A Regra do Carmo
- Do Prior como servidor dos Irmãos (n.º 22) -
22. Agora, você, irmão B., e quem quer que for indicado como prior depois de você, tenham sempre em mente e cumpram na prática o que o Senhor diz no Evangelho: Todo aquele que entre vocês quiser tornar-se o maior, seja o seu servidor, e quem quiser ser o primeiro, seja o seu empregado.
Um pouco de história: resumindo o que já vimos na Regra sobre a função do Prior
No começo da Regra, o Prior recebe atribuições que dizem respeito à organização da vida comunitária. Ele deve cuidar para que todos tenham as condições necessárias para poder viver o ideal do Carmelo, a saber:
- ele deve ser eleito por unanimidade ou pela maioria (RC 1);
- junto com os irmãos, decide sobre o lugar de moradia (RC 5);
- junto com os irmãos, cuida para que cada frade tenha a sua cela (RC 6);
- é ele que deve dar licença com relação à mudança de lugar de moradia (RC 8);
- é ele que deve receber as pessoas na entrada do lugar de moradia e encaminhá-las (RC 9);
- através de um dos irmãos por ele indicado, deve cuidar da distribuição dos bens conforme as necessidades e as idades das pessoas (RC 12)
Agora, no fim da Regra, todas estas atribuições recebem um sentido mais profundo. Elas devem ser vistas como um serviço, através do qual o Prior imita mais de perto a Jesus que disse: “Não vim para ser servido, mas para servir!” Diz a Regra: Agora, você, irmão B., e quem quer que for indicado como Prior depois de você, tenham sempre em mente e cumpram na prática o que o Senhor diz no Evangelho: Todo aquele que entre vocês quiser tornar-se o maior, seja o seu servidor, e quem quiser ser o primeiro, seja o seu empregado. O Prior recebe esta recomendação não só para que os outros possam realizar melhor o ideal de viver em obséquio de Jesus Cristo, mas aqui se indica também como ele, o Prior enquanto Prior, deve viver em obséquio de Jesus Cristo. Ele deve, por assim dizer, ser um outro Jesus servidor no meio dos irmãos. A sua função faz parte do ideal do Carmelo de viver em obséquio de Jesus Cristo.
Na Regra do Carmo, o superior não é um abade, não é visto como alguém que, pela sua doutrina e pelas suas exposições, ensina os outros como devem viver em obséquio de Jesus Cristo. É quase o contrário. Ele é visto como alguém que, na prática, pela sua maneira de servir, é um testemunho vivo de Jesus, um reflexo de Jesus para os irmãos. Como Jesus, o Prior deve ser a revelação do que Deus quer de nós. Ele deve fazer isto olhando, meditando e praticando as palavras e o exemplo de Jesus nos evangelhos. Deve ser um doutorado na vivência da Palavra, pois é na leitura orante da Palavra que a Regra mais insiste. Aqui não se trata do conhecimento ou do estudo da Palavra, mas sim da vivência.
Não são, em primeiro lugar, as qualidades que definem a função do Prior, mas sim a sua posição como representante de Jesus. Isto exige dos súditos um olhar de fé e de humildade (RC 21), e exige do próprio Prior um esforço maior na observância do ideal. Aceitar um "empregado" como messias foi um escândalo para Pedro. Aceitar como superior ou superiora um irmão ou uma irmã menos instruída, mas servidora, pode ser motivo de escândalo hoje. Como diz o canto, "eles queriam um grande rei que fosse forte e dominador, e por isso não creram nele".
Os números 4 a 9 da Regra tratam da infra-estrutura da vida comunitária. Na organização desta infra-estrutura, o Prior tem um papel preponderante: coordenação (RC 4), escolha do lugar de moradia (RC 5), cela dos frades (RC 6), mudança de lugar de moradia (RC 8), acolhida das pessoas (RC 9). Nos números 10 a 15, onde se descreve o ideal da vida carmelitana, já não se fala do Prior, a não ser no capítulo sobre a distribuição dos bens (RC 12), pois a vivência do ideal é da responsabilidade de todos. A função do Prior é realmente um “serviço”. Ele deve dispor tudo de tal maneira, para que todos tenham as condições necessárias para poder levar uma vida de acordo com o ideal proposto nos números 10 a 15 da Regra. Para que ele possa realizar bem esta função, assim diz a Regra, o Prior deve ter diante de si o exemplo da pessoa de Jesus.
O lugar central que Jesus ocupa na Regra do Carmo
No Prólogo (RC 1 a 3): “Viver em obséquio de Jesus Cristo”
O seguimento de Jesus define o objetivo e o rumo da vida no Carmelo. É o pano de fundo, contra o qual deve ser lido e interpretado tudo o que segue nos vinte e quatro números da Regra. Estes mostram o caminho que o carmelita e a carmelita devem seguir para poder “viver em obséquio de Jesus Cristo” e, assim, alcançar um “coração puro” e uma “consciência serena”. Falando ou não falando explicitamente de Jesus, a Regra é profundamente cristológica. A vivência do Seguimento de Jesus é o seu centro. A pessoa de Jesus é uma presença constante a comunicar uma mensagem bem atual.
Na infra-estrutura da vida comunitária (RC 4 a 9): Garantir o espaço comunitário
Os números 4 a 9 da Regra não têm outro objetivo, a não ser criar e garantir o espaço comunitário que é necessário para o carmelita e a carmelita poderem realizar o Seguimento de Jesus. A vida em obséquio de Jesus que pretende limpar o coração e criar serenidade na consciência, só pode ser feita dentro do espaço de uma comunidade.
Na descrição do ideal (RC 10-15): Os elementos básicos do seguimento de Jesus
Os números 10 a 15 da Regra estabelecem os elementos básicos dessa vida comunitária em obséquio de Jesus Cristo. Os carmelitas devem imitar a comunidade-modelo dos primeiros cristãos, tal como é descrita nos Atos dos Apóstolos. A vida em obséquio de Jesus tem um ritmo diário, semanal e anual. Diário, porque diariamente eles devem celebrar a Eucaristia, rezar o ofício e meditar a lei do Senhor. Semanal, porque uma vez por semana devem fazer revisão de vida e verificar se estão vivendo realmente em obséquio de Jesus. Anual, porque, durante o ano, acompanham as festas que celebram a vida de Jesus, desde o nascimento (Natal) até à paixão, morte e ressurreição na Páscoa.
Nos meios para realizar o ideal (RC 16-23): Os textos sobre Jesus e o seu alcance para a vida
- RC 16: Recomenda o jejum desde o dia da Exaltação da Cruz até o dia da Ressurreição do Senhor. Santificar o tempo - Pede uma atenção contínua ao mistério da pessoa de Jesus durante o ano inteiro.
- RC 18: Os que querem viver piedosamente em Cristo padecem perseguição - As noites escuras da vida devem ser assumidas na fé em Jesus.
- RC 19: O capacete da salvação deve ser colocado na cabeça, para que esperem a salvação unicamente do Salvador - Jesus é o Salvador, o único que nos pode salvar. Não há outro!
- RC 20: Lembra que o Senhor Jesus falava pela boca de São Paulo - Jesus chega até nós através dos outros.
- RC 20: Pede, em nome de Senhor Jesus Cristo, que trabalhem em silêncio - Em nome de Jesus evitar fofocas e trabalhar para o próprio sustento.
- RC 21: Recomenda a prática do silêncio, lembrando a palavra de Jesus sobre o Juízo final - Caminho para a justiça. Evitando o falatório abre-se o caminho para que o silêncio de Deus nos possa invadir e gerar em nós a justiça.
- RC 22: Lembra ao superior que ele deve imitar Jesus como servidor - Vivendo para servir, o Prior se torna uma presença viva de Jesus na comunidade.
- RC 23: Lembra aos súditos de ver a Jesus na pessoa do superior - Aprendendo a ver Jesus no Prior, aprende-se a vê-lo nos irmãos.
No epílogo (RC 24): Abrir-se para a misericórdia
A quem fizer mais do que o prescrito, a Regra diz que o Senhor, na sua volta lhe pagará. Aqui no epílogo, a Regra evoca a parábola do Bom Samaritano (Lc 10,35) e abre o horizonte para a misericórdia, cujo único limite é a prática do amor.
Coordenar a obediência dos irmãos - Usar o poder como serviço aos irmãos
A função do Prior dá ao irmão “que for indicado como Prior” depois de B. a missão e a oportunidade única de re-presentar (tornar presente de novo) a Jesus como servidor dos irmãos. Jesus definiu sua vida como serviço: “O Filho do Homem não veio para ser servido, mas para servir e dar a sua vida em resgate para muitos!” (Mt 20,28; Mc 10,45). A imagem do Messias como servidor e não como figura poderosa vem de Isaías que, na época do cativeiro, apresentava ao povo o modelo do Servo de Javé (Is 42,1-9; 49,1-6; 50,4-9; 52,13-53,12; 62,1-3). Jesus encontrou no Servo de Javé de Isaías a inspiração e o modelo para realizar a sua missão como messias. Foi assim que ele se apresentou na sinagoga de Nazaré (Is 62,1-3 e Lc 4,16-21).
Esta profecia nasceu da frustração e da decepção sofridas com o desmando dos reis que, em vez de servir o povo, o dominavam e o exploravam. O Reino de Deus, imaginado por Isaías para o futuro, não vem como domínio mas como serviço. O povo de Deus é chamado a anunciar a Boa Nova não pela força, mas pelo serviço. Esta espiritualidade do serviço animava a renovação que vinha da base entre os pobres, os anawim. Foi assim que Maria definiu a sua atitude diante da palavra de Deus: “Eis aqui a serva do Senhor!”
É isto que a Regra pede do Prior. Na sua maneira de viver em obséquio de Jesus Cristo ele deve acentuar, tanto na mente como na prática, esta dimensão do serviço. Deve, não tanto ensinar, mas sim viver o que Jesus falou no evangelho: “Todo aquele que quiser ser o maior entre vocês, seja o seu servidor, e todo aquele que quiser ser o primeiro, seja o seu empregado”. Esta maneira de exercer o poder é sumamente atual para hoje.
Carlos Mesters, O. Carm.