tanta sofisticação e tamanha ignorância, este coronavírus desnuda-nos como a Adão e Eva no paraíso, depois de tragarem a maçã “original”.
Já tirámos mais algumas lições: Ninguém está imune. Ninguém tem veto. Não valem fortunas, aviões privados, nem sangue real. A “praga” veio para grandes e pequenos, famosos e desconhecidos da praça pública, cristãos e judeus, muçulmanos e budistas, para veteranos de guerra e para recém-nascidos. Veio para ti e para mim.
E continua sem explicar-se. E sem ser compreendida. E, para muitos, é como se nada se passasse!
A Primavera já chegou no nosso calendário. A Mãe-Natureza já a celebra nestes dias e rejubila agradecida. Somos os únicos cativos dentro das nossas casas pelos sucessivos “tiros que demos nos pés”.
Basta já, por ontem, para hoje, para amanhã e para cada novo dia. Esta é uma nova oportunidade que se nos oferece para repensarmos os nossos hábitos quotidianos, o modo como produzimos, consumimos e nos relacionamos (uns com os outros e todos com o Cosmos), como (des)respeitamos esta Casa Comum que nos tem enviado tantos alertas.
Ainda que falhemos esta Primavera, antecipemos a Páscoa e terminemos bem esta "quarentena".
Texto: Artur Teixeira, CMF & Tony Neves, Cssp [Tugas na diáspora].