4º Dia: Ser cooperadores da misericórdia de Deus (10 de Julho)
O Evangelho deste domingo (o bom samaritano: Lc 10, 25-37) está não no coração e centro do Ano da Misericórdia, como também no coração e centro da vida e missão da Igreja: “A arquitrave que suporta a vida da Igreja é a misericórdia. A sua credibilidade passa pela estrada do amor misericordioso e compassivo” (VM 10).
O episódio de hoje é conhecido: um doutor da Lei pergunta a Jesus o que deve fazer para ter a vida eterna. A reação de Jesus é significativa: não responde logo, dá ao interlocutor a primazia e, interessado na novidade irrepetível do que este é, pensa e sente, pergunta-lhe: “Que está escrito na Lei? Com a lês tu?” E ele responde, repetindo a oração que recita duas vezes ao dia, o Shemá, “Escuta, Israel. Amarás o Senhor teu Deus de todo o teu coração…” (Dt 6,4-5) e acrescentando, por própria iniciativa, outro preceito da Lei, que põe acima dos restantes: “Amarás ao teu próximo como a ti mesmo” (Lv 19,18). O preceito que, no dizer de Paulo, é “a palavra” em que se cumpre e que recapitula toda a Lei (Gl 5,14; Rm 13,9). Jesus aprova a resposta, mas nota que não basta saber, é preciso pô-lo em prática: “Faz isso e viverás”. A vida é um dom que só se tem na medida em que se vive: estou vivo porque vivo; se deixar de o fazer, morro. Assim também a fé: quem acredita no Evangelho, recebe a vida eterna; mas só a tem, quem a viver, amando a Deus sobre todas as coisas e ao próximo como a si mesmo.
Se a primeira questão parecia fácil de resolver ao nível da razão, bem mais difícil é pô-la em prática, traduzi-la nas nossas relações uns com os outros, a começar por aqueles com quem diariamente vivemos e nos cruzamos nos caminhos da vida: os nossos próximos. Tal caminho é uma história que se vai escrevendo, dia após dia, através de inúmeras situações e acontecimentos, novos e imprevisíveis. Por isso, à pergunta “quem é o meu próximo?”, Jesus responde com uma parábola, uma história que interpela a vida.
Uma pessoa regressava de Jerusalém por Jericó e caiu nas mãos de salteadores que a roubaram, cobrindo-a de feridas e deixando semimorta à beira do caminho. Por uma daquelas coincidências de que é feita a vida, seguem pelo mesmo caminho um sacerdote e um ajudante do Templo que, ao vê-la, passam pelo lado oposto, a fim de não se contaminar. Vêm-na, mas não se aproximaram, endurecem o coração, não reconhecem nela um semelhante e, indiferentes ao seu sofrimento, seguem o caminho que se tinham proposto, não escutando “a palavra” que Deus lhes estava a dirigir naquela situação através daquela pessoa, imagem e presença Sua.
Entretanto um samaritano, um estrangeiro (imagem da Igreja, que segue pelo caminho da humanidade sofrente), passa junto ao ferido: vê-o, enche-se de compaixão, deixando que os sentimentos que o Pai imprimiu no coração humano nela brotem, reconhecendo a voz de Deus naquela situação, escutando “a Palavra” que está tão próxima, que está escrita no nosso coração por Deus, e abraçou aquela pessoa que sofria, nela abraçando a Palavra que leva à plenitude a Lei, tudo recapitulando em si (cf. Mt, 5,17; Ef 1,10), o próprio Cristo, que diz: “Tudo o que fizestes a um destes meus irmãos mais pequeninos, a Mim o fizestes” (Mt 25,40). E, sem olhar a agenda ou planos pessoais, usa de misericórdia para com ele: aproxima-se, trata dele, põe-no em cima da própria montada, leva-o para a estalagem mais próxima, cuida dele e, no dia seguinte, dando-lhe tempo para que se restabeleça, deixa dinheiro ao estalajadeiro, recomendando-lhe que trate bem dele, assegurando-lhe que, no regresso, lhe pagará o que faltar. “Quem foi o próximo dessa pessoa?”. “O que usou de misericórdia para com ele”, responde o legista. “Vai e faz tu o mesmo”, concluiu Jesus.
Toda a vontade de Deus, expressa nos mandamentos, resume-se no amor; mas este prova-se nos atos: em atos gratuitos de genuíno amor e misericórdia para com o próximo. Só faz a vontade de Deus quem escuta a Sua voz no íntimo do coração e O ama, vendo-O, escutando-O e amando-O no próximo, usando de misericórdia para com ele. O próximo é a imagem e a Palavra de Deus para mim, hoje: imagem para nele ver a Cristo e Palavra para através dele escutar o próprio Cristo presente na nossa vida, como recorda S. Paulo: “Cristo é a imagem do Deus invisível” (Cl 1,15). Quem o faz, torna-se ele mesmo imagem e semelhança de Cristo para os outros, cooperador da misericórdia de Cristo, que disse: “Amai-vos uns aos outros como Eu vos amei. Nisto reconhecerão todos que sois meus discípulos”.
No entardecer da vida seremos julgados sobre o amor, segundo a medida da misericórdia que usamos uns para com os outros. Nossa Senhora, em casa de Isabel, nas bodas de Caná, de pé, junto à cruz mostra-nos que o caminho da fé passa pela prática do amor, traduzindo-se em obras de misericórdia. No Carmelo somos todos chamados a ser Maria e Marta, como nos recorda S. Maria Madalena de’ Pazzi. Que respondo eu a esta Palavra, como lhe correspondo em casa, na família, no trabalho, na Igreja, nos caminhos da vida? Sou capaz de ver o meu próximo, porque o não julgo e perdoo? Sou capaz de o escutar, compreender, amar e ajudar, sobretudo quando sofre? “Vai e faz tu o mesmo”. E terás vida eterna, o próprio Deus a viver em ti!