9º Dia: Refletir a misericórdia de Deus (15 de Julho)
“Se soubessem o que significa: ‘Eu quero a misericórdia, e não o sacrifício, o conhecimento de Deus, mais do que os holocaustos’ não condenariam os que não têm culpa” (Mt 12,7; Os 6,6).
Chegámos ao fim da novena e do tríduo da solene comemoração de Nossa Senhora do Carmo em que temos estado a meditar sobre Maria, Mãe de Misericórdia. Este título, “Maria, Mãe de misericórdia” aparece pela primeira vez na Síria, em Tiago de Sarug, bispo de Batnae (†521) e, no Ocidente, em S. Odão, abade de Cluny (†942), tendo começado a ser repetido na antífona Salvé Rainha que os Cartuxos cantavam diariamente depois de Completas, desde o séc. XII, onde também se destaca a qualidade dos olhos maternos de Maria: “esses vossos olhos misericordiosos a nós volvei”, concluindo com um apelo ao seu amor maternal: “ó clemente, ó piedosa, ó doce Virgem Maria”. Este mesmo sentido aparece no ícone original da Virgem Maria, Estrela do Mar, do Monte Carmelo (La Bruna), onde Nossa Senhora, revestida com as cores da Virgo puríssima, a Imaculada Conceição, é representada como Panagia eleousa (A toda santa, misericordiosa), com a mão direita a apontar para o seu Filho (Hodegetria) e a esquerda a estreitá-lo contra o coração e a face, o qual se agarra a ela com a mão esquerda e com a direita apoia a sua cabeça, acarinhando o mento.
Maria é a pessoa que mais a fundo conhece o mistério da misericórdia divina” (João Paulo II, DM 9), que a escolheu desde toda a eternidade, a envolveu de modo particular desde a sua Imaculada Conceição, nela encarnou na Anunciação, a fez discípula fiel do seu Filho, se consumou no grande acontecimento da Sua Páscoa (paixão, morte, ressurreição e Pentecostes) e atingiu a sua plenitude na Assunção. Ela é a “cheia de graça”, totalmente repleta e transformada pela benevolência divina (cf. Ef 1,6). Nela resplandecem admiravelmente as mais altas expressões da graça divina, refletindo-se da forma mais límpida, pura e transparente; simples, concreta e humilde; fraterna, amiga e materna; amável, doce e encantadora.
Por isso a Igreja nunca deixa de a ela acorrer, pois nela vê tudo o que deseja e espera ser: “O nosso amor a Maria é muito mais do que uma mera devoção sentimental; é, antes, a contemplação da beleza do amor misericordioso de Deus por nós, pela humanidade dispersa que Ele quer reunir; é a contemplação da beleza da Igreja como Povo do Senhor, de que ela é membro eminente e mãe amorosa; e da beleza da vida com Cristo, de quem ela foi mãe e primeira e perfeita discípula” (D. António Marto).
Com a graça de que foi revestida e à qual aderiu com todo o seu ser, com o seu amor e eminente santidade, a sua misericórdia e proximidade, Maria reflete de modo singular o dom da misericórdia divina que recebeu não para com ele se exaltar, mas para o acolher e amar, conhecer e engrandecer, proclamar e transmitir cada vez mais aos outros na própria existência. O que recebeu gratuitamente, também o quer dar a cada um de nós, a cada ser humano que lhe foi confiado como filho por Cristo do alto da cruz. E assim como uma mãe ama o fruto das suas entranhas ainda antes de o ver e o aceita incondicionalmente antes de o conhecer, também nós sabemos que Maria nos ama independentemente de tudo, como ao seu próprio Filho, nos acolhe sempre que vamos à sua presença e nos quer transmitir tudo o que recebeu de Deus, fazendo tudo o que pode da sua parte, inclusive dar a sua própria vida, para que também nós o possamos receber, amar, conhecer e transmitir aos outros. Como diz Paulo: “Fizemo-nos pequenos entre vós, como a mãe que estremece os seus filhos que alimenta. Sentíamos tanto afeto por vós, que desejávamos ardentemente partilhar convosco de forma gratuita não só o Evangelho de Deus mas a própria vida, tão queridos nos éreis” (1 Ts 2,7-8). Tal é o sentido do Escapulário que usamos. Um sinal de aliança, um dom que por ser tão pequeno e singelo, tanto mais exalta a grandeza do amor, da generosidade e da gratuidade com que Maria nos dá a sua vida, para que possamos ter e levar a vida que lhe foi dada.
Ora o verdadeiro amor consiste na intimidade, na partilha e na imitação. O gesto de Maria pede-nos assim também que a imitemos, refletindo na própria vida o amor que nos dedica e testemunhando-o aos outros, com a mesma misericórdia com que Deus nos ama e ele no-la transmite. Por isso diz a Regra da Ordem Terceira, 32: “Também os leigos carmelitas são chamados a viver na presença do Deus vivo e verdadeiro, que em Cristo habitou no meio de nós, e a procurar toda possibilidade e ocasião de alcançar a intimidade divina. Deixando-se guiar pelo Espírito Santo, aceitam ser transformados na mente e no coração, no olhar e nos gestos. Todo o seu ser e sua existência se abrem ao reconhecimento da ação imediata e plena de misericórdia de Deus na vida de cada um. Descobrem-se irmãos e irmãs, chamados a partilhar o caminho comum em direção à plena santidade e a levar a todos o anúncio de que somos filhos do único Pai, irmãos de Jesus”. Gozando, pois, do amor e companhia de Maria, abramo-nos ao dom da graça, para com ela sermos testemunhas e portadores da misericórdia divina, irradiando-a e refletindo-a em toda a nossa existência.