NOVENA DE NOSSA SENHORA DO CARMO – 2016
Por ocasião do 50º aniversário do encerramento do Concílio Ecuménico Vaticano II a 8 de dezembro de 1965, festa da Imaculada Conceição, em que o B. Papa Paulo VI proclamou Maria, Mãe da Igreja, quis o Papa Francisco que se celebrasse um Jubileu, o Ano Santo da Misericórdia, não apenas em Roma, mas também em todas as Dioceses do mundo, para que todos dele pudessem beneficiar.
Para nós, Irmãos e Irmãs da Bem-aventurada Virgem Maria do Monte Carmelo, que cada sábado a saudamos solenemente, cantando “Salvé Rainha, Mãe de misericórdia”, este Ano não nos pode passar desapercebido, a diversos títulos. Em primeiro lugar, porque a imagem primitiva de Nossa Senhora do Carmo, que se encontrava na Igreja construída no Monte Carmelo, no meio das celas, e a ela dedicada, sob a invocação de Virgo purissima, Imaculada na sua Conceição, e, segundo a tradição, conservada na Igreja do Carmo de Nápoles, onde a chamam “La Bruna” é um ícone da Mãe de Deus (Theotókos) do tipo Eleússa (Ἐλεούσα), “misericordiosa”. Em seguida, porque este ano, por providencial coincidência, celebramos os 450 anos do nascimento de S. Maria Madalena de’ Pazzi (4.2.1566–25.5.1607), a grande mística carmelita florentina, que sintetizou de modo admirável o ser e a obra divinas na misericórdia: “Que é que Te moveu a tão grande amor? O Teu ser, que é todo misericórdia: ‘As tuas misericórdias estendem-se a todas as tuas obras (Sl 145,9)’” (CO 392). Em terceiro lugar, porque foi S. Teresinha do Menino Jesus, Doutora da Igreja, a primeira que, de forma genial, definiu Deus como Amor misericordioso, tendo-se oferecida a si mesma a Ele como vítima de holocausto, no dia 9 de junho de 1895, festa da Santíssima Trindade. Por último, porque estamos a celebrar o primeiro centenário das aparições de Nossa Senhora em Fátima, cujo conteúdo e mensagem se podem resumir nas palavras que a Ir. Lúcia, em Tuy, a 13 de Junho de 1929, viu derramar-se do lado esquerdo do Crucificado (o lado do seu Coração), como torrente divina, sobre o altar: “Graça e misericórdia”.
Tendo em atenção estes dados, apresentamos esta proposta de textos e meditações para a novena e festa de Nossa Senhora do Carmo, tendo sempre em atenção a liturgia do dia e oferecendo, em alternativa, textos das Missas da Virgem Santa Maria (= MVM).
Fazendo votos que esta novena a todos ajude a crescer no amor a Cristo e a Maria, no serviço ao Evangelho e na prática das obras de misericórdia, me recomendo com amizade às vossa orações.
Beja, 7 de Julho de 2016
Fr. Pedro Bravo, OC
1º Dia: A misericórdia é o rosto de Deus (7 de Julho)
Quando Moisés, no Sinai, pediu a Deus que lhe mostrasse a Sua glória, Deus respondeu-lhe que não poderia ver o seu rosto, mas que lhe revelaria o seu nome. E no dia seguinte, ao passar diante dele, proclamou “O Senhor, o Senhor, Deus de misericórdia e de compaixão, lento para a cólera, cheio de amor de verdade» (Ex 33,18-23; 34,5-6). Assim, misericórdia (aqui rahum, gr. oiktirmôn) é o outro nome de Deus, o seu primeiro nome para nós.
São numerosas as expressões da Sagrada Escritura que são traduzidas por misericórdia: “graça”, “favor”, “ternura”, “compaixão”, etc. Mas duas são fundamentais. A primeira é rahum, geralmente usada no plural, rahemim, que se traduz em grego por oiktirmôn, o amor incondicional, o afeto terno, os sentimentos profundos de uma mãe para com o filho que trouxe no seu seio (cf. Lm 4,10), a quem não pode deixar de amar, acolher, cuidar e ajudar. A segunda é hesed, o amor fiel e constante de um pai, irresistivelmente preso por dentro aos seus filhos, a qual é geralmente traduzida em grego por eleós, “misericórdia” ou por dikaiosounê, “justiça benévola, salvífica, caritativa” (cf. Gn 20,13; 21,23; Ex 34,7; Rm 3,21-25). A primeira é acolhimento incondicional, sempre, em qualquer situação; a segunda traduz-se em ações concretas a favor de alguém que se encontra em necessidade. A primeira, das 19 vezes que aparece, diz-se exclusivamente de Deus ou – duas vezes apenas (Sl 112,4, que corresponde a Sl 111,4 e Lc 6,36)! – do justo que imita o amor universal de Deus; a segunda, pode ser dita dos homens. Ambas são invocadas logo no início do Salmo 51, o Miserere (primeiro a hesed e depois as rahemim) onde David, arrependido, pede a Deus perdão do seu pecado. É assim que Deus é amor misericordioso, tal como S. Teresinha do Menino Jesus O definiu.
É esse mesmo Deus amor (agapê) que nos aparece em Os 11,1-4.8c-9 (1ª leitura) e que Jesus veio revelar: “Jesus Cristo é o rosto da misericórdia do Pai. O mistério da fé cristã parece encontrar nestas palavras a sua síntese. Tal misericórdia tornou-se viva, visível e atingiu o seu clímax em Jesus de Nazaré. Na “plenitude do tempo” (Gl 4, 4), quando tudo estava pronto segundo o seu plano de salvação, Deus mandou o seu Filho, nascido da Virgem Maria, para nos revelar, de modo definitivo, o seu amor” (Papa Francisco, VM 1). É Jesus que nos convida, como afirma o lema deste Ano Santo da misericórdia, a imitá-lo, imitando o amor incondicional do Pai para com todos: “Sede misericordiosos (oiktirmones), como o vosso Pai é misericordioso (oiktirmôn)” (Lc 6,36).
Ninguém o compreendeu tão bem como Maria, que no Magnificat põe toda a obra e passagem de Deus na história em favor dos homens ao longo das gerações, sob o signo da sua misericórdia: “A sua misericórdia se estende de geração em geração sobre os que O temem” (Lc 1,50), citando o Sl 103,17. De facto, toda a obra de Deus em favor do seu povo, a quem ama com amor fiel, nada mais é do que misericórdia: na criação no ser humano, à Sua imagem e semelhança; no chamamento e promessas feitas a Abraão; na libertação do Egito, na salvação operada em favor de um povo sempre inclinado a afastar-se dele, como o afirma Oseias; no envio do seu Filh, em particular na obra da nossa redenção, operada na operada por Ele cruz; no chamamento dos gentios à fé; no envio dos seus mensageiros como instrumentos de misericórdia, como nos diz o Evangelho: “Ide e pregai que está próximo o reino dos céus. Curai enfermos, ressuscitai mortos, purificai leprosos, expulsai demónios; recebestes de graça, de graça dai” (Mt 10,7-8); na nossa adoção como filhos de Deus; no dom do Espírito Santo; na pertença à Igreja, nos sacramentos, no seu relacionamento diário connosco; no dom feito a nós carmelitas, deste sinal de salvação, que é o Escapulário, etc., etc.
Maria, a partir da sua imaculada na Conceição, foi, depois de Jesus Cristo, a fonte de toda a graça, a criatura que mais foi envolvida, mais acreditou, mais experimentou e melhor correspondeu à misericórdia divina. Por isso é chamada “Mãe de misericórdia”: porque tudo nela é fruto da misericórdia divina e toda a misericórdia de Deus nos chegou através do bendito fruto do seu ventre, Jesus.
Entretanto, ligamos tão pouco à misericórdia de Deus que até parece que não precisamos dela. O Salmo 80,4b, convida-nos a contemplá-la no rosto de Deus, que é Jesus Cristo, nossa salvação: “Mostrai-nos, Senhor, o vosso rosto e seremos salvos”. Quanto tempo dedicamos por dia a contemplá-la, nesse trato de amizade, a sós, falando de amor com quem sabemos que tanto nos ama, que é a oração? Maria contemplou a misericórdia divina em toda a obra da salvação. O Papa Francisco diz que também nós: “Precisamos sempre de contemplar o mistério da misericórdia. É fonte de alegria, serenidade e paz. É condição da nossa salvação” (VM 2). E Santa Maria Madalena de’ Pazzi afirmava que se bem atentássemos e considerássemos “em tão grande bondade de Deus, para lhe poder retribuir de alguma forma tão grande amor… faríamos do lugar onde vivemos um paraíso”. E acrescenta: “E para melhor o poderem fazer, peço-vos que recorrais à Virgem Santíssima, Mãe de misericórdia, dizendo cada dia aquela bela oração feita por S. Bernardo” (Carta 7: VII, 154), a Salvé Rainha. É o que nós carmelitas fazemos cada sábado, saudando-a solenemente com o canto desta antífona mariana; é o que a oração do terço nos recomenda, ao terminá-lo.
Com Maria contemplemos a misericórdia de Deus, presente em seu Filho Jesus, para, vendo tão grande amor, pagarmos amor com amor, sendo misericordiosos, como o nosso Pai é misericordioso.