CARTA DO PAPA JOÃO PAULO II
POR OCASIÃO DOS 750 ANOS DO ESCAPULÁRIO
Embora, esta Carta tenha sido publicada em 25 de Março de 2011 e dirigida aos Superiores da O. Carm. e OCD, e neles à Família Carmelita, temos o pressentimento que não se deu o devido relevo e conhecimento deste magnífico texto de São João Paulo II que desde muito cedo esteve unido ao Carmelo e “Também eu trago sobre o meu coração, desde há muito tempo, o Escapulário do Carmo!”. É com o propósito de alargar o conhecimento desta Carta, que agora a publicamos de forma resumida mas quase integralmente.
2. As várias gerações do Carmelo, desde as origens até hoje, no seu itinerário até à “montanha santa, Jesus Cristo nosso Senhor” (Missal Romano, Colecta da Missa em honra da Bem-Aventurada Virgem Maria do Monte Carmelo, 16 de Julho), procuraram plasmar as suas vidas segundo os exemplos de Maria.
Por isso, no Carmelo, e em toda a alma movida por um terno afecto para com a Virgem e Mãe Santíssima, floresce a contemplação d´Aquela que desde o princípio, soube estar aberta à escuta da Palavra de Deus e ser obediente à sua vontade (Lc 2,19.51). Maria, na verdade, educada e plasmada pelo Espírito (cfr. Lc 2, 44-50), foi capaz de ler na fé a sua própria história (cfr. Lc 1, 46-55) e, dócil à inspiração divina, “avançou na peregrinação da fé e manteve fielmente a sua união com o Filho até à cruz, onde, não sem um desígnio divino, esteve junto dela (cfr. Jo 19,25), sofrendo profundamente com o seu Unigénito e associando-se com entranhas de mãe ao Seu sacrifício” (Lumen gentium, 58).
3. A contemplação da Virgem apresenta-a enquanto, como Mãe zelosa, vê crescer o seu Filho em Nazaré, (cfr. Lc 2,40.52), segue-o pelos caminhos da Palestina, assiste-o nas bodas de Caná (cfr. Jo 2,5) e, aos pés da Cruz, torna-se a Mãe unida à sua oferta e dada a todos os homens na entrega que o próprio Jesus faz dela ao discípulo predilecto (cfr. Jo 19, 26). Como Mãe da Igreja, a Virgem Santa está unida aos discípulos “em contínua oração” (At 1,14) e, como nova Mulher que antecipa em si o que se realizará um dia em todos nós na plena fruição da vida trinitária, é elevada ao Céu, de onde estende o manto de protecção da sua misericórdia aos filhos que ainda peregrinam para o monte santo da glória.
Uma semelhante atitude contemplativa da mente e do coração leva a admirar a experiência de fé e de amor da Virgem, que vive já em si tudo o que cada fiel deseja e espera realizar no mistério de Cristo e da Igreja (cfr. Sacrosanctum Concilium, 103; Lumen gentium, 53). Precisamente por isto, os carmelitas e as carmelitas escolheram Maria como sua Patrona e Mãe espiritual e têm-na sempre diante dos olhos do coração, como a Virgem Puríssima que a todos conduz ao perfeito conhecimento e imitação de Cristo.
Deste modo floresce uma intimidade de relações espirituais que incrementam cada vez mais a comunhão com Cristo e com Maria. Para os membros da Família Carmelita, Maria, a Virgem Mãe de Deus e dos homens, não somente é um modelo que se deve imitar, mas também é uma doce presença de Mãe e Irmã em quem devemos confiar. Justamente Santa Teresa de Jesus exortava: “Imitai Maria e considerai qual deva ser a grandeza desta Senhora e o benefício de a ter por Patrona” (Castelo interior, III, 1,3).
4. Esta intensa vida mariana, que se exprime em oração confiante, em entusiástico louvor e em diligente imitação, conduz à compreensão de que a forma mais genuína da devoção à Virgem Santíssima, expressa pelo humilde sinal do Escapulário, é a consagração ao seu Coração Imaculado (cfr. PIO XII, Carta Neminem profecto latet [11 de Fevereiro 1950: AAS 42, 1950, pp. 390-391]; Const. dogm. Sobre a Igreja Lumen gentium, 67). É assim que no coração se realiza uma crescente comunhão e familiaridade com a Virgem Santa “qual nova maneira de viver para Deus e de continuar aqui na terra o amor do Filho Jesus por sua mãe Maria” (cfr. Discurso do Angelus, in Insegnamenti XI/3, 1988, p. 173). Coloca-nos, assim, segundo a expressão do Beato mártir carmelita Tito Brandsma, em profunda sintonia com Maria, a Theotokos, tornando-nos como Ela transmissores da vida divina: “Também a nós o Senhor envia o seu anjo... também nós devíamos receber Deus nos nossos corações, trazê-lo dentro dos nossos corações, alimentá-lo e fazê-lo crescer em nós de tal modo que nasça de nós e viva em nós como o Deus-connosco, o Emanuel” (Da relação do B. Tito Brandsma ao Congresso Mariológico de Tongerloo, Agosto 1936).
Este rico património mariano do Carmelo tornou-se através dos tempos e por meio da difusão da devoção do Santo Escapulário, num tesouro para toda a Igreja. Pela sua simplicidade, pelo seu valor antropológico e pela relação com o papel de Maria na Igreja e na humanidade, esta devoção foi profunda e amplamente percebida pelo povo de Deus, a ponto de encontrar expressão na memória de 16 de Julho, presente no Calendário litúrgico da Igreja universal.
5. No sinal do Escapulário evidencia-se uma síntese eficaz da espiritualidade mariana, que alimenta a devoção dos crentes, tornando-os sensíveis à presença amorosa da Virgem Mãe nas suas vidas. O Escapulário é essencialmente um “hábito”. Quem o recebe é agregado ou associado em grau mais ou menos íntimo à Ordem do Carmelo, dedicada ao serviço da Senhora para o bem de toda a Igreja (cfr. Fórmula da imposição do Escapulário, no “Rito da Benção e imposição do Escapulário” aprovado pela Congregação para o Culto Divino e Disciplina dos Sacramentos, 5/1/1996). Quem veste o Escapulário é introduzido portanto na terra do Carmelo, para que “coma dos seus frutos e bens” (cfr. Jer 2,7), e experimenta a presença doce e materna de Maria, no empenho quotidiano de revestir-se interiormente de Jesus Cristo e de manifestá-lo vivo em si mesmo para o bem da Igreja e de toda a humanidade (cfr. Fórmula da imposição do Escapulário, cit.).
São duas, portanto, as verdades evocadas no sinal do Escapulário: por um lado, a contínua protecção da Santíssima Virgem, não somente ao longo do caminho da vida, como também no momento da passagem para a plenitude da glória eterna; por outro, a consciência de que a devoção para com Ela não se pode limitar à oração e ao serviço em sua honra somente em algumas circunstâncias, mas deve constituir um “hábito”, isto é uma orientação permanente da própria conduta cristã, tecida de oração e de vida interior, mediante a prática frequente dos Sacramentos e o exercício concreto das obras de misericórdia espirituais e corporais. Deste modo o Escapulário torna-se sinal de “aliança” e de comunhão recíproca entre Maria e os fiéis: na verdade ele traduz de maneira concreta a entrega que Jesus, na cruz, fez a João, e nele a todos nós, da Sua Mãe, e da entrega do apóstolo predilecto e de nós a Ela, constituída nossa Mãe espiritual.
6. Desta espiritualidade mariana, que plasma interiormente as pessoas e as configura a Cristo, primogénito entre muitos irmãos, são um esplêndido exemplo os testemunhos de santidade e de sabedoria de tantos Santos e Santas do Carmelo, todos crescidos à sombra e sob a tutela da Mãe.
Também eu trago sobre o meu coração, desde há muito tempo, o Escapulário do Carmo! Pelo amor que nutro pela nossa Mãe celestial, cuja protecção experimento continuamente, desejo que este ano mariano ajude todos os religiosos e religiosas do Carmelo e os piedosos fiéis que a veneram filialmente, a crescer no amor para com Ela e a irradiar no mundo a presença desta Mulher do silêncio e da oração, invocada como Mãe da misericórdia, Mãe da esperança e da graça.
Com estes auspícios, concedo de boa vontade a Bênção Apostólica a todos os frades, monjas, irmãs e leigos e leigas da Família Carmelita, que tanto trabalham por difundir entre o povo de Deus a verdadeira devoção a Maria, Estrela do mar e Flor do Carmelo!
Vaticano, 25 de Março 2001